São Paulo, domingo, 24 de março de 2002

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NO PLANALTO

Contas de Ricardo "R$ 4,5 milhões" Sérgio já estão ao relento

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Caiu a liminar que impedia a Receita Federal de apalpar os extratos bancários de Ricardo Sérgio de Oliveira. O destino do coletor das arcas eleitorais do grão-tucanato é agora uma porta aberta para a encrenca.
Aqui se publicou, no domingo passado, a notícia de que o fisco passa um pente-fino nas declarações de rendimentos de oito arrebanhadores de fundos do comitê de campanha de FHC. Entre eles, Ricardo Sérgio.
Intimado e reintimado a apresentar os extratos de suas contas bancárias, Ricardo Sérgio foi buscar refúgio contra o que chamou de "devassa violadora" atrás de uma liminar obtida na Justiça Federal de Brasília.
Já na segunda-feira, dia seguinte à revelação da Folha, o juiz Hilton Queiroz, do TRF da 1ª Região, arrancou-lhe o biombo. Acatando recurso do procurador Wagner Pires de Oliveira, da Fazenda Nacional, suspendeu os efeitos da liminar.
Abriu-se o caminho para que, nos próximos dias, a Receita vá buscar na marra os dados que Ricardo Sérgio tenta proteger da luz do sol. Respaldado na lei, o fisco requisitará diretamente à rede bancária o mapa do varejo da movimentação financeira do investigado.
Só no biênio 1998/1999, escoaram pelas contas de Ricardo Sérgio algo como três Jorge Murad e meio: cerca de R$ 4,5 milhões. Está-se falando apenas da pessoa física. Não entram no cálculo as contas de empresas do personagem.
Como a renda declarada de Ricardo Sérgio é grotescamente inferior à sua movimentação bancária, a Receita quer saber de onde veio e para onde foi a dinheirama. Daí o vívido interesse em cotejar os extratos.
Ricardo "no limite da irresponsabilidade" Sérgio é um escândalo esperando na fila para acontecer. Ele começou a emergir do mundo das sombras entre 1995 e 1998. Nesse período, ocupou a diretoria internacional do Banco do Brasil. Sob o apadrinhamento de José Serra, cujo baú de campanha ajudara a fornir em 1994.
Informado pelo repórter sobre a implosão da liminar, o advogado de Ricardo Sérgio, Luiz Rodrigues Corvo, disse que seu cliente "deve recorrer" da decisão do juiz Hilton Queiroz. O que remeterá o caso para a 4ª turma de julgamento do TRF. A decisão pode ser demorada.
Os fiscais da Receita apostam que concluirão a pescaria na rede bancária antes de um novo pronunciamento do Judiciário. E peixe recolhido ao cesto, como se sabe, não costuma ser devolvido ao mar com vida.
Os herdeiros de Sérgio Motta são companheiros de infortúnio de Ricardo Sérgio. Antes de morrer, em 1998, o ministro frequentou o submundo monetário das campanhas eleitorais.
Agora, para desassossego da viúva Wilma Motta, que guarda zeloso silêncio, a Receita perscruta cada dobra do inventário do marido. Detectaram-se supostas incongruências graves. Os auditores fiscais farejam confusão. Agem com prudência extremada. Sabem que lidam com nitroglicerina.
Vasculham-se também, como já noticiado, as declarações de outras seis pessoas: Luiz Carlos Bresser Pereira, Andréa Matarazzo, Egydio Bianchi, Ademar Cesar Ribeiro, Luiz Fernando Furquim e Humberto Motta.
O trabalho da Receita, eminentemente técnico, chega num momento em que o cenário eleitoral é turvado pelo barulho que emana dos porões de Brasília. Um ranger ensurdecedor de dobradiças. Um frenético abrir e fechar de armários e gavetas.
Há muito papel estocado. O material não insinua boa coisa. É tonificado por um ingrediente apimentado. Chama-se dinheiro de campanha. Para ser mais preciso: caixa dois.
Um exemplo: em depoimento aos procuradores Guilherme Schelb e Alexandre Camanho, no dia 17 de novembro de 2000, o ex-ministro José Eduardo Andrade Vieira (Agricultura) declarou:
1) na primeira campanha de FHC, em 1994, foi convidado a exercer a coordenação financeira da campanha. Aceitou apenas o papel de "colaborador";
2) a coordenação foi centralizada nas mãos de Sérgio Motta. Auxiliaram-no na arrecadação Bresser Pereira e Andrea Matarazzo, "entre outros";
3) não havia prestação de contas do dinheiro amealhado à coordenação política da campanha;
4) quando o empresário não desejava aparecer, "para permanecer no anonimato", comparecia com moeda sonante. Existiam "contas bancárias paralelas";
5) FHC "acompanhava pessoalmente o volume de recursos financeiros arrecadados" em 1994.
Andrade Vieira parece conhecer bem a matéria. Na quinta-feira, o ex-presidente José Sarney guiou os seus pés de barro até a tribuna do Senado. Às voltas com a imagem do R$ 1,34 milhão que envenena as pretensões presidenciais da filha Roseana Sarney, disparou:
"O senador Antonio Carlos Magalhães conta como testemunho, sobre a memória de seu grande filho Luís Eduardo Magalhães, que viu, em 1994, o senador Andrade Vieira entregar R$ 5 milhões -hoje, atualizados, R$ 10 milhões- como contribuição à pré-campanha do presidente Fernando Henrique Cardoso. Na presença do candidato".
A referência não mereceu retoques do líder governista Artur da Távola, escalado para rebater a fala de Sarney. O próprio Palácio do Planalto reage às menções monetárias com um silêncio ensurdecedor. Um silêncio que ecoa fundo na campanha.
Segue acesa a pendenga que expõe as entranhas do consórcio governista. Muitos se assombram com a troca de acusações. Mas o eleitor, graças à disputa, fica sabendo que os destinos do país são comandados por pessoas que se consideram uma à outra indignas de confiança. Que a briga continue, que gere consequências.


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