São Paulo, domingo, 26 de abril de 1998

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MÍDIA
Congresso deverá votar até o fim do ano possibilidade de participação estrangeira em radiodifusão e imprensa
Emenda prevê abertura das comunicações

DANIEL CASTRO
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

É a última barreira para a abertura das comunicações ao capital estrangeiro.
A proposta de emenda constitucional 455/97, do deputado Aloysio Nunes Ferreira, com apoio de entidades empresariais, derruba a norma de que a propriedade em radiodifusão (TV aberta e rádio) e imprensa é exclusiva de cidadãos brasileiros.
A emenda passou por unanimidade na Comissão de Constituição e Justiça e aguarda formação de comissão especial. A projeção do deputado do PSDB-SP é que seja votada na comissão ainda neste primeiro semestre e chegue ao plenário no segundo.
A emenda não altera inteiramente a norma constitucional vigente. Abre as empresas de comunicação, até o limite de 30% do capital, para investidores externos. Hoje o investimento é restrito, em 100% do capital, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos.
Conglomerados multinacionais já demonstram interesse.
A Sony, grupo que inclui a Columbia TriStar Television, está retendo investimentos em outros países à espera da emenda. "Ser sócio de TV aberta no Brasil é o nosso plano número um", diz Dorien Sutherland, diretor-geral da Columbia TriStar na América Latina.