São Paulo, domingo, 25 de junho de 2006

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ELEIÇÕES 2006/PRESIDÊNCIA

Coalizão é desafio para Lula, dizem analistas

Para o petista Jorge Viana, possível derrota do PSDB deve levar a reorganização do partido, e PT teria que mudar diálogo com oposição

Especialistas vêem PT fraco no novo Congresso e a governabilidade como calcanhar-de-aquiles em eventual segundo mandato

DA REDAÇÃO

Se manter a estabilidade econômica era o principal problema de Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, a governabilidade deve ser seu calcanhar-de-aquiles em um eventual segundo mandato. Essa variável é a que mais preocupa cientistas políticos, economistas e outros especialistas ouvidos pela Folha.
Os analistas desenham cenários diferentes para um possível segundo governo. Em todos eles, porém, o PT surge enfraquecido no novo Congresso.
Roberto Romano, professor de ética da Unicamp, imagina o PT, se a reeleição ocorrer, como "uma forma amestrada de apoio incondicional a Lula". Para ele, "o PT fez haraquiri" [suicídio ritual cometido pelos samurais com a própria espada] e "assumiu a responsabilidade pelos erros para garantir a sobrevivência de Lula".
A distribuição dos cargos e ministérios, já que o PT não teria quadros, é uma preocupação compartilhada por Roberto Busato, presidente da OAB, e pelo cientista político tucano Bolívar Lamounier. "Lula precisaria de uma coalizão ampla, não só dividindo cargos com o PMDB", diz Busato. Ele afirma que, sem isso, crises entre os Poderes devem persistir.
Para Lamounier, as alianças serão insuficientes para dar a liderança no Congresso. "Dependerá do PMDB, que apóia com a cessão de muitos ministérios. Ao oferecer muitos cargos, Lula pode enfrentar problema com as esquerdas." Ele não vê perspectivas de "esquerdização": "Lula é um político pragmático. Por vontade própria, não vai para a esquerda".

"Rapadura"
Carlos Lessa, que foi presidente do BNDES no governo Lula, diz que o petista veria a vitória como aprovação total. Sentindo-se mais forte que suas bases, segundo Lessa, Lula manteria a política econômica na linha mais ortodoxa e estaria pronto até para uma reforma trabalhista liberal.
"Lula vai refazer o que fez de forma mais eufórica. Entenderá que recebeu um cheque em branco. O PT não terá tantos votos, e Lula vai escorregar mais para o centro-direita e para o PMDB", prevê. "O nível de arrogância está escalando. Lula está por cima da rapadura. Se vencer no primeiro turno, vai se sentir o rei da cocada preta."
No sentido oposto, o diretor do Instituto de Economia da Unicamp, Márcio Percival Alves Pinto, e Claudio Dedecca, economista e professor da mesma universidade, dizem acreditar que Lula, se reeleito, poderá avançar com mudanças, flexibilizando a política econômica.
"O Lula é jovem, pode voltar em 2014. É ilusão achar que ele trucidaria seu cacife. Faria um governo para se fortalecer e, de tabela, fortalecer o PT, que está sucateado", diz Dedecca.
O governador do Acre, Jorge Viana (PT), disse ontem que a derrota do PSDB poderá levar a uma reorganização do comando tucano, o que facilitaria o diálogo do PT com eles.
Segundo ele, é praxe um partido questionar as razões da derrota após a eleição. "Tenho a expectativa de que a nossa vitória, de certa forma, possa motivar a mudança nos interlocutores de oposição, e isso é uma oportunidade de dialogar diferente." O gesto de reaproximação cabe ao vencedor, e não ao vencido, disse Viana. Para ele, o PT teria que modificar sua forma de diálogo com a oposição.
Para Romano, a falta de base aliada forte facilita tentativas de centralização. "Vamos assistir à passagem ao cesarismo, a tentativa de Lula se dirigir diretamente ao povo." Ele diz ser "muito provável" a tentativa de instaurar um terceiro mandato. "Não há ninguém com estofo dentro do PT para 2010."
Já Rogério Schmitt, cientista político da consultoria Tendências, defende que, sem sucessor, Lula seria "ajudado" pela oposição. "Há interesse de deixar o Lula aprovar reformas que são necessárias, mas bastante impopulares." (BRUNO LIMA, MARCELA CAMPOS, LEANDRO BEGUOCI E MALU DELGADO)

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