São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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SÃO PAULO

Até adversários de Marta admitem avanços em ônibus e lotações, mas congestionamentos continuam a penalizar paulistano

Transporte público melhor não desafoga trânsito

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

Até adversários de Marta Suplicy (PT) reconhecem que a vida da maioria dos paulistanos que se desloca de ônibus em São Paulo melhorou devido à construção de novos corredores exclusivos, à implantação do bilhete único e à renovação da frota.
Mas as vantagens em relação à situação do transporte coletivo deixada por Pitta ficaram aquém das promessas, estão longe de significar ausência de problemas e ampliaram os resultados negativos de outra área: a do trânsito.
A melhoria nos ônibus e lotações é reflexo do montante de investimentos no setor: R$ 1 bilhão desde 2001, incluindo os oito corredores à esquerda batizados de Passa Rápido (97 km) e que reduziram a duração das viagens.
As pistas exclusivas ao transporte coletivo são defendidas por especialistas há mais de duas décadas. Embora receba os méritos de ter posto em prática essas obras em maior escala, são diversas as ressalvas ao trabalho da gestão petista: a promessa era finalizar 2004 com 400 km de vias ao menos preferenciais para os ônibus, número que não chegará a 250 km; as obras ficaram concentradas no último ano de governo; e, na correria, não houve preocupação com a segurança dos pedestres, elevando os riscos de atropelamento nos corredores.
"Os corredores realmente são uma boa. Mas não me parece que os esforços tenham resultado em benefícios na mesma proporção", avalia Luiz Célio Bottura, ex-presidente da Dersa.
A prioridade dada à circulação dos ônibus chega a ter maior aprovação dos técnicos que a própria implantação do bilhete único -cuja visibilidade eleitoral é maior.
O cartão magnético que permite baldeações livres por até duas horas -pagando R$ 1,70- também tem boa aceitação, mas é alvo de dois tipos de preocupação. "As contas ainda não estão claras", afirma Claudio Barbieri, da Escola Politécnica da USP, referindo-se à sustentabilidade econômica do benefício.
Laurindo Junqueira, ex-secretário dos Transportes de Campinas e Santos, teme que ele incentive as pessoas a morar longe do trabalho, em vez de haver ações que aproximem os centros de comércio e serviços da população.

Empresários
A assinatura de novos contratos com os operadores do transporte coletivo também elevou os investimentos de viações e perueiros -que compraram 8.632 veículos zero-quilômetro, de uma frota de 15 mil.
O investimento privado, entretanto, foi acompanhado de concessões da prefeitura às reivindicações desses setores. As linhas que lhes davam mais prejuízo foram eliminadas -prejudicando passageiros. A frota das viações foi reduzida em 20%. E 11 mil motoristas e cobradores -de 50 mil- foram demitidos.
Resultado: ônibus mais novos e rápidos mas também 15% mais cheios em relação a 2000. Como havia ociosidade, ainda não houve grande impacto no conforto. Mas preocupa.
Na lista de concessões aos operadores está ainda a alta da tarifa 7% acima da inflação e a volta dos subsídios -que, mesmo defendido por especialistas, são também uma bandeira empresarial.
A prefeita Marta Suplicy também costuma eleger como um de seus trunfos "ter acabado com a máfia do transporte" -referência a empresários que se articulavam com sindicalistas para fazer greves, como forma de pressão.
Embora não haja paralisações há mais de um ano, essa trégua é apenas momentânea. Trata-se de um mito: empresários e sindicalistas não foram trocados, são os mesmos acusados por essas práticas em anos anteriores.

Trânsito pior
O fracasso do Fura-Fila é citado de forma quase unânime por especialistas. O projeto já custou mais de R$ 300 milhões e não saiu do papel. Sua construção virou símbolo da piora do trânsito na gestão Marta, já que, enquanto ela ficava parada, as vias permaneciam bloqueadas aos carros. Sinal de falta de planejamento, crítica também feita pela concentração de obras num ano eleitoral.
Parte da piora na circulação pode até ser atribuída à elevação da frota e ao descaso do Estado na fiscalização do trânsito -com a desativação do CPTran (Comando de Policiamento de Trânsito), facilitando que carros velhos e irregulares estivessem nas ruas. Parte pode ainda ser justificada pela prioridade aos coletivos.
Mas também ficou evidente a falta de investimentos. A CET sofreu cortes em seus gastos e, em 2003, seu Orçamento representava somente 60% da arrecadação com multas. Não houve gastos com semáforos inteligentes e, sem manutenção, mais de metade das câmeras ficaram desativadas.
"Eu sou a favor de priorizar os ônibus. Mas não dá para ignorar quem anda de carro", afirma Jaime Waisman, da USP. A tentativa de Marta de compensar os prejuízos aos autos com túneis sob a Faria Lima se tornou um tiro no pé. "Foi dinheiro jogado no lixo", diz Horácio Augusto Figueira.


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