São Paulo, quarta-feira, 25 de setembro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

Milton Campos, Lacerda e os três chineses

RAPHAEL DE ALMEIDA MAGALHÃES

Ao ceder à reclamação de Wilson Figueiredo -a exclusividade para recordar os "casos" do Milton Campos- perdi um pouco o caminho. Por isso, e com as minhas escusas ao bravo Figueirô, voltarei ao meu personagem de eleição: o Milton Campos. Sutil e malicioso, firme e suave, nas atitudes na atribulada fase da política brasileira na qual foi, ao mesmo tempo, ator e observador.
No fragor dos acontecimentos que se seguiram à deposição do presidente João Goulart, a polícia da Guanabara prendeu três chineses de uma missão comercial que visitava o Brasil. A prisão foi apresentada como prova de presença de agentes maoístas no país em conspiração subversiva.
Presos num quartel do Exército, os chineses foram denunciados como incursos na Lei de Segurança Nacional, processo em torno do qual se fez alarido estrepitoso. O Sobral Pinto, sempre ele, foi contratado para defender os chineses, missão que desempenhou com a sua costumeira paixão e veemência. Na primeira audiência pública Sobral Pinto conseguiu trazer para o Brasil ciosos observadores da Anistia Internacional. O caso acabou fervendo com ampla repercussão internacional incomodando o governo. O presidente Castello Branco incumbiu o seu ministro da Justiça, Milton Campos, de encontrar uma saída para o caso que estava arranhando a imagem do Brasil no exterior.
Prudente, como sempre, Milton, antes de encerrar o caso -o que fez soltando os chineses para que voltassem à China- resolveu consultar o Carlos Lacerda, cuja polícia efetuara a prisão.
O governador ouviu-lhe os argumentos. Mas, em lugar de concordar com o encerramento do caso, Carlos Lacerda propôs que o governo brasileiro trocasse os três chineses pela liberdade de três missionários católicos prisioneiros no Vietnã do Norte. O Milton ouviu, considerou a idéia interessante e imaginou o tempo necessário para iniciar os entendimentos diplomáticos. Desconversou como era de seu temperamento. E no dia seguinte acertou o embarque dos chineses de volta à China. E, a propósito da sugestão de Lacerda, companheiro de partido pelo qual nutria especial admiração, comentou: "É curioso o nosso Carlos. Inventou uma complicação dos diabos para o caso dos três chineses. É surpreendente esse seu empenho em privar a China de mais três chineses..."


RAPHAEL DE ALMEIDA MAGALHÃES, 71, ex-governador da Guanabara e ex-ministro da Previdência do governo Sarney, escreve às quartas nesta seção


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