UOL

São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NO PLANALTO

FHC premiou hospitais filantrópicos

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

No Brasil, como se sabe, entidades "filantrópicas" não perdem por esperar. Ganham. O último triunfo do segmento, conquistado à sombra, tem a aparência de uma bomba. Armada sob FHC, estourou no colo de Lula.
Aqui se revelou, em dezembro de 2001, que vistosos hospitais de São Paulo, portadores de certificados de filantropia emitidos pela Previdência, não pagam impostos. Mencionaram-se o Sírio Libanês e o Albert Einstein.
Em troca do refresco tributário, deveriam reservar 60% dos seus atendimentos para pacientes muito pobres e muito pardos do SUS. Contemplava-se, porém, só a clientela muito grã-fina e muito branca.
Arrancado da penumbra, o caso foi a julgamento no Conselho Nacional de Assistência Social, que emite os certificados filantrópicos. A certidão do Sírio foi cassada. O hospital recorreu à Justiça. Perdeu.
Mais safo, o Einstein firmou com Brasília convênio para realizar transplantes de fígado. "Fizemos 150 em 2002. Só dois não foram pelo SUS", jubila-se Cláudio Lottenberg, presidente do hospital.
O Einstein continuou longe dos 60%. Mas exibiu boa vontade. E manteve o certificado. Contra recurso do INSS, pendente de julgamento.
Súbito, um lobby varreu os porões do poder. Começou a agir nos ministérios. Desceu a Esplanada. Aportou no Planalto. Ali obteve, em 22 de novembro de 2002, um troféu. Veio na forma de decreto. Assinou-o, sem alarde, um FHC em fim de mandato.
Flexibilizaram-se as regras da filantropia. Hospitais "estratégicos" já não precisam obedecer à regra dos 60% de SUS. O percentual passou a variar de 20% a 30%. Calculados não mais sobre a totalidade dos procedimentos, mas sobre uma cartela de atendimentos de "alta complexidade" -transplantes de órgãos e tratamentos oncológicos, por exemplo.
Em 10 de dezembro, baixou-se portaria com os nomes dos "hospitais estratégicos". São 317, dos quais 126 "filantrópicos". Coube de tudo na lista -do renomado Einstein à incógnita Maternidade Jesus Maria José, de Quixadá (CE).
Em 26 de dezembro, portarias natalinas elevaram à condição de "estratégicas" mais cinco instituições, entre elas o Sírio, o Samaritano e o Hospital do Coração, todos de São Paulo. Receberam de presente prazo de um ano para se enquadrarem às regras.
As providências têm efeito retroativo. Passou-se uma borracha no passado. Foram ao lixo sanções como a imposta ao Sírio. O hospital já requereu a revalidação do certificado filantrópico.
"O Brasil precisa desses hospitais de ponta incorporados ao sistema público", diz Raul Cutait, dirigente do Sírio. "Os 60% eram inviáveis. As novas regras representam uma alternativa. É preciso dar tempo à proposta e criar um sistema de avaliação de sua eficácia."
Ao homenagear quem estava à margem da lei, FHC foi descortês com gente como Antônio Ermírio de Moraes. À frente da Beneficência Portuguesa, o empresário zela para que 60% dos pacientes do hospital venham das filas do SUS.
FHC foi desleal também com o time de Lula, alijado da discussão. Às voltas com esforço para podar o déficit da Previdência, o PT levanta o custo da generosidade alheia. À boca miúda, considera-se a hipótese de revogar os atos. O lobby hospitalar descerá de novo a Esplanada.


Texto Anterior: Arrecadação caiu com Inspetoria
Próximo Texto: Mídia: Folha inicia sua 35ª turma de treinamento
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.