|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GOVERNO
Luís Eduardo Magalhães tinha trânsito fácil
Filho ilustre ganhou luz própria no poder
ELIANE CANTANHÊDE
Diretora da Sucursal de Brasília
Quando alguém da elite baiana
tenta dar uma de esperto ou criar
um atalho, logo surge um amigo
para advertir: "Cuidado com o
vau do tamanco".
É a referência a um episódio da
campanha eleitoral de 1986 centrado em Luís Eduardo Magalhães, que seria o futuro rei da Bahia, mas morreu na semana passada, de infarto, deixando um enorme vazio político, não só na Bahia,
mas no Brasil.
Estavam ele, o atual governador
César Borges e o amigo Carlos Rotemburgo numa camionete cabine
dupla, prontos para atravessar o
rio Paraguaçu. A balsa estava do
outro lado, e não havia balseiro.
Por sugestão de Rotemburgo, a
camionete entrou na água, tentando achar o vau (trecho raso) que
ali é chamado de "vau do tamanco". Não deu certo. A camionete
quase virou, empacando no meio
do rio. Ficaram todos ilhados. Era
noite, não havia luz.
Borges e Rotemburgo não tiveram dúvidas: tiraram as calças e os
sapatos e foram a pé até a margem.
Mas Luís Eduardo bateu pé firme.
E se houvesse jibóias no rio? Nem
pensar.
Foi Rotemburgo, responsável
pela enrascada, quem avistou um
peão a certa distância e ofereceu-lhe alguns cruzados (a moeda
da época) para carregar Luís
Eduardo. O peão remancheou,
mas acabou aceitando.
E foi assim que o jovem deputado, o futuro rei, safou-se do rio:
montado nos ombros do peão, segurando a mão de Borges, de um
lado, e a de Rotemburgo, de outro.
Depois, ainda foi a pé, resmungando, até a sede da fazenda mais
próxima. E ainda chegou atrasado
para o comício.
Luís Eduardo já era deputado estadual e presidente da Assembléia
Legislativa da Bahia. Fora eleito
pela primeira vez em 1979, aos 23
anos, e estava no segundo mandato.
Fazia campanha para o primeiro
de seus três mandatos para a Câmara dos Deputados mas, já naquela época, como ilustra a história do "vau do tamanco", deixava
claro que comícios e corpo-a-corpo não eram o seu forte.
A arte de fazer política é que era.
Sempre foi. Tinha o sobrenome
Magalhães e todo o estímulo do
pai, o poderoso senador Antonio
Carlos Magalhães, agora presidente do Senado e três vezes governador da Bahia. Mas não era só isso.
Tinha também o gosto, o jeito, a
habilidade, a argúcia. Ganhou luz
própria.
Sempre se comentou em Brasília, onde Luís Eduardo chegou em
1987, que ACM tinha poder porque impunha; o filho, porque conquistava. ACM manda no PFL.
Luís Eduardo tinha um maior raio
de ação, convencia, desfazia intrigas, fazia amigos nas esquerdas e
até no PT.
Seu velório em Salvador foi a
melhor confirmação disso: o presidente da República, os governadores e o Congresso inteiro e até
grandes desafetos (como os paulistas Mário Covas, Orestes Quércia e Paulo Maluf) estavam lá.
'"Ele é muito melhor do que
eu", costumava dizer o pai, peito
estufado, sobre o filho mais querido e preparado desde cedo para
ser seu sucessor, uma extensão da
sua própria vida.
Luís Eduardo, entretanto, tinha
uma visão menos ambiciosa da
própria carreira. Foi líder do
"Centrão", o grupo de direita da
Constituinte de 86, foi líder do
PFL, presidiu a Câmara, morreu
na disputada condição de líder do
governo na Casa.
Mas lutava pelo governo da Bahia e pensava na decantada candidatura à Presidência da República
em 2002 sem dar a vida por elas.
Talvez a tenha dado, sim, pelas
grandes votações e articulações do
Congresso, nas quais empenhava-se a fundo.
Desde o Congresso constituinte
de 86, trabalhava 12, 13 horas, especialmente em defesa dos projetos liberais, de enxugamento do
Estado e de abertura do mercado.
Um dos destaques do "Centrão",
rodava madrugadas discutindo estratégias, fumando sem parar.
Ainda se falava em ACM como
presidenciável, não em Luís
Eduardo. Ele, entretanto, já vinha
se destacando, assumindo uma
identidade própria, impondo sua
liderança. Era, desde então, um
deputado de primeiro time.
Também naquela época, Luís
Eduardo já gostava das noites de
Brasília. Frequentava os restaurantes da cidade, fazia amigos,
contrariava a regra do uísque tomando champanhe.
Em Salvador, ficavam a mulher,
Michelle, e os três filhos: Paula,
Carolina e Luís Eduardo, com
quem se trancava durante horas,
aos sábados ou domingos, para
ver filmes.
