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Lacerda admite que governo usou imagem da PF na eleição
Diretor-geral nega, porém, qualquer interferência do Planalto nas investigações
Lacerda diz que instituição
conseguiu ter êxito nas suas
investigações respeitando
os princípios legais e sem
violar os direitos humanos
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda, 60, reconhece, mas acha "normal", que
o governo federal tenha feito
uso eleitoral da atuação da PF
para reeleger o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva: "Se o governo sofre críticas por eventuais erros da polícia, por que
não deveria usar aquilo quando
ela acerta? Acho natural".
Para Lacerda, foi o contexto
eleitoral que fez a mídia "exagerar" na reação quando da suposta pressão do delegado
Moysés Eduardo sobre repórteres da "Veja" em depoimento
à PF e quando o sigilo de dois
telefones usados pela Folha foi
quebrado indevidamente, durante as investigações do caso
do dossiê antitucano.
FOLHA - O sr. também ficará por
mais um mês no governo, como o
ministro Márcio Thomaz Bastos?
PAULO LACERDA - Meu compromisso foi de, tão logo estivesse
indicado o novo diretor-geral
da PF, eu sairia. Devo permanecer neste período também.
FOLHA - E se o presidente Lula pedir para o sr. ficar?
LACERDA - O ministro me disse
que o presidente iria pedir para
eu ficar. Aí eu falei: "Ministro,
não posso dizer não ao presidente da República. Então, o sr.
mesmo tem que dizer a ele para
ele não me convidar". Foi isso.
Ele não vai me convidar.
FOLHA - Quem sucederá o sr.?
LACERDA - É preciso saber primeiro quem será o novo ministro da Justiça.
FOLHA - Quais suas principais realizações e dificuldades no cargo?
LACERDA - A administração é de
um grupo de pessoas, não apenas do diretor-geral. São pessoas escolhidas com muito critério -e com acerto na maioria
dos casos-, que compreenderam bem o papel da PF como
um órgão importante do Estado brasileiro, bem como a necessidade de modernizar os
seus métodos de trabalho, de
observar todas as regras e princípios de legalidade.
O que deu mais visibilidade à
PF foram essas grandes operações. Entretanto houve um intenso trabalho interno, de reestruturação organizacional. Setores novos foram criados, houve aquisição de equipamentos
modernos, que vieram a dar
melhores condições de trabalho. Um fator importante foi o
aumento do efetivo, conseguido com uma importante ajuda
do Ministério da Justiça.
FOLHA - E a pirotecnia?
LACERDA - Falou-se muito da
exibição das operações. Mas
nosso objetivo nunca foi esse.
Buscamos sempre, dentro do
possível, dar a maior transparência ao trabalho, para que a
sociedade soubesse que pode
contar com uma instituição
que valoriza suas atribuições,
tenta realizar um trabalho sem
truculência, respeitando os
princípios legais. É muito difícil
você ter isso numa instituição
que lida com setores de criminalidade violenta. A história no
Brasil tem demonstrado que o
policial acaba se tornando extremamente violento, e nós temos trabalhado muito na capacitação do policial para que isso
não ocorra, que a gente use a
técnica, a inteligência exatamente para evitar que sejamos
alvos dessas críticas. Tivemos
pouquíssimas situações de denúncias de abusos de policiais.
FOLHA - A PF foi usada como bandeira eleitoral pelo governo.
LACERDA - A minha visão é de
que a PF foi também muito criticada politicamente. Então, se
em determinado momento setores do governo usaram as
boas ações da PF em prol da
imagem do governo, eu acho isso natural. Se o governo sofre
críticas por eventuais erros da
polícia, por que não deveria
usar aquilo quando ela acerta?
Acho natural. Nunca entrei
nesse jogo político. O uso da
imagem da PF na cena política
foi com base nos trabalhos que
a PF realizou. Ninguém veio
aqui dentro da PF para pegar
entrevista minha para dizer
"este governo é muito bom". O
que se usou foram trabalhos da
PF que eram públicos. Percebi
que foram usados na campanha
como uma demonstração de
um órgão no qual o governo investiu e que produziu resultados que estavam patentes.
FOLHA - O sr. recebeu pedidos ou
mesmo recados em relação a investigações de interesse do governo?
