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REGIME MILITAR
Família pretende provar que Iara Iavelberg não se suicidou, contrariando versão dada pelo governo
Corpo da mulher de Lamarca é exumado
DA REPORTAGEM LOCAL
Foi exumado ontem em São
Paulo o corpo da mulher do guerrilheiro Carlos Lamarca, Iara Iavelberg, que morreu em 20 de
agosto de 1971, após a polícia invadir o apartamento em que ela
morava, em Salvador (BA).
A versão do regime militar para
a morte de Iara é a de que ela teria
cometido suicídio. O irmão da
guerrilheira, Samuel Iavelberg,
afirma que a família pediu a exumação para tentar provar, após
perícia, que ela, na verdade, teria
sido morta pela polícia. Ele disse
que a família não pretende pedir
indenização ao Estado caso essa
versão seja comprovada.
Além disso, diz Samuel, a família quer, caso seja provado que Iara não cometeu suicídio, mudar a
forma como ela está enterrada.
Seguindo a tradição judaica, por
ter supostamente se suicidado, a
guerrilheira foi sepultada "com
desonras", em terreno não-consagrado e "de costas" para o restante do Cemitério Israelita do
Butantã -ou seja, com os pés, em
vez da cabeça, próximos à lápide.
A exumação foi determinada
pelo Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo no dia 4 de novembro de 2002, a partir de recurso da
família, após a Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo conseguir, em primeira instância, impedir que o corpo fosse desenterrado para a perícia.
Segundo Abrão Bernardo, assessor da presidência da entidade,
exumá-la vai contra a religião judaica, por ser, ele diz, "uma violação do corpo, que é sagrado".
Paralisação
Na semana passada, o juiz Alexandre Alves Lazzarini, da 16ª Vara Cível de São Paulo, cumprindo
a decisão do Tribunal de Justiça,
determinou que a exumação fosse
realizada. Segundo o deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh
(PT-SP), advogado da família no
processo, o IML (Instituto Médico Legal) marcou para ontem a
data da exumação.
Ao meio-dia de ontem, porém,
o juiz mandou suspender o procedimento, aceitando argumentação dos advogados do cemitério. "Não fomos notificados e não
tivemos condição de nos preparar", disse Bernardo.
Segundo Greenhalgh e Samuel,
também teria sido argumentado
incorretamente que se tratava de
um feriado religioso para os judeus, o que impossibilitaria trabalhos no cemitério.
Greenhalgh recorreu ao juiz e
conseguiu um acordo com a Sociedade Cemitério Israelita para
que a exumação prosseguisse sem
a presença da imprensa, o que,
ainda segundo Greenhalgh, teria
sido exigido porque representaria
uma "profanação do túmulo".
O irmão de Iara conta que a família briga na Justiça, em outros
processos, há 13 anos para conseguir exumar o seu corpo. Segundo ele, o enterro foi uma "operação militar", em que o caixão chegou lacrado ao cemitério, e que
não foi permitido que as cerimônias tradicionais, como a lavagem
do corpo, fossem realizadas.
Abrão Bernardo afirma que a
entidade aceitou a versão oficial
de suicídio porque "o óbito veio
dessa forma".
Samuel diz que a Sociedade Cemitério Israelita é uma "entidade
ultraconservadora e com tendências direitistas". "É uma questão
política, no fundo. Eles não querem que se afronte a versão militar", afirmou.
"Não tínhamos como agir de
forma diferente naquela época",
disse Bernardo sobre as declarações de Samuel, negando qualquer motivação política.
Após ser exumado, o corpo foi
levado para a faculdade de medicina da USP, onde será analisado.
(RAFAEL CARIELLO)
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