Também mantinha dois grupos
de amigos com quem sempre saía
para jantar, às vezes viajava com
alguns deles para Nova York, Lisboa ou Roma, de preferência.
Em Brasília, foram durante uma
época os deputados Miro Teixeira
(PDT-RJ) e José Genoino (PT-SP).
Mas a disputa entre eles pela presidência da Câmara, em 1995, trincou essa amizade.
Mais recentemente, saía sempre
com os deputados Moreira Franco
(PMDB-RJ), Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) e Roberto Brant
(PSDB-MG). Os três primeiros
nunca chegaram a ministros, mas
sempre tiveram seu apoio.
Ele se referia ao grupo como
"shadow cabinet". No Reino Unido, é o grupo de oposição que fiscaliza o governo.
No grupo de Luís Eduardo, os
ministeriáveis que um dia poderiam sair das sombras e virar ministros.
Na Bahia, jantava nos melhores
restaurantes e frequentava as casas
dos empresários Manoel Maria
Tavares, Carlos Luz, Eugênio Carvalho, Manoel Chamadoiro, José
Renato Lima, Luiz Carlos Queiroz.
Para os adversários, eram os
"Dudu Boys", grupo do qual também faziam parte o prefeito de Salvador, Antonio Imbassahy, e o
agora governador César Borges.
'"O Luís era o centro das atenções. O mais inteligente, o mais falante, com uma piada sempre
pronta. Era um líder natural onde
quer que estivesse", disse Borges
no dia seguinte ao enterro.
Uma das suas manias era apelidar os amigos. Desde que declarou
que "tinha os pés na cozinha", o
presidente Fernando Henrique
Cardoso passou a ser o "Mulatinho". Com seus mais de cem quilos, o deputado Heráclito Fortes
(PFL-BA) era o "Paqui", de paquiderme.
Na Bahia, eram os Toquinho, os
Manolo. O deputado Leur Lomanto (PFL) era o '"Esperancinha". O
próprio governador, o "Borginho". "É impossível falar de Luís
Eduardo sem falar do seu
bom-humor", destaca Heráclito.
Se os jantares eram com os amigos, os almoços eram reservados
ao pai. Mesmo na terça-feira, 21, o
dia do infarto, os talheres da residência oficial do Senado já estavam à mesa à sua espera.
Desde a semana anterior, ele tivera dias duros. Na sexta-feira,
jantou com ACM e os principais
líderes do PFL-BA, no Palácio de
Ondina (do governo), até as 2h.
No sábado, acordou cedo, caminhou e embarcou ao meio-dia para uma rodada no interior: de jatinho até Ubaitaba, ao sul, depois
uma hora e meia de carro pela região cacaueira, mais um vôo até
Panamirim, a oeste, mais duas horas de carro até Guanambi e, finalmente, o vôo de volta à capital.
Depois de um dia inteiro de comícios e reuniões políticas, comendo sanduíches, ele chegou a
Salvador por volta da meia-noite,
tomou mais um banho e só foi jantar de madrugada. No domingo,
porém, nova caminhada.
Pretendia descansar bem, mas
foi surpreendido com um telefonema do cardiologista Bernardino
Tranchesi Jr.: o ministro Sérgio
Motta (Comunicações) estava
morto. Não conseguiu dormir.
Na segunda-feira, Luís Eduardo
estava visivelmente abatido no velório e no enterro de Motta em São
Paulo. PSDB e PFL se digladiavam.
Motta e Luís Eduardo articulavam
e tinham uma relação afetuosa.
Na volta a Brasília, ainda abatido, ele foi jantar com amigos e novamente dormiu muito pouco.
Nem por isso deixou de percorrer
11 km no feriado de terça. Chegou
no apartamento especialmente
suado, tomou banho, fez um lanche. Minutos depois, chamou Carlinhos, o motorista que serve a família há 22 anos.
'"Estou com um aperto no peito", avisou, caindo para trás, na
cama, desacordado. Carlinhos o
carregou no colo até a sala. Ele
acordou. Ligaram para ACM, que
estava na piscina da residência oficial e, com o susto, deixou o telefone cair dentro d'água.
"É sério, senão ele não me telefonaria. Tem horror de me preocupar", comentou o senador com
um amigo. Tão sério que Luís
Eduardo, o futuro rei da Bahia,
não resistiu.
Às 2h30 de quarta-feira, no seu
gabinete do Senado, a alguns metros do velório no Salão Negro,
ACM olhava desconsolado uma
foto sua com o filho. "Não é justo,
não é justo", repetia.
Estava encerrada prematuramente a carreira de um dos melhores políticos do país. Estava encerrado o principal sonho do senador. Estava também começando um novo governo, que ninguém sabe ainda qual é.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|