São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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PALÁCIO EM REFORMA

Vale do Rio Doce, Odebrecht e Pão de Açúcar, presentes em jantar com Lula, estão em cadastro de devedores

"Padrinhos" do Alvorada devem ao governo

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Bastaria que uma das empresas do mutirão privado responsável pela reforma do Palácio da Alvorada pagasse 40% do que deve ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para quitar a obra na residência oficial do presidente da República, com custo estimado em R$ 16 milhões. É o que indica uma pesquisa nos cadastros de devedores do governo federal.
Entusiasta da idéia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já se mudou para a Granja do Torto e ficará lá até que o Palácio da Alvorada seja restaurado com o dinheiro de um pool de empresas privadas, que foi articulado pela Abdib (Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base).
Os nomes dos "padrinhos" da reforma são mantidos oficialmente sob reserva pela associação. A lista pode mudar até o último minuto, alega a Abdib, numa referência à assinatura dos papéis do chamado "acordo de cooperação", um arranjo inédito entre a União, a entidade e a Fundação Ricardo Franco, ligado ao Instituto Militar de Engenharia. O valor médio da doação negociado com as empresas é de R$ 800 mil.
O envolvimento da fundação foi a solução encontrada pela Abdib e pelo Planalto para receber as doações das empresas e executar a restauração, já que há uma série de burocracias que dificulta o início dos trabalhos. O instituto militar diz que ainda falta ser formalizada a participação de sua fundação na reforma do Alvorada.
A direção da Abdib estima que a obra começará no prazo de cerca de dez dias. Segundo a fundação e o Planalto, no entanto, não há como estimar o início da reforma.
Na última terça-feira, como parte do negócio deflagrado depois de reclamações do próprio presidente às instalações do palácio, representantes de 18 grupos empresariais dispostos a pôr dinheiro na obra jantaram com Lula.
Uma pesquisa nos cadastros do próprio governo e disponíveis na internet no endereço www.comprasnet.gov.br indica que nenhuma dessas empresas tem ficha limpa nos arquivos consultados pelos gestores públicos para a celebração de contratos, como a Procuradoria Geral da Fazenda, que indica pendências no pagamento de impostos federais, e o cadastro do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), onde é possível ver se os contratantes estão em dia com as contribuições por seus empregados.
Empresas que renegociam suas dívidas ou discutem os valores na Justiça aparecem igualmente como devedoras nesses cadastros.
Na última semana, o gabinete do deputado distrital Augusto Carvalho (PPS) pesquisou as empresas cujos representantes jantaram com o presidente na terça-feira também no Cadin -cadastro informativo de créditos não quitados, uma espécie de SPC do governo federal- e na lista de devedores do INSS, cuja soma dos créditos em fase de cobrança judicial passa de R$ 120 bilhões.
O resultado da consulta: mais pendências com os cofres públicos entre os "padrinhos" da reforma no Palácio da Alvorada.
A Companhia Vale do Rio Doce, sozinha, deve mais de R$ 41 milhões à Previdência, de acordo com a última lista de devedores publicada pelo ministério, em setembro do ano passado. Com menos de 40% desse valor, já seria possível pagar a reforma.
A Vale aparece com sete inscrições no Cadin desde o último mês de julho, número superado apenas pela Construtora Norberto Odebrecht, que acumula nove inscrições, todas lançadas no último dia 15, e pelo Grupo Pão de Açúcar, que bate o recorde na lista, com 45 inscrições, a maioria delas lançada pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia).
Anteontem, o deputado Augusto Carvalho encaminhou ao procurador-geral da República, Claudio Fonteles, pedido para a abertura de uma ação cautelar para tentar barrar a obra no Alvorada, ainda sem prazo definido para começar. "Está caracterizada uma promiscuidade entre público e privado", afirmou Carvalho.
Ter o nome no Cadin deveria impedir negócios entre devedores e a União, mas uma liminar obtida pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) no Supremo Tribunal Federal em 1996 impediu que os devedores fossem "discriminados". A CNI chegou a pedir a extinção do Cadin, que sobreviveu, mas como um mero manual de consulta.
A expectativa das empresas é que, além de um contato mais próximo com o presidente, venham a ter os seus nomes divulgados em placa a ser instalada no palácio em troca das doações que forem feitas para a reforma.
Segundo a Secom (Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica), que coordena a reforma, nenhum dos "padrinhos" da reforma do Alvorada contará com anistia de tributos ou preferência na relação com o governo. A ficha das empresas não foi consultada porque a parceria da União será feita diretamente com a Abdib, afirmou a assessoria do ministro Luiz Gushiken.
Já a associação que coordena o mutirão privado declarou que não checou se as empresas devem ou não ao governo. A Abdib afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que esse é um "problema particular" das empresas.
Ainda de acordo com a Secom, o governo cogitou inicialmente de usar dinheiro do Orçamento da União para restaurar o Palácio da Alvorada, inaugurado em 1958 e reformado apenas uma vez, em 1991. A alternativa teria sido descartada por falta de verbas.
A três meses do final deste ano, a dotação do Orçamento destinada à preservação de imóveis do patrimônio histórico e artístico mantém R$ 22,6 milhões (mais de 80% do total) intocados.
Questionado pela Folha, o Ministério da Cultura informou que o dinheiro já está comprometido em outros projetos. Por meio de sua assessoria, a pasta afirmou que considera "natural que o Planalto tenha trabalhado num plano de excepcionalidade, até pelo aspecto simbólico do Alvorada".


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