São Paulo, domingo, 26 de abril de 1998

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ÍNDIOS
Líderes denunciam crimes de milícia que comanda uma das mais populosas e miseráveis áreas indígenas do país
Caciques tentam conter "polícia" indígena

José Luís Medeiros/Folha Imagem
'Polícia' indígena aborda índio caiuá na aldeia Jaguapiru, na Área Indígena Dourados, no Mato Grosso do Sul


RUBENS VALENTE
da Agência Folha, em Dourados (MS)

Líderes guaranis e caiuás, autodenominados "caciques-rezadores", estão se rebelando contra o poder da "polícia" indígena e dos "capitães" que as comandam, na Área Indígena Dourados, uma das mais populosas e miseráveis do país, a 224 km de Campo Grande (MS).
Formada pelos próprios índios, a milícia interna é o braço repressivo dos dois "capitães", também índios, que controlam administrativamente a área indígena
Baseado em depoimentos de índios, o procurador da República Paulo Thadeu Gomes da Silva pediu, no último dia 3, a decretação da prisão preventiva de um dos "capitães", Ramão Machado. Ele é acusado de tentativa de homicídio, ameaça e vilipêndio (desprezo) aos costumes indígenas.
O juiz responsável pelo caso ainda não se pronunciou sobre o pedido de prisão. Machado nega as acusações.
O choque de lideranças coincidiu com nova onda de suicídios entre os guaranis e caiuás, com seis casos em menos de 45 dias entre dezembro e janeiro, elevando para 256 o total de mortes do gênero desde 1986 nas aldeias do sul de Mato Grosso do Sul.
Dos dois "capitães", que assumiram os postos há quatro meses, sem remuneração, um foi eleito pela comunidade e outro escolhido em assembléia.
A Funai (Fundação Nacional do Índio) tem na área, de 3.475 hectares, apenas três funcionários para atender cerca de 8.900 índios. Em 97, a fundação enviou somente R$ 52,8 mil para a regional de Amambai (MS), que atende 28 mil índios de 22 aldeias.
Uma comissão de "caciques" prestou depoimento em dezembro na Procuradoria da República, em Brasília, denunciando as milícias como responsáveis por arbitrariedades, espancamentos e até homicídios, montando a cena do crime montada para parecer suicídio.
O presidente da Funai, Sulivan Silvestre, requisitou à Polícia Federal de Dourados abertura de inquérito e uma operação de desarmamento e prisão de índios por porte ilegal de arma. Também anunciou a instalação de um núcleo da Funai especialmente para cuidar das aldeias da região.
Em documento assinado em agosto entre os dois lados do conflito, os índios haviam decidido extinguir a função de "capitão", acusada de ser "fruto do regime militar" e caracterizada "pelo autoritarismo e crueldade". Mas o acordo não entrou em prática.
Os "caciques" passaram a ir a Brasília buscar recursos para a agricultura, desconsiderando o papel que cabia aos "capitães".
É a segunda vez em dois anos que a "polícia" (Conselho Indígena), instituída na área em 1972, é acusada de violência.
A pesquisadora da Uems (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul) Roseli Arruda, em sua tese "Dossiê Guarani - A morte sistemática de um povo, uma questão de direitos humanos?", de 96, acusou diretamente a milícia como responsável pelo crescente clima de tensão na reserva.
"O Conselho Indígena, por meio do uso de extrema violência, impede qualquer manifestação de descontentamento por parte dos guaranis, especialmente quando se trata de questões de terra."
A Polícia Federal reabriu alguns casos suspeitos, de índios enforcados com os pés e joelhos no chão, mas não encontrou provas de homicídio.
As duas aldeias que formam a área indígena, Bororó e Jaguapiru, são ocupadas por guaranis e caiuás. Os terena, embora em minoria, detêm as técnicas de agricultura, estão em melhor situação financeira e têm domínio da língua portuguesa.



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