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JANIO DE FREITAS
Outra visão
Por diferentes formulações,
muitos dos que comentaram a morte de Leonel Brizola
coincidiram na idéia de que ali
se encerrou uma era, um ciclo
ou, o que é quase o mesmo, desapareceu "o último populista". É
possível. Mas não indiscutível.
Pode-se, e talvez se deva, com
mais razão identificar em 1995 o
encerramento de um ciclo, no
sentido que lhe foi dado pelos comentários. Com o governo de
Fernando Henrique que então
se inicia, a conjunção de poder
político, meios de comunicação
e interesses internacionais impõe o abandono de concepções
presentes, e determinantes, em
pelo menos seis décadas e meia
da vida brasileira, fosse regime
democrático ou ditadura, fossem quais fossem o presidente, o
ditador, a composição política
no poder ou a corrente militar
dominante.
A ampla variação de graus do
nacionalismo, entre a obstinação rígida e a aceitação por conveniência, constituiu um ideário
que em nenhum momento, pelo
menos desde a Revolução de 30
até 95, deixou de integrar cada
parte da vida política e econômica. Rejeitá-lo nunca passou
de ato individual, e assim mesmo tão excepcional, que conferiu uma identidade extra às pessoas de que o "entreguista" Roberto Campos se tornou referência.
O multiforme ideário nacionalista é a primeira demolição,
ou primeira ruptura, que se inicia em 95. Tão veloz e eficiente
foram os tratores, que em pouco
tempo se viam comandos militares associando-se a operadores
da Embaixada dos Estados Unidos para entregar a uma empresa norte-americana, por meios
artificiosos, o esquema de segurança da metade norte do Brasil.
Nem a soberania, como conceito
ou como sentimento, sobreviveu
onde mais deveria existir, que
dirá no Congresso sujeitado e na
população dependente da mídia.
A partir de 95, o Brasil torna-se um apêndice do sistema internacional de exploração financeira dos países secundários, sistema a que, como parte do seu
jogo, os interessados deram o
nome amorfo de mercado. Já
por aí o que se instalou, a partir
de 95, foi uma concepção absolutamente nova de função do
governo, da riqueza nacional e
da relação entre presente e futuro.
Um país esvaziado de nacionalismo não pode ter uma idéia
viva de povo. A predominância
de princípios e fins originários
de fora e orientados para fora
resultou no que Fernando Henrique, em uma formulação primária, denominou de rompimento com o getulismo. Era o
rompimento com as causas sociais próprias de governo. Por
mais tênue e desagradado que
fosse, o dever governamental para com a população - seu poder aquisitivo e os serviços de
que depende (hospitais, estradas, escolas e universidades, segurança) - nunca foi negado
como razão de ser dos governos,
por pouco que alguns o tenham
praticado.
A partir de 95 instaura-se o
predomínio do combate à inflação à custa dos investimentos
governamentais, dos deveres gerais para com a população e do
empobrecimento nacional por
falta do necessário e possível
crescimento econômico. Sempre
secundárias na prática, as razões sociais da existência de governo deixaram de figurar nas
concepções dominadoras do
país. O governo tornou-se dispensado do compromisso com a
população.
Mesmo com dois mandatos,
um governo não bastaria para
encerrar um ciclo histórico. Mas
o governo Lula confirma o encerramento. E a maneira de fazer política do próprio Lula, talvez ainda por um resquício de
constrangimento, não é senão o
"populismo" que, na afirmação
de alguns comentários, teria desaparecido com Brizola.
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