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ELIO GASPARI
Gastamos, quem, Grande Chefe? Gastaste
A mensagem que FHH enviou ao Congresso no início
desta semana é um documento
alarmante. De duas, uma: ou o
presidente vive em outro mundo, ou há razões para supor
que esteja caminhando para
transformar em crise política a
ruína econômica que fabricou
por gestão temerária, populismo cambial e apostas banais.
Parece exagero ver uma coisa dessas num texto em que há
12 elogios à atuação do Congresso e um ao "comedimento"
da oposição. O que o torna
alarmante são duas questões,
uma de fundo e outra de superfície.
A questão de fundo é simples. FFH informou que as dificuldades financeiras não resultaram "basicamente" do
"desequilíbrio externo", mas
"desequilíbrio persistente das
nossas contas públicas".
O populismo cambial produziu quatro anos sucessivos de
déficits comerciais. ("O cachorro-quente da Disney é melhor." "Comprei este sapato
em Nova York por R$ 20."
"Desde que meu gato começou
a comer Science Diet parou de
deixar pêlos no sofá.") Entre o
que vendeu e o que comprou, a
economia brasileira ficou devendo US$ 26 bilhões de dólares. Não houve um só ano no
qual a ekipekonômica tivesse
deixado de fazer previsões róseas no início do ano, revendo-as no segundo semestre.
Ouça-se o ministro Malan
em março de 1995: "Estou seguro de que terminaremos o
ano com expressivos superávits na balança comercial".
Em abril, aceitava "pequeno
superávit".
Em julho, informou que o
buraco de dezembro não teria
importância, pois a relevância
estava na "tendência".
Por falar em tendência, o déficit de 1995 foi de US$ 3,4 bilhões, passou a US$ 5,5 bilhões,
no ano seguinte, e a US$ 8,4 bilhões em 1997. Tomou jeito no
ano passado, quando a economia já estava arruinada. Mesmo assim, ficou em US$ 6 bilhões, quase o dobro da "tendência" de 95.
Como diria o tucanato:
"Compramos mais do que produzimos". Como sucede com as
astúcias populistas, o governo
praticava uma política enquanto desmentia seus efeitos.
Citando seu autor predileto
(Fernando Henrique Cardoso),
o presidente lembrou ao país
que "gastamos mais do que arrecadamos". Gastamos quem,
Grande Chefe Branco? Gastais.
Vá o leitor para uma fila de
ônibus e pergunte ao distinto
público quem é que gasta o dinheiro da Viúva. É a turma que
só viaja de ônibus da sala de
embarque ao avião.
Não só é o governo quem gasta, mas foi o governo de FHH
quem gerou o déficit que, segundo ele (erradamente), arruinou o país. Ao fim do governo Itamar Franco, graças à
atuação do ministro Fernando
Henrique Cardoso, FFH recebeu um país com as contas públicas em ordem. Seja qual for o
ponto de observação, o déficit
público foi obra sua.
Quando o presidente atribui
a crise econômica ao déficit público, procura diluir no Congresso a sua responsabilidade.
Isso porque se pode acusar os
senadores e deputados de tudo,
menos de terem sido responsáveis pelo populismo cambial.
Mais: ao fazer isso procura
manter encurralado um Parlamento que lhe deu o que quis,
inclusive 15 emendas constitucionais. (Emendas a uma
Constituição que o senador
Cardoso ajudou a fazer.)
É injusto assegurar que o gosto pela transformação da crise
econômica em crise política seja uma premeditação. É muito
provável que ele derive de uma
vontade de transferir responsabilidades. É difícil saber qual
dos dois comportamentos traz
maiores riscos.
Dotado de enorme capacidade para reiterar seu acertos
(gastou algo como a décima
parte do texto da mensagem citando a própria clarividência)
FFH tem uma dificuldade, recente e incompreensível, para
admitir seus erros.
Há um exemplo, de alarmante e astuciosa superficialidade:
A certa altura da mensagem,
atribuiu o aumento da desconfiança da banca à "percepção
de que haveria atraso na tramitação de outro projeto fundamental para o ajuste, da
prorrogação e aumento da alíquota da CPMF".
Essa é forte. Projeto só se
atrasa na tramitação quando
está no Congresso. Pois a
CPMF não atrasou um só dia
no Senado nem vai atrasar na
Câmara. Repetindo: um só dia.
Esse imposto só será arrecadado em julho porque o Executivo
atrasou-se na remessa do projeto de emenda constitucional
ao Congresso. Esse é o único
motivo da perda de R$ 22 milhões por dia, desde 24 de janeiro. FHH, bem como os ministros Clóvis Carvalho e Pedro
Malan, sabe muito bem que essa lambança foi obra exclusiva
do Executivo. Sabe também
por quê, mas deixa pra lá. Não
é justo que se faça a choldra de
boba, e o Congresso, de saco de
pancada.
A mensagem de FFH foi um
documento de dependência reversa. Primeiro procurou passar para a política uma crise de
má gerência econômica.
Depois, transferiu à humanidade uma sentença severa que
ela não fez, mas que ele endossa. Tratando do colapso do populismo monetarista, disse assim:
"Em suma, o mundo não nos
dava mais tempo para o gradualismo, nem na política fiscal, nem na cambial".
O mundo não. A banca.
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