LACERDA - Nunca, jamais, de
forma nenhuma. Isso aí eu faço
questão de reprisar: a PF trabalhou com total independência,
o que se deveu muito à postura
do próprio ministro Márcio
[Thomaz Bastos]. Ele sempre
procurou ser informado de
questões que deram repercussão, é natural. Mas nunca emitindo juízos de valor, como dizer "vocês estão errados".
FOLHA - Como o sr. avalia a atuação da PF no caso Waldomiro e no
do dossiê contra políticos tucanos?
LACERDA - O êxito do trabalho
da PF vem nas investigações
que começaram com um trabalho de inteligência da PF e seguem com total sigilo, até o desencadeamento das operações.
Mas aí vêm aquelas investigações que, a partir de uma notícia da mídia, cobra-se a ação da
PF. O Waldomiro Diniz, com
toda a certeza, se [o caso] não
tivesse sido iniciado com uma
reportagem na qual já se conta
o fato, teríamos tido uma resposta muito mais clara e positiva daquele episódio.
A investigação seria conclusiva sobre se houve ou não houve alguma prática, mas hoje isso ainda não foi definido.
Quanto ao dossiê, o que o antecede é um trabalho de investigação muito bem-sucedido sobre os sanguessugas. Depois,
recebemos denúncias de que
alguns envolvidos estariam utilizando práticas de extorsão
contra pessoas, que era o dossiê. Mas, a partir do momento
em que o caso se tornou público, não havia como deixar passar em branco: quase R$ 2 milhões, seria risco demais a PF
dar corda naquele momento.
FOLHA - "Dar corda"?
LACERDA - Como fazemos algumas vezes: com autorização judicial, deixamos as coisas acontecerem e continuamos investigando. Ali não teve como, porque era uma situação que a sociedade precisava saber, sob
pena de hoje sermos acusados
de ter dado cobertura a uma
ação ilícita. Lamentavelmente,
por ser às vésperas da eleição,
foi algo explorado pela oposição. Se você quiser ver o valor
de uma instituição, nesse caso
se pode ver o lado positivo da
PF: se a gente quisesse proteger
o governo, sabendo que aquelas
pessoas eram ligadas ao governo, era quebrar o galho ali, ninguém iria saber de nada. No entanto, a PF adotou, como sempre, uma postura de rigor, e
prendeu inclusive um ex-policial nosso [Gedimar Passos].
FOLHA - O dossiê produziu dois
momentos de forte atrito entre a PF
e a mídia: a suposta pressão do delegado Moysés Eduardo sobre repórteres da revista "Veja" num depoimento e a quebra do sigilo de dois
telefones usados pela Folha.
LACERDA - Com todo o respeito,
acho que isso faz parte desse
embate de campanha, no qual
alguns órgãos da mídia se posicionaram pró e contra o governo. Sem dúvida nenhuma que
tudo que foi feito estava dentro
dos procedimentos. No caso da
"Veja", você e inúmeros outros
jornalistas já foram chamados
diversas vezes para falar na polícia sobre algum fato, e simplesmente invocam o direito
constitucional de não falar para
preservar seu sigilo profissional. Por que não fizeram isso?
Preferiram falar um monte
de coisas para depois dizer que
o delegado... Houve um pouco
de exagero daquilo, dentro do
cenário político. Não fosse por
isso, aqueles repórteres não teriam adotado essa postura.
FOLHA - E quanto à quebra de sigilo do telefone da Folha?
LACERDA - Não foi uma investigação direcionada ao veículo de
mídia Folha de S.Paulo. Aquilo estava num contexto de investigação dos telefones que apareceram no visor do celular
de um dos investigados.
FOLHA - Já recebeu algum convite?
LACERDA - Nenhum, e acho até
estranho meu nome ter surgido
como indicado para esse ou
aquele órgão público. Não recebi nem convite para o Réveillon.
FOLHA - Qual seu dia pior e o melhor neste cargo?
LACERDA - Tive dias muito positivos, com soluções administrativas, o aumento do efetivo,
o reconhecimento da sociedade. O pior momento para mim é
ter, em 30 anos, de processar
um jornalista e um veículo de
mídia irresponsáveis, que confundiram a realidade com campanha política. Chegou a um nível de irresponsabilidade de dizerem que, mesmo não tendo
prova nenhuma, iriam publicar
uma matéria que fazia referência a contas bancárias no exterior, quando a gente tem nos
nossos compromissos de vida
dificuldades para manter a família... e depois ter de dar explicações a pessoas próximas de
que aquilo é uma calúnia.
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