|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DOMINGUEIRA
Nasceu Bonnie
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo
Bonnie nasceu nesses dias
em que a morte rondou-nos
com sua brutal e irredutível
presença. Em sua ovina, alva e
simbólica inocência, ela surgiu
na TV e nos jornais, ao lado da
mãe, Dolly. Nenhuma das duas
suspeita de onde veio e para
onde irá. Não se indagam, não
formulam, não têm angústias:
são apenas ovelhas e como
ovelhas viverão e morrerão.
Para os humanos, contudo,
Dolly e Bonnie são mais do que
dois límpidos e pacíficos animais. São um novo episódio do
ancestral duelo que a humanidade trava contra a natureza.
Um ensaio divino da razão,
uma esperança, possivelmente
vã, de que um dia o destino humano complete-se e triunfe sobre a mãe criadora.
Até lá, porém, continuará a
conviver com a morte, esse defeito irrevogável da criação.
Morreram políticos, mas
também artistas e poetas: Octavio Paz, Geraldo de Barros,
Nelson Gonçalves.
Artistas e políticos, cada um
a sua maneira, são criadores de
mundos. Cabe aos primeiros
organizar as formas da vida
prática, cabe aos segundos
transcendê-las.
Longa é a arte, breve é a vida.
A morte -isso é um clichê-
nos iguala. Impõe-se de tal forma que diante dela mesmo os
adversários comovem-se e
identificam-se. O choro de Antonio Carlos Magalhães e as lágrimas de Fernando Henrique
Cardoso: a dor quando é sincera sempre dói, por uma fração
que seja, em todos.
Mas a suspensão que a morte
nos impõe, a atmosfera de irrealidade que instaura, a introspecção que nos motiva, logo cedem à lógica inelutável da
vida: seguir adiante, procurando não mais pensar que isso é o
mesmo que se aproximar do
fim.
Retornam à vida as famílias,
e a ela retorna também, com
muito maior pragmatismo, a
política.
O mundo é dos vivos, o que
não tem remédio remediado
está, se não há solução não há
problema.
Felizes são as ovelhas.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|