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500 ANOS
CE e PE reivindicam ser o lugar onde, três meses antes de Cabral, espanhol desembarcou no Brasil
Descobrimento vira disputa no Nordeste
KAMILA FERNANDES
da Agência Folha, em Fortaleza
FÁBIO GUIBU
da Agência Folha, em Recife
Quinhentos anos
depois do Descobrimento do Brasil,
Pernambuco e Ceará disputam o reconhecimento como
o local do país onde os europeus
teriam pisado pela primeira vez.
Registros e evidências tidos hoje
como incontestáveis pela maioria
dos historiadores indicam que,
cerca de três meses antes de Pedro
Álvares Cabral, o navegador espanhol Vicente Yañez Pinzón chegou ao litoral nordestino.
Em 26 de janeiro de 1500, o espanhol desembarcou em um local
batizado por ele de cabo de Santa
Maria de la Consolación. Para
uns, trata-se do cabo de Santo
Agostinho (PE). Para outros, da
ponta de Mucuripe ou da praia de
Ponta Grossa, no Ceará.
Pinzón zarpou de Palos, no sul
da Espanha, chefiando quatro caravelas, em novembro de 1499, seguindo para o arquipélago de Cabo Verde, no oceano Atlântico.
De lá, saiu em 13 de janeiro e enfrentou, durante parte da viagem,
forte tempestade. Em apenas 13
dias, um prazo curtíssimo para as
condições da época, avistou terra.
A historiografia portuguesa tradicional sempre considerou que o
espanhol havia aportado a noroeste do cabo Orange, limite extremo do litoral brasileiro, ou seja, no atual território da Guiana
Francesa.
Essa hipótese é descartada por
historiadores como o almirante
Max Justo Guedes, diretor do Departamento de Patrimônio Histórico da Marinha e autor de um
importante estudo sobre a viagem de Pinzón à América do Sul.
"Nos relatos de bordo, que foram preservados, e nos depoimentos dos próprios tripulantes
da nau de Pinzón consta que, em
determinado ponto da viagem,
eles perderam de vista a estrela
Polar, o que só acontece quando
se cruza a linha do Equador. Nesse caso, seria inevitável desembarcar no litoral brasileiro", afirma Justo Guedes. A linha do
Equador passa um pouco ao norte de Belém (PA).
Textos mais antigos, de historiadores brasileiros como Raimundo Girão, Capistrano de
Abreu, Adolfo Varnhagen e Pompeu Sobrinho, já afirmavam que
os navegadores espanhóis Pinzón
e Diego de Lepe chegaram ao Brasil antes de Cabral. O também espanhol Lepe fez um trajeto semelhante ao de Pinzón, algumas semanas depois.
"Eles só não tomaram posse do
local porque tinham noção clara
de que estavam pisando em terras
portuguesas, demarcadas pelo
Tratado de Tordesilhas em 1494",
disse o professor de história Francisco José Pinheiro, da Universidade Federal do Ceará.
Outra dificuldade encontrada
pela tripulação espanhola para
deixar colonos em território brasileiro foi a hostilidade dos nativos (provavelmente potiguares).
Aconteceram confrontos, com
várias mortes. Pinzón acabou
capturando índios e levando-os
para a Espanha como escravos.
À medida que se aproximam os
500 anos do desembarque de Pinzón, cresce a polêmica sobre qual
foi o local exato da chegada do espanhol.
A evidência histórica mais forte
de que Pinzón teria chegado ao
Ceará foi um mapa feito em outubro de 1500 pelo navegador e cartógrafo espanhol Juan de la Cosa.
Ele não esteve na viagem de Pinzón, mas seu mapa (veja quadro
abaixo) traz contornos que demonstram conhecimento do litoral nordestino, particularmente
do cearense. As evidências mostram que La Cosa obteve relatos
das viagens de Pinzón e Lepe.
Pompeu Sobrinho descreve em
seu livro "Protohistória Cearense" que La Cosa, "o mestre de cartas de marear", teria encontrado
Lepe em Cuba, em abril de 1500, e
Pinzón em Sevilha (Espanha), no
início de outubro, pouco antes de
concluir o mapa.
Para mostrar o local aproximado onde Pinzón teria aportado, o
almirante Justo Guedes sobrepôs
o mapa de La Cosa ao atual mapa
brasileiro, comparando o desenho do litoral. Na comparação,
destaca-se a ponta do Mucuripe,
onde hoje fica hoje o porto de
Fortaleza (CE).
"Pelas anotações do próprio
Pinzón, que narram, objetivamente, as condições da correnteza, do vento e o desenho do litoral, e pelo mapa fica descartada a
hipótese de que ele tenha chegado
no cabo de Santo Agostinho", declara Justo Guedes.
Mas, entre os que defendem a
tese da chegada no Ceará, há controvérsias sobre o local: ponta do
Mucuripe ou a praia de Ponta
Grossa, em Icapuí (230 km a sudeste de Fortaleza), quase na divisa com o Rio Grande do Norte?
Em defesa da praia de Ponta
Grossa, Pompeu Sobrinho relatou, com apoio no trabalho do
cearense Raimundo Girão, que as
anotações de Pinzón descrevem
uma duna com cerca de 100 metros de altura (possivelmente a
ponta de Iguape, 26 km a leste de
Fortaleza), seguida de um trecho
de costa uniforme a leste, que termina em uma ponta ou saliência.
No mapa de La Cosa, ao lado
dessa ponta, está escrito "Cº de
Stmª", o que, na interpretação de
Pompeu Sobrinho, significa a
abreviação de "Cabo de Santa
Maria de la Consolación" (local
de chegada de Pinzón). Segundo
o historiador, essas indicações
coincidem exatamente com a
praia de Ponta Grossa.
Campanha
O município de Cabo de Santo
Agostinho está em campanha
aberta, colecionando evidências
históricas de que Pinzón desembarcou ali.
Historiadores buscam apoio
para a tese nos registros contidos
no chamado "Arquivo de Índias",
instalado em Sevilha. Entre os documentos do arquivo, está um relato de Pinzón sobre a viagem, feito 13 anos depois.
Segundo a professora de história ibérica Bartira Ferraz, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), Pinzón descreve o local onde aportou e cita, entre outras particularidades, os arrecifes
de corais que encontrou.
Esse tipo de barreira natural é
comum no litoral nordestino da
Bahia até o Rio Grande do Norte.
"No Ceará, entretanto, os arrecifes não existem", disse Ferraz.
No mesmo documento, Pinzón
diz que o local do desembarque
correspondia à latitude de oito
graus ao sul do Equador (aproximadamente onde fica Recife). O
cabo de Santo Agostinho fica a
cerca de 40 km ao sul de Recife.
Bartira Ferraz afirma que, após
a morte de Pinzón, o relatório foi
usado por seu filho em um processo movido contra a Corte espanhola, reivindicando terras.
É justamente o fato de estar relacionado a uma disputa pela posse de terras que faz com que historiadores tenham restrições a esse
relato tardio de Pinzón.
Apesar de os espanhóis terem
chegado antes de Cabral ao Brasil,
é indiscutível a importância histórica do "descobrimento" do país
em 22 de abril de 1500, em Porto
Seguro (BA), pelos portugueses,
na opinião do professor Pinheiro.
"A principal questão foi a conquista. Os espanhóis encontraram o território, mas não puderam tomar posse por causa do
Tratado de Tordesilhas. A chegada dos portugueses não foi, portanto, simplesmente o descobrimento, mas a conquista das terras
que já haviam sido demarcadas
seis anos antes", disse.
Colaboraram Paulo Mota e Paulo Zocchi, da Agência Folha
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