São Paulo, Sábado, 25 de Dezembro de 1999


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IMPOSTOS

Programa devolve ICMS aos importadores do porto de Vitória

Governo do ES renuncia a R$ 1,8 bi em cinco anos


LUCIO VAZ
enviado especial a Vitória

O governo do Espírito Santo patrocina um dos maiores paraísos fiscais de importadores no país: o Fundap (Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias), que resultou em uma renúncia fiscal de R$ 1,8 bilhão nos últimos cinco anos.
Pelo sistema, os importadores recebem de volta, na forma de empréstimo, dois terços do valor do ICMS (12% do valor da mercadoria) recolhido aos cofres do Estado. Entre 1995 e 1999, os fundapeanos recolheram R$ 2,76 bilhões em impostos (37% da receita de ICMS do Estado).
O ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é a principal fonte de arrecadação tributária da maioria dos Estados.
As condições para o pagamento são extremamente favoráveis: prazo de 25 anos, com cinco anos de carência, sem correção monetária e juros de 1% ao ano. Com tantas vantagens, o dinheiro "emprestado" pelo Fundap vira pó.
A partir de 1996, o governo de Vitor Buaiz criou uma fórmula para recuperar parte do dinheiro e reformar o seu caixa. Passou a vender os créditos em leilões, com deságio de 90%.
Em quatro leilões, desembolsou R$ 700 milhões, recolhendo R$ 70 milhões ao Tesouro do Estado. O negócio parece ser bom para todos, porque, na maioria dos casos, os créditos são arrematados pelos próprios devedores.
O governo de José Ignácio Ferreira (PSDB) gostou da idéia e já fez dois leilões, num valor total de R$ 260 milhões. Reforçou o caixa com mais R$ 26 milhões.
As contradições do complexo sistema criado em 1971 não param por aí. Parte das importações do Fundap é feita por portos de outros Estados, como o de Santos (SP) e o do Rio de Janeiro.

"Nacionalização"
O empresário Otto Andrade, proprietário da Eximbiz Comércio Internacional, afirma que entre 30% e 40% das importações são feitas por portos de outros Estados. Ele acrescenta que, até dez anos atrás, esse percentual chegava a 90%.
Andrade afirma que essas cargas são transportadas de caminhão para o Espírito Santo para serem "nacionalizadas". Depois, retornam de caminhão aos centros de consumo.
Segundo o empresário, o custo com esse transporte consome parte do subsídio concedido pelo Fundap. "Temos que contratar o frete e trazer a mercadoria até o Espírito Santo. Depois de nacionalizada, ela volta para São Paulo e Rio de Janeiro, onde está o mercado consumidor", afirma.
Em 1993, o então governador de São Paulo, Luiz Antonio Fleury Filho, entrou com ação no STF (Supremo Tribunal Federal) contra o Espírito Santo para tentar impedir esse tipo de operação.
Fleury queria que o Estado de São Paulo recolhesse o imposto sobre as importações feitas pelo porto de Santos pelo sistema Fundap. O recurso não foi julgado até hoje.
Fleury (PTB), que hoje é deputado federal, contesta as afirmações de Andrade. "As mercadorias não iam até o Espírito Santo. Só as notas iam até o Estado. Você tinha lá um paraíso fiscal, com firmas de fachada, que recolhiam as notas e faziam a "nacionalização" em uma operação virtual", disse o ex-governador.
Andrade afirma que esse tipo de operação acontecia eventualmente até 1993, quando o volume de importações pelos portos do Espírito Santo era inexpressivo, pela dificuldade de rotas de navios para o Estado.
"Não havia um volume de cargas suficiente. Mas o Fundap está aumentando a cada ano o volume de importações pelos portos do Estado. Com mais cinco ou sete anos, teremos implantado de forma definitiva o nosso sistema", disse.

Reforma
A reforma tributária em tramitação no Congresso pode acabar com o Fundap, já que deve eliminar o ICMS. Será criado o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que será cobrado nos Estados consumidores.
O governo do Espírito Santo avalia que o impacto na economia do Estado será devastador. Otto Andrade afirma que as empresas importadoras não teriam como atuar no Estado sem esse incentivo fiscal.
O empresário diz que a maior parte do incentivo (5% do valor da mercadoria) cobre o custo operacional da operação, incluindo despacho aduaneiro, armazenagem e manuseio da mercadoria. Só o PIS/Cofins consome 3,6% do valor da mercadoria, afirma Andrade.
Os municípios sentiriam mais que o Estado. Eles ficam com 25% da receita do fundo. Foram cerca de R$ 150 milhões no ano passado (cerca de 30% da receita disponível dos municípios). A capital do Estado, Vitória, ficou com 23% dessa receita.
O Fundap reúne hoje 188 empresas que geram 5.400 empregos. São responsáveis por 95% das importações do Estado e cerca de 6% das importações feitas pelo país.
O volume de negócios do fundo disparou a partir de 1994, quando o país abriu mais sua economia e ampliou as importações. Os portos do Espírito Santo chegaram a importar 140 mil carros em 1995. Foram divulgadas pelo país as imagens dos pátios dos portos lotados de carros importados.
O governo do Estado não poupa esforços para agradar aos fundapeanos. Nos tempos de inflação, parte dos lucros era gerada pelo prazo de recolhimento do ICMS: dois meses.
O governo Buaiz deixou de cumprir alguns compromissos com os empresários, adiando a liberação de alguns empréstimos. José Ignácio Ferreira herdou uma dívida de R$ 70 milhões.
Sem dinheiro para saldar o débito imediatamente, prorrogou o prazo de recolhimento do ICMS para 90 dias.
A Folha tentou ouvir o presidente do Sindiex (Sindicato dos Importadores e Exportadores do Espírito Santo), Evandro Coser, mas ele não deu retorno aos recados da reportagem.


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