São Paulo, quinta, 25 de junho de 1998

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CELSO PINTO
Um tiro no contrabando

A Receita Federal deve dar um tiro pesado, na próxima semana, no contrabando de cigarro brasileiro. Vai propor alíquotas de 150% a 200% sobre a exportação do cigarro.
Para não prejudicar exportações que não abastecem o contrabando, como as vendas da Souza Cruz para a Rússia, a medida deve isentar exportações "transcontinentais". O alvo são as exportações para a América Latina e Central, que acabam voltando para o país como contrabando.
Um cálculo conservador da Receita estima que o Fisco está perdendo US$ 1 bilhão por ano por meio do contrabando de cigarro brasileiro. Ou seja, só o fim dessa sangria daria para pagar dois pacotes e meio de ajuda do governo federal para a seca do Nordeste.
De janeiro a abril deste ano, as exportações brasileiras de cigarro chegaram a US$ 235 milhões (equivalentes a US$ 705 milhões anuais, mantido o mesmo ritmo). A maioria absoluta dessas exportações foi para países vizinhos, de onde boa parte volta para o Brasil por meio do "contrabando formiga", como o dos milhares de sacoleiros que operam no Paraguai.
Dos US$ 235 milhões, mais de um terço, ou US$ 85 milhões, foram para o Paraguai. Ao preço médio registrado de 11,12 centavos de dólar por maço, isso representa algo como 764 milhões de maços de janeiro a abril. Extrapolado para o ano, seriam 2,3 bilhões de maços para um país com 5 milhões de habitantes, ou 1,3 maços por dia para cada habitante, inclusive as crianças recém-nascidas.
É um negócio altamente rentável para o contrabandista. O maço de cigarro exportado não paga impostos, e seu preço é cerca de 18% do valor de um maço comprado no Brasil. O contrabando do cigarro de volta ao Brasil, portanto, deixa uma margem de lucro fantástica. O cigarro respondeu por 45% das apreensões de contrabando em Foz de Iguaçu e 60% das apreensões no Paraná e em Santa Catarina este ano.
O negócio é tão bom que começou a tomar outros rumos. A Receita detectou contrabando de cigarro em Belém. Descobriu que a origem eram cigarros brasileiros exportados para Trinidad e Tobago. Os cigarros exportados pelo Brasil para a minúscula ilha do Caribe dariam para abastecer cada habitante com dois maços diários.
Não há indícios de que fabricantes de cigarro no Brasil estejam metidos na organização do caminho de volta pelo contrabando. Muitas das exportações, contudo, acabam tendo esse destino. As exportações de quatro fabricantes menores de cigarros têm como destino exclusivo Paraguai, Bolívia, Uruguai e Argentina.
A diferença de preço entre o cigarro exportado e o consumido aqui é tão alta que mesmo um imposto de 200% sobre a exportação deixaria uma margem de lucro para o contrabando. Reduziria, contudo, o estímulo para o contrabando organizado.
Outra medida que está sendo estudada pelo governo para reduzir o contrabando de cigarro é alterar as classificações de cigarros. Certos tipos de cigarro estão enquadrados em faixas de preço. Com o aumento do preço, consumidores de menor renda acabam procurando alternativas mais baratas do mesmo tipo de cigarro no contrabando. Funciona como um estímulo, pelo lado da demanda, ao contrabando. A idéia é dar mais flexibilidade na relação entre classes de cigarros e faixas de preço.
A idéia de que o pequeno contrabando dos sacoleiros é inofensivo não bate com o quadro que a Receita montou. Por trás dos intermediários que levam a mercadoria, existem máfias organizadas e perigosas. Misturado com o comércio de mercadorias está a lavagem de dinheiro.
As operações fronteiriças com o Paraguai são cada vez maiores. Há três ou quatro anos, o Banco Central estimava que esse contrabando fronteiriço movimentava algo entre US$ 5 bilhões e US$ 7 bilhões ao ano. A estimativa era feita a partir do movimento de troca de reais (usados pelos brasileiros) por dólares no Paraguai, que acabava batendo no câmbio flutuante brasileiro.
Hoje, a Receita estima que o comércio fronteiriço com o Paraguai, legal e ilegal, chega a US$ 12 bilhões por ano. O tamanho da sonegação implícita, portanto, tornou-se grande demais para ser ignorado.




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