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CELSO PINTO
Um tiro no contrabando
A Receita Federal deve dar um
tiro pesado, na próxima semana,
no contrabando de cigarro brasileiro. Vai propor alíquotas de
150% a 200% sobre a exportação
do cigarro.
Para não prejudicar exportações que não abastecem o contrabando, como as vendas da Souza
Cruz para a Rússia, a medida
deve isentar exportações "transcontinentais". O alvo são as exportações para a América Latina
e Central, que acabam voltando
para o país como contrabando.
Um cálculo conservador da Receita estima que o Fisco está perdendo US$ 1 bilhão por ano por
meio do contrabando de cigarro
brasileiro. Ou seja, só o fim dessa
sangria daria para pagar dois pacotes e meio de ajuda do governo
federal para a seca do Nordeste.
De janeiro a abril deste ano, as
exportações brasileiras de cigarro
chegaram a US$ 235 milhões
(equivalentes a US$ 705 milhões
anuais, mantido o mesmo ritmo).
A maioria absoluta dessas exportações foi para países vizinhos, de
onde boa parte volta para o Brasil por meio do "contrabando formiga", como o dos milhares de
sacoleiros que operam no Paraguai.
Dos US$ 235 milhões, mais de
um terço, ou US$ 85 milhões, foram para o Paraguai. Ao preço
médio registrado de 11,12 centavos de dólar por maço, isso representa algo como 764 milhões de
maços de janeiro a abril. Extrapolado para o ano, seriam 2,3
bilhões de maços para um país
com 5 milhões de habitantes, ou
1,3 maços por dia para cada habitante, inclusive as crianças recém-nascidas.
É um negócio altamente rentável para o contrabandista. O maço de cigarro exportado não paga
impostos, e seu preço é cerca de
18% do valor de um maço comprado no Brasil. O contrabando
do cigarro de volta ao Brasil, portanto, deixa uma margem de lucro fantástica. O cigarro respondeu por 45% das apreensões de
contrabando em Foz de Iguaçu e
60% das apreensões no Paraná e
em Santa Catarina este ano.
O negócio é tão bom que começou a tomar outros rumos. A Receita detectou contrabando de cigarro em Belém. Descobriu que a
origem eram cigarros brasileiros
exportados para Trinidad e Tobago. Os cigarros exportados pelo
Brasil para a minúscula ilha do
Caribe dariam para abastecer cada habitante com dois maços
diários.
Não há indícios de que fabricantes de cigarro no Brasil estejam metidos na organização do
caminho de volta pelo contrabando. Muitas das exportações,
contudo, acabam tendo esse destino. As exportações de quatro
fabricantes menores de cigarros
têm como destino exclusivo Paraguai, Bolívia, Uruguai e Argentina.
A diferença de preço entre o
cigarro exportado e o consumido
aqui é tão alta que mesmo um
imposto de 200% sobre a exportação deixaria uma margem de
lucro para o contrabando. Reduziria, contudo, o estímulo para o
contrabando organizado.
Outra medida que está sendo
estudada pelo governo para reduzir o contrabando de cigarro é
alterar as classificações de cigarros. Certos tipos de cigarro estão
enquadrados em faixas de preço.
Com o aumento do preço, consumidores de menor renda acabam
procurando alternativas mais
baratas do mesmo tipo de cigarro
no contrabando. Funciona como
um estímulo, pelo lado da demanda, ao contrabando. A idéia
é dar mais flexibilidade na relação entre classes de cigarros e faixas de preço.
A idéia de que o pequeno contrabando dos sacoleiros é inofensivo não bate com o quadro que a
Receita montou. Por trás dos intermediários que levam a mercadoria, existem máfias organizadas e perigosas. Misturado com o
comércio de mercadorias está a
lavagem de dinheiro.
As operações fronteiriças com o
Paraguai são cada vez maiores.
Há três ou quatro anos, o Banco
Central estimava que esse contrabando fronteiriço movimentava
algo entre US$ 5 bilhões e US$ 7
bilhões ao ano. A estimativa era
feita a partir do movimento de
troca de reais (usados pelos brasileiros) por dólares no Paraguai,
que acabava batendo no câmbio
flutuante brasileiro.
Hoje, a Receita estima que o
comércio fronteiriço com o Paraguai, legal e ilegal, chega a US$
12 bilhões por ano. O tamanho da
sonegação implícita, portanto,
tornou-se grande demais para ser
ignorado.
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