São Paulo, Sexta-feira, 26 de Março de 1999
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CELSO PINTO

A ganância supera o medo

A redução dos juros, anunciada quarta-feira, aumentou o otimismo do mercado. As previsões de juros despencaram, o câmbio caiu a R$ 1,79 por dólar, os títulos da dívida valorizaram, a Bolsa subiu 4,8% e o dinheiro especulativo continuou a entrar.
Trata-se de uma guinada típica do mercado financeiro, dos momentos em que a ganância supera o medo. São dois os fatores que alimentam a ganância: a possibilidade de ter lucros polpudos a curto prazo e a perspectiva de que, a cada dia adiado, o lucro pode ser um pouco menor.
Isso se dá quando o mercado se convence de que o real vai continuar se valorizando em relação ao dólar e de que os juros vão continuar a cair. Para um investidor que tem dinheiro no exterior, isso significa que, a cada dia que passa, ele pode deixar de ganhar algum juro a mais e um extra com a valorização do real. Por enquanto, isso tem sensibilizado principalmente brasileiros com dólares no exterior.
Essas guinadas costumam ser fortes, porque se auto-alimentam. Quanto mais gente acha isso, mais dólares entram, o que leva a mais valorização do real e a mais redução dos juros. Torna-se uma profecia auto-realizável.
Ontem esse sentimento se refletiu nos mercados futuros. Os juros futuros válidos para abril estavam em 40,77% e caíram para 37,76%. Os válidos para maio caíram de 36,85% para 33,2%.
Num exercício feito por um banco, esse nível de juros médio seria hipoteticamente compatível com um corte dos juros para 36% na próxima reunião do Conselho de Política Monetária (Copom), dia 14 de abril, e outro corte, para 30%, na reunião do Copom em 19 de maio. Não quer dizer que isso vá acontecer, apenas dá uma idéia do que o mercado está projetando.
Outro exemplo significativo. Os papéis prefixados que o BC acabou de vender ao mercado rendendo 42,5% ao ano, eram negociados ontem a 39% no mercado secundário. Em outras palavras, o BC poderia vender mais papéis, se quisesse, rendendo 39% ou menos. Quem perdeu o primeiro leilão, já está arrependido.
Existem, é claro, riscos de reversões. O fato de o BC ter deixado o câmbio cair até R$ 1,79, por exemplo, preocupou. Foi uma queda forte demais para um dia. Até agora, o BC vinha comprando dólares no mercado para evitar valorizações tão acentuadas do real.
É bom lembrar, contudo, a postura do diretor de Política Monetária do BC, Luiz Fernando Figueiredo. Numa conversa com a coluna na última sexta-feira, ele insistiu em que "nossa real intenção não é interferir na taxa", ainda que o BC não queira volatilidade muito forte.
"Não seremos viúvas do câmbio fixo", definiu Figueiredo. "No câmbio flutuante, a taxa flutua: cai e sobe". Uma razão para deixar flutuar é fazer com que "as pessoas se sintam incomodadas em indexar qualquer coisa ao câmbio". Ou seja, se alguém quiser se "proteger" fixando preços em dólares, pode estar sujeito a prejuízos inesperados.
A melhora nas condições para o Brasil também chegou ao mercado internacional de bônus, reaberto por algumas empresas e bancos de primeira linha. A aversão ao risco latino-americano, fortíssima no final do ano passado, diminuiu bastante. Ontem mesmo, o México colocou mais US$ 1 bilhão em bônus de oito anos de prazo.
Existe uma expectativa positiva em relação à futura colocação de papéis do Brasil, estimada entre US$ 1 bilhão e US$ 2 bilhões. O mercado para papéis de empresas privadas continua muito limitado, mas melhorou.
Alguns papéis brasileiros de empresas reduziram pela metade os prêmios altíssimos que chegaram a pagar no mercado secundário. Investidores externos (muitos dos quais brasileiros) relutavam em aceitar papéis com vencimento (ou opção de resgate) além do próximo ano. Agora, já há demanda para papéis até 2001 e 2002.
Mudou o formato da demanda. Antes da crise, havia muitos fundos que investiam em bônus desse tipo. Hoje, o que existe são investidores individuais. Talvez o mercado nunca mais volte a ser o que já foi, mas a situação melhorou.
Tudo isso ajuda a travessia no curto prazo, mas é dinheiro volátil. Para dar certo, é preciso que não haja surpresas negativas e, principalmente, que seja possível ter um fluxo de melhor qualidade entre 3 e 6 meses. O risco, portanto, não desapareceu.


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