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São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 2003

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ANPOCS 2003

Pesquisadores querem que presidente promova mudanças na economia, como desvalorizar real e derrubar juros

Intelectuais cobram "audácia" de Lula

MARTA SALOMON
RAFAEL CARIELLO
ENVIADOS A CAXAMBU (MG)

Sem uma receita pronta, parte da intelligentsia nacional cobrou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva as mudanças na política econômica para as quais teria sido eleito. Controlar a entrada de capitais, desvalorizar o real, derrubar as taxas de juros, "enfrentar" o FMI (Fundo Monetário Internacional) e implementar uma política industrial são medidas do cardápio apresentado anteontem a uma platéia de quase mil pesquisadores e estudantes reunidos em Caxambu para o 27º encontro da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais).
Manter a atual política econômica pode até garantir a reeleição a Lula em 2006, segundo o diagnóstico dos intelectuais, mas a um custo elevado: na economia, estagnação; na política -e no limite-, a descrença numa democracia capaz de eleger um projeto de mudança sem executá-lo.
"Temos de começar a advertir que tempo em política é igual a dinheiro em economia: não admite gastos perdulários", disse o cientista político Luiz Werneck Vianna, presidente da Anpocs. No debate "Por onde tem ido e por onde irá o governo Lula", Vianna foi a palavra moderada diante das análises dos economistas Luiz Carlos Bresser Pereira (tucano) e Ricardo Carneiro (petista).
Crítico habitual das altas taxas de juros e da valorização do real desde o mandato de Fernando Henrique Cardoso, o ex-ministro Bresser Pereira defendeu que o governo derrube a taxa básica do Banco Central para algo entre 3% e 4% reais ao ano e desvalorize a moeda. Cada dólar deveria custar, segundo ele, R$ 3,50. Seria um sacrifício, observou, principalmente para o poder de compra dos salários. Mas inevitável, insistiu.
Sem contrariar os preceitos do FMI, concluiu o economista, não é possível o país crescer mais que 2% nos próximos anos, número próximo das previsões oficiais. Um resultado que não garantirá estabilidade ao país e será incapaz de resgatar a dívida social: "É isso que nós vamos ter: segurança para os ricos e pobreza para os pobres", resumiu Bresser Pereira.

O caminho
Para o professor da Unicamp Ricardo Carneiro, a mudança do modelo econômico prometida por Lula na campanha pressupõe controlar o fluxo de capitais e intervir no câmbio, além de pôr em prática uma política industrial. "Não estou dizendo para fechar a economia, mas para planejar."
Insistindo em que não há uma alternativa pronta, Carneiro classificou a política econômica conduzida pelo ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) de "temerária" e insustentável. "Ele [o governo Lula] tem surfado na onda liberal. E isso dá em desenvolvimento? Não creio", afirmou.
Durante o debate, ninguém identificou em medidas ou em intenções manifestadas pelo governo sinais de mudança na política econômica herdada de FHC. Bresser Pereira disse ter ouvido de pessoas próximas a Lula que o presidente está "incomodado", sobretudo com as altas taxas de juros. Mas, enquanto o tucano descrê da possibilidade de mudança, o petista Carneiro disse preferir acreditar nela.
O sociólogo Paulo Roberto Almeida, da Embaixada do Brasil nos EUA, outro debatedor, disse que quem mudou foi o PT -e antes da eleição- ao aderir a "um reformismo moderado".
Para tentar equilibrar o debate, o presidente da Anpocs lembrou o temor da época da campanha eleitoral de que o Brasil virasse uma Argentina (tese tucana) e Lula governasse o país como Hugo Chávez governa a Venezuela. Luiz Werneck Vianna apontou, porém, que depois de um primeiro momento de "lucidez" conservadora, o governo precisa encontrar o caminho da mudança.
A platéia vibrou com a intervenção do sociólogo Octávio Ianni, professor emérito da USP. Ianni responsabilizou o governo FHC e seu ex-ministro Bresser Pereira pelas dificuldades encontradas por Lula para retomar um projeto de desenvolvimento construído a partir dos anos 30 e interrompido desde os governos militares.
Houve um início de bate-boca entre Ianni e Bresser. O debate foi suspenso depois da intervenção de dois estudantes contrariados com a maioria da platéia, simpática a dar um desconto para as dificuldades enfrentadas por Lula.


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