São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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ECOS DO REGIME

Integrantes da Igreja Católica foram fotografados nus; senador sofreu mesmo constrangimento

Desmoralização foi prática da ditadura contra adversários

RAYMUNDO COSTA
DO PAINEL EM BRASÍLIA

SÉRGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

A intimidação e tentativa de desmoralização dos adversários foi prática recorrente dos porões da segurança do regime militar. As imagens supostamente do padre canadense Leopoldo d'Astous, fotografado nu em companhia de uma mulher, revela uma dessas ações. Houve outras.
Duas delas envolveram integrante da Igreja Católica: o seqüestro de d. Adriano Hipólito, então bispo de Nova Iguaçu, em 1976, e o do padre Antonio Haddad, no início dos anos 80, em Belo Horizonte. Em 1981, a ação do braço repressivo do governo atingiu, de uma só vez, um senador da República, Marcos Freire, e um deputado, Fernando Lyra.
A exemplo do que ocorreu com o padre d'Astous, tanto d. Adriano como o padre Haddad foram despidos e fotografados. Haddad foi levado até um motel e fotografado na companhia de uma mulher que, mais tarde, revelou-se ser parente de um empresário ligado ao esquema repressivo em Minas. O bispo foi espancado e pintado de vermelho.
Saído da fornada de senadores eleitos pelo antigo MDB na eleição de 1974, Marcos Freire era forte candidato ao governo de Pernambuco na primeira eleição direta para o Estado no regime militar, marcada para 1982. Um ano antes, sua mulher e seu amigo Fernando Lyra foram fotografados, nus, tentando proteger-se das câmaras, em um motel de Brasília. À época, o deputado disse ter sido seqüestrado em Brasília e levado com a mulher de Freire, sob a coação de armas para o motel. O então SNI tratou de divulgar outra versão: o casal estaria no motel quando os agentes chegaram, arrombaram a porta e os fotografaram.
Chefe à época da agência central do Serviço, o general da reserva Newton Cruz nega responsabilidade, assim como nega qualquer envolvimento no caso de d'Astous, mas admite que teve informações sobre a operação realizada pelo porão. Coleções de fotos foram distribuídas pelos arapongas, à medida que a eleição se aproximava. Freire perdeu.
Marcos Freire era da oposição; Haddad, ligado à ala progressista da Igreja Católica, da qual um dos expoentes era d. Adriano Hipólito, organizador das comunidades de base na Baixada Fluminense (Rio) e integrante do grupo Ação Católica Operária.
No dia 22 de setembro de 1976, acompanhado de um sobrinho e da noiva deste, d. Adriano foi interceptado por dois carros, de onde desceram homens armados. No tumulto, a moça conseguiu fugir. O sobrinho também foi capturado. O bispo teve um capuz colocado na cabeça. Suas mãos foram algemadas; a batina, arrancada à força. Os captores tentaram forçá-lo a beber cachaça, ele reagiu e foi espancado. Foi deixado nu, com as mãos amarradas e o corpo pintado com tinta vermelha em uma rua de Jacarepaguá, na zona oeste carioca.
Agentes dos órgãos de repressão seguiam à época os principais bispos ligados ao chamado clero progressista, entre eles potenciais candidatos à presidência da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Um deles teria sido fotografado em um cinema, na companhia de uma moça.
As tentativas de chantagem e desmoralização nem sempre visaram os adversários. Um general, Reynaldo Melo de Almeida, teve suas conversas grampeadas. Um trunfo que a linha dura usou contra as possibilidades do general de chegar ao Planalto.


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