São Paulo, sábado, 25 de junho de 2005

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ARTIGO

De volta aos tempos do sabonete

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

No começo, nos tempos áureos de Duda Mendonça e do "Lulinha Paz e Amor", a mistificação era coisa de criancinha. A técnica publicitária tinha aquele tom carinhoso, infantilizador, suavizante, dos anúncios de sabão em pó, de xampu de camomila, de creme para as mãos à base de óleo de amêndoas.


A comunicação petista veio entrando em nova fase. Algo próximo da famosa "novilíngua" de George Orwell, no romance "1984"


Implantado o governo, percebeu-se que para ficar repetindo provérbios e obviedades não era preciso um grande cérebro publicitário: o do próprio Lula dava conta do recado, e passamos a viver a fase dos discursos em que qualquer gafe presidencial, no fim das contas, não tinha nenhuma importância, porque o resto do que Lula falava também não tinha importância nenhuma.
Nestes últimos tempos, a comunicação petista veio entrando em nova fase. Não mais a patranha publicitária, nem os truísmos de palanque, mas sim algo próximo da famosa "novilíngua" de George Orwell, no seu romance "1984". O Ministério da Paz cuida da guerra, o Ministério da Verdade divulga mentiras, o do Amor é a Polícia Política...
Não, o governo Lula não se parece com o regime totalitário descrito por Orwell. Mas é como se suas lideranças, em meio à crise, voltassem a táticas bem conhecidas dos tempos de militância -trotskista ou stalinista, não importa: o princípio básico é o de afirmar, com determinação férrea, num voluntarismo impermeável, sistemático e eufórico, o contrário absoluto do que acontece na realidade.
É assim que se fez circular a idéia de uma "conspiração das elites" contra o atual governo: enquanto isso, Lula ouvia sugestões de Delfim Netto para novos cortes nas despesas públicas, conversava com Abílio Diniz em busca de mais sustentação política junto à "sociedade civil" e continua garantindo aos bancos e aos megainvestidores, graças às taxas de juro em vigor, o maior mensalão do planeta.
É assim que, depois de sair da Casa Civil como um galo depenado, o deputado José Dirceu era apresentado como um vencedor, um campeão, o homem de mais prestígio em todo o governo. Se era, por que saiu? Mas podem ter certeza, companheiros: o "Zé" na Câmara agora vai abafar.
É assim que o presidente Lula, ainda mergulhado nas "más companhias" do PP, do PTB, do PMDB e do PL -partidos que não dá para chamar de esquerda-, adotou na terça-feira, num evento sindical em Luziânia um "look" operário, de jaqueta sem gravata, como se, perseguido pela imprensa, reencontrasse num canto qualquer da biografia a velha aparência "ética", "messiânica" e "radical" de tempos idos. O descolamento da realidade ia tomando o rumo da paranóia.
Foi então que o toque mágico de Duda Mendonça se fez novamente sentir. No discurso transmitido pela TV nesta quinta-feira, as enormidades de antes deram lugar ao suavíssimo estilo publicitário de omitir a verdade sem perder o carinho e a delicadeza jamais. Lula afirma que o Brasil irá derrotar a corrupção, graças aos esforços conjuntos do governo e da sociedade, da imprensa, da polícia federal e das CPIs. Mas não foi o seu governo que lutou como pôde contra a instalação de qualquer CPI?
Águas passadas, parece sugerir o presidente. O governo investe agora numa política de mãos estendidas para a sociedade.
Acredito que sejam limpas. Mas não impressiona bem o fato de que tenham mergulhado tão fundo no jogo da fisiologia parlamentar. Antes de serem estendidas à sociedade, as mãos do presidente serviram para afagar alguns dos setores mais excrementícios da política brasileira.
Costuma-se reclamar dos marqueteiros porque fazem propaganda política como se fosse anúncio de sabonete ou detergente. Na situação atual, isso talvez seja até um progresso.


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