São Paulo, quarta-feira, 25 de fevereiro de 2004

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Para brasilianista, PT acoberta Dirceu

RICARDO WESTIN
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Há quatro meses, o então secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, foi exonerado do cargo sob o argumento de que havia contratado a mulher e a ex-mulher como consultoras. Agora, diante de um suposto esquema de corrupção envolvendo o principal assessor da Casa Civil, o ministro José Dirceu também deveria deixar o cargo.
Essa coerência é cobrada pelo professor americano Timothy J. Power, 41, coordenador dos cursos de pós-graduação em ciência política da Universidade Internacional da Flórida e presidente eleito da Brasa (Brazilian Studies Association), uma associação sediada nos EUA e formada por acadêmicos de diversos países que se dedicam a estudar o Brasil.
"O PT não pode estabelecer um critério para ministros, outro para secretários e outro critério para ministros-chefes da Casa Civil", diz o brasilianista.
A seguir, trechos da entrevista que Power concedeu à Folha, por telefone, de sua casa em Miami:
 

Folha - Chegou-se a falar no afastamento do ministro Dirceu. O caso é mesmo tão grave?
Timothy J. Power -
Não sei se é grave, mas será o primeiro grande teste para o governo Lula. Na oposição, o PT sempre se beneficiou de uma reputação de honestidade. Participou de muitos requerimentos para instalação de CPIs. Agora, no governo, reage com muita força contra qualquer indício de conduta imprópria, como aconteceu com a ex-ministra Benedita da Silva [da Assistência Social, acusada de viajar para um encontro evangélico na Argentina com dinheiro público] e com o ex-secretário Luiz Eduardo Soares. Ele foi afastado por um pecado mínimo [contratar a mulher e a ex-mulher]. Não foi exatamente um caso de corrupção, mas um caso de conflito de interesses -e de menor tamanho.

Folha - Quer dizer que a atitude do governo foi exagerada?
Power -
Eu não poderia fazer essa avaliação. Mas agora o caso não envolve Benedita nem Luiz Eduardo. Quem está implicado, indiretamente, é o ministro da Casa Civil. O que importa é que o PT estabeleceu um padrão de rigor. A minha pergunta é a seguinte: o partido vai manter com Dirceu o padrão de rigor que teve com Benedita e Luiz Eduardo?

Folha - Se mantiver o padrão, então também deve afastar Dirceu...
Power -
Sem dúvida. O PT não pode estabelecer um critério para ministros, outro para secretários e outro critério para ministros-chefes da Casa Civil.

Folha - O sr. acredita que Lula possa tomar essa atitude?
Power -
Não arrisco um prognóstico. Mas, sem dúvida, José Dirceu é muito mais importante para o futuro do governo. É uma espécie de primeiro-ministro.

Folha - É bom que Lula tenha a seu lado uma figura tão poderosa?
Power -
É bom, porque o Brasil tem um sistema multipartidário fragmentado. O governo nunca conta com maioria absoluta no Congresso. O PSDB nunca teve, o PT nunca vai ter. O presidente precisa ou ser um primeiro-ministro ou contratar um.

Folha - Os presidentes dos EUA não precisam de um homem forte?
Power -
Nos EUA, a matemática da maioria do Congresso é muito mais simples. Aqui temos apenas dois partidos [Republicano e Democrata], que sempre dominam entre 45% e 55% das cadeiras. No Brasil, o PT é o maior partido do Congresso e tem cerca de 20% das cadeiras. Para criar uma maioria, precisa chamar partidos de todos os tipos. O presidente, portanto, precisa ter pessoas com experiência direta no Congresso, como Dirceu. Se fosse Lula, eu gostaria de manter José Dirceu.

Folha - A oposição está sabendo usar o caso Waldomiro Diniz?
Power -
É cedo para dizer. O interessante é que, em cada três senadores que assinaram o pedido de instalação de CPI para investigar o caso, um foi da base governista. A apuração ganha legitimidade. Quando uma CPI é instalada como manobra óbvia da oposição, ela perde a credibilidade. No governo Fernando Henrique não teria ocorrido a mesma coisa. Não me lembro de nenhum caso em que os partidos do governo tenham se juntado à oposição para instalar uma CPI.

Folha - O caso Waldomiro Diniz pode afetar a imagem de Lula?
Power -
Vai depender da forma com que o governo vai efetivamente responder. De qualquer forma, acho que Lula tem uma popularidade pessoal muito forte, que independe de outros membros do governo. Nos anos 80, pesquisas mostravam que a maioria dos americanos não concordava com as políticas públicas do então presidente Ronald Reagan, mas mantinha uma admiração pelo homem. Ele resistiu a muitos escândalos e conseguiu até se reeleger. Passaram a chamar Reagan de teflon [material antiaderente]. Na Grã-Bretanha, o primeiro-ministro também é chamado de "teflon Tony [Blair]". Isto é, podem jogar lama, mas nada gruda nele. É a mesma coisa com o presidente Lula, que pode resistir a desvios em seu governo.


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