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Para brasilianista, PT acoberta Dirceu
RICARDO WESTIN
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Há quatro meses, o então secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, foi
exonerado do cargo sob o argumento de que havia contratado a
mulher e a ex-mulher como consultoras. Agora, diante de um suposto esquema de corrupção envolvendo o principal assessor da
Casa Civil, o ministro José Dirceu
também deveria deixar o cargo.
Essa coerência é cobrada pelo
professor americano Timothy J.
Power, 41, coordenador dos cursos de pós-graduação em ciência
política da Universidade Internacional da Flórida e presidente eleito da Brasa (Brazilian Studies Association), uma associação sediada nos EUA e formada por acadêmicos de diversos países que se
dedicam a estudar o Brasil.
"O PT não pode estabelecer um
critério para ministros, outro para secretários e outro critério para
ministros-chefes da Casa Civil",
diz o brasilianista.
A seguir, trechos da entrevista
que Power concedeu à Folha, por
telefone, de sua casa em Miami:
Folha - Chegou-se a falar no afastamento do ministro Dirceu. O caso
é mesmo tão grave?
Timothy J. Power - Não sei se é
grave, mas será o primeiro grande
teste para o governo Lula. Na oposição, o PT sempre se beneficiou
de uma reputação de honestidade. Participou de muitos requerimentos para instalação de CPIs.
Agora, no governo, reage com
muita força contra qualquer indício de conduta imprópria, como
aconteceu com a ex-ministra Benedita da Silva [da Assistência Social, acusada de viajar para um encontro evangélico na Argentina
com dinheiro público] e com o
ex-secretário Luiz Eduardo Soares. Ele foi afastado por um pecado mínimo [contratar a mulher e
a ex-mulher]. Não foi exatamente
um caso de corrupção, mas um
caso de conflito de interesses -e
de menor tamanho.
Folha - Quer dizer que a atitude
do governo foi exagerada?
Power - Eu não poderia fazer essa avaliação. Mas agora o caso não
envolve Benedita nem Luiz
Eduardo. Quem está implicado,
indiretamente, é o ministro da
Casa Civil. O que importa é que o
PT estabeleceu um padrão de rigor. A minha pergunta é a seguinte: o partido vai manter com Dirceu o padrão de rigor que teve
com Benedita e Luiz Eduardo?
Folha - Se mantiver o padrão, então também deve afastar Dirceu...
Power - Sem dúvida. O PT não
pode estabelecer um critério para
ministros, outro para secretários e
outro critério para ministros-chefes da Casa Civil.
Folha - O sr. acredita que Lula
possa tomar essa atitude?
Power - Não arrisco um prognóstico. Mas, sem dúvida, José
Dirceu é muito mais importante
para o futuro do governo. É uma
espécie de primeiro-ministro.
Folha - É bom que Lula tenha a
seu lado uma figura tão poderosa?
Power - É bom, porque o Brasil
tem um sistema multipartidário
fragmentado. O governo nunca
conta com maioria absoluta no
Congresso. O PSDB nunca teve, o
PT nunca vai ter. O presidente
precisa ou ser um primeiro-ministro ou contratar um.
Folha - Os presidentes dos EUA
não precisam de um homem forte?
Power - Nos EUA, a matemática
da maioria do Congresso é muito
mais simples. Aqui temos apenas
dois partidos [Republicano e Democrata], que sempre dominam
entre 45% e 55% das cadeiras. No
Brasil, o PT é o maior partido do
Congresso e tem cerca de 20% das
cadeiras. Para criar uma maioria,
precisa chamar partidos de todos
os tipos. O presidente, portanto,
precisa ter pessoas com experiência direta no Congresso, como
Dirceu. Se fosse Lula, eu gostaria
de manter José Dirceu.
Folha - A oposição está sabendo
usar o caso Waldomiro Diniz?
Power - É cedo para dizer. O interessante é que, em cada três senadores que assinaram o pedido
de instalação de CPI para investigar o caso, um foi da base governista. A apuração ganha legitimidade. Quando uma CPI é instalada como manobra óbvia da oposição, ela perde a credibilidade.
No governo Fernando Henrique
não teria ocorrido a mesma coisa.
Não me lembro de nenhum caso
em que os partidos do governo tenham se juntado à oposição para
instalar uma CPI.
Folha - O caso Waldomiro Diniz
pode afetar a imagem de Lula?
Power - Vai depender da forma
com que o governo vai efetivamente responder. De qualquer
forma, acho que Lula tem uma
popularidade pessoal muito forte,
que independe de outros membros do governo. Nos anos 80,
pesquisas mostravam que a maioria dos americanos não concordava com as políticas públicas do
então presidente Ronald Reagan,
mas mantinha uma admiração
pelo homem. Ele resistiu a muitos
escândalos e conseguiu até se reeleger. Passaram a chamar Reagan
de teflon [material antiaderente].
Na Grã-Bretanha, o primeiro-ministro também é chamado de "teflon Tony [Blair]". Isto é, podem
jogar lama, mas nada gruda nele.
É a mesma coisa com o presidente
Lula, que pode resistir a desvios
em seu governo.
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