São Paulo, domingo, 26 de abril de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPERAÇÃO FRANÇA
Valor do acordo comercial chega a US$ 395,3 milhões
PFL e PT se unem contra contrato da PF sem licitação

FERNANDO RODRIGUES
da Sucursal de Brasília

Parlamentares do PT e do PFL entram nesta semana na Câmara e no Senado com pedidos de explicação e convocação dos responsáveis pelo contrato comercial firmado entre a Polícia Federal e o governo da França no valor de US$ 395,3 milhões -operação divulgada pela Folha no dia 17 passado.
Esse é o valor máximo que a PF poderá comprar, segundo o contrato, em equipamentos para os projetos Pró-Amazônia (que reequipa a polícia nessa região) e Promotec (de informatização do órgão). A compra será feita sem licitação sob o argumento de se tratar de segurança nacional.
Apesar de envolver segurança nacional, o contrato prevê a aquisição de materiais comuns, como oito bolsas para transporte de pára-quedas, oito martelos para escalada, quatro "kits" de entrada forçada, incluindo "alavanca do tipo pé-de-cabra" e 48 binóculos.
Também estão sendo comprados helicópteros, pequenos aviões, armas e munição.
Para o deputado federal Fernando Ferro (PT-PE) e para o senador José Eduardo Dutra (PT-SE), "é injustificável" a compra de tantos equipamentos sem licitação.
Outro projeto militar para a Amazônia de valor superior, o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia, de R$ 1,4 bilhão), foi implantado depois de um longo processo de tomada internacional pública de preços.

Razões
Segundo a Folha apurou, há duas razões básicas para a PF estar fazendo essa compra da França.
A primeira é que o governo brasileiro prometeu aos franceses uma compensação pelo fato de a empresa Thomson, da França, ter sido excluída do Sivam -cujos equipamentos estão sendo fornecidos pela Raytheon, dos EUA.
A segunda razão é que a França estaria interessada em manter alguma influência tecnológica na América Latina. E, por isso, estaria oferecendo condições de pagamento muito favoráveis só para ter seus equipamentos usados pela PF brasileira.
A França está financiando tudo em 15 anos, a juros de 5,9% ao ano. O governo brasileiro só precisará pagar a primeira prestação depois de cinco anos.
"Essa condição facilitada de financiamento não pode ser, sozinha, o único argumento para a PF dispensar a licitação. Por isso estou solicitando uma lista completa de todos os equipamentos e o preço unitário de cada um", diz o senador Romeu Tuma (PFL-SP).
O contrato assinado entre a PF e a Sofremi -empresa estatal francesa que representa o governo daquele país nessa operação- contém uma curiosidade: só apresenta a quantidade de material a ser comprado e o valor total da aquisição. Não há preços unitários.

Convocação
O deputado petista Fernando Ferro apresentará à Câmara um pedido de convocação do ministro da Justiça, Renan Calheiros, o responsável direto pela PF, que é dirigida por Vicente Chelotti. Na data da assinatura do contrato, 31 de março passado, ainda ocupava o cargo de ministro o senador Iris Rezende (PMDB-GO).
Ferro também vai requerer à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara uma "inspeção de auditoria de natureza contábil, financeira, orçamentária e operacional" na PF por conta dos equipamentos que estão sendo comprados para os projetos Pró-Amazônia e Promotec.
No Senado, o petista José Eduardo Dutra pretende também entregar um requerimento de auditoria sobre o assunto. "Esse contrato da PF, no mínimo, subestima a inteligência da população", diz.
O senador petista já esteve pessoalmente no TCU (Tribunal de Contas da União) para comunicar ao presidente do órgão, Homero Santos, a sua intenção.
O requerimento de Dutra solicita ao Senado acionar o TCU para uma "inspeção especial e extraordinária sobre os contratos firmados entre o Departamento de Polícia Federal" e o governo francês.
Na justificativa de seu pedido, Dutra diz o seguinte, baseado na reportagem da Folha: "A pretexto do surrado argumento da segurança nacional, mais uma vez assistimos administradores públicos subvertendo o fundamental e imprescindível instituto da licitação para disciplinar as relações entre o público e o privado".
Esses pedidos todos vão se somar aos já apresentados pelo senador Gilberto Miranda (PFL-AM), que requisitou todos os documentos relativos ao acordo firmado entre a PF e a França.
Miranda também pretende convocar para depor sobre o assunto no Senado os dirigentes da Fundação Atech, uma empresa contratada por R$ 19,9 milhões, também sem licitação, para fazer a instalação dos equipamentos para a PF.
A Atech é formada por ex-integrantes da Esca, uma empresa que esteve envolvida em irregularidades administrativas durante o processo de escolha do fornecimento de materiais para o Sivam.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.