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ANPOCS 2003
Pesquisadores querem que presidente promova mudanças na economia, como desvalorizar real e derrubar juros
Intelectuais cobram "audácia" de Lula
MARTA SALOMON
RAFAEL CARIELLO
ENVIADOS A CAXAMBU (MG)
Sem uma receita pronta, parte
da intelligentsia nacional cobrou
do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva as mudanças na política econômica para as quais teria sido
eleito. Controlar a entrada de capitais, desvalorizar o real, derrubar as taxas de juros, "enfrentar"
o FMI (Fundo Monetário Internacional) e implementar uma política industrial são medidas do
cardápio apresentado anteontem
a uma platéia de quase mil pesquisadores e estudantes reunidos
em Caxambu para o 27º encontro
da Anpocs (Associação Nacional
de Pós-Graduação e Pesquisa em
Ciências Sociais).
Manter a atual política econômica pode até garantir a reeleição
a Lula em 2006, segundo o diagnóstico dos intelectuais, mas a um
custo elevado: na economia, estagnação; na política -e no limite-, a descrença numa democracia capaz de eleger um projeto de
mudança sem executá-lo.
"Temos de começar a advertir
que tempo em política é igual a dinheiro em economia: não admite
gastos perdulários", disse o cientista político Luiz Werneck Vianna, presidente da Anpocs. No debate "Por onde tem ido e por onde
irá o governo Lula", Vianna foi a
palavra moderada diante das análises dos economistas Luiz Carlos
Bresser Pereira (tucano) e Ricardo Carneiro (petista).
Crítico habitual das altas taxas
de juros e da valorização do real
desde o mandato de Fernando
Henrique Cardoso, o ex-ministro
Bresser Pereira defendeu que o
governo derrube a taxa básica do
Banco Central para algo entre 3%
e 4% reais ao ano e desvalorize a
moeda. Cada dólar deveria custar,
segundo ele, R$ 3,50. Seria um sacrifício, observou, principalmente
para o poder de compra dos salários. Mas inevitável, insistiu.
Sem contrariar os preceitos do
FMI, concluiu o economista, não
é possível o país crescer mais que
2% nos próximos anos, número
próximo das previsões oficiais.
Um resultado que não garantirá
estabilidade ao país e será incapaz
de resgatar a dívida social: "É isso
que nós vamos ter: segurança para os ricos e pobreza para os pobres", resumiu Bresser Pereira.
O caminho
Para o professor da Unicamp
Ricardo Carneiro, a mudança do
modelo econômico prometida
por Lula na campanha pressupõe
controlar o fluxo de capitais e intervir no câmbio, além de pôr em
prática uma política industrial.
"Não estou dizendo para fechar a
economia, mas para planejar."
Insistindo em que não há uma
alternativa pronta, Carneiro classificou a política econômica conduzida pelo ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) de "temerária" e insustentável. "Ele [o governo Lula] tem surfado na onda liberal. E isso dá em desenvolvimento? Não creio", afirmou.
Durante o debate, ninguém
identificou em medidas ou em intenções manifestadas pelo governo sinais de mudança na política
econômica herdada de FHC.
Bresser Pereira disse ter ouvido de
pessoas próximas a Lula que o
presidente está "incomodado",
sobretudo com as altas taxas de
juros. Mas, enquanto o tucano
descrê da possibilidade de mudança, o petista Carneiro disse
preferir acreditar nela.
O sociólogo Paulo Roberto Almeida, da Embaixada do Brasil
nos EUA, outro debatedor, disse
que quem mudou foi o PT -e antes da eleição- ao aderir a "um
reformismo moderado".
Para tentar equilibrar o debate,
o presidente da Anpocs lembrou
o temor da época da campanha
eleitoral de que o Brasil virasse
uma Argentina (tese tucana) e Lula governasse o país como Hugo
Chávez governa a Venezuela. Luiz
Werneck Vianna apontou, porém, que depois de um primeiro
momento de "lucidez" conservadora, o governo precisa encontrar
o caminho da mudança.
A platéia vibrou com a intervenção do sociólogo Octávio Ianni,
professor emérito da USP. Ianni
responsabilizou o governo FHC e
seu ex-ministro Bresser Pereira
pelas dificuldades encontradas
por Lula para retomar um projeto
de desenvolvimento construído a
partir dos anos 30 e interrompido
desde os governos militares.
Houve um início de bate-boca
entre Ianni e Bresser. O debate foi
suspenso depois da intervenção
de dois estudantes contrariados
com a maioria da platéia, simpática a dar um desconto para as dificuldades enfrentadas por Lula.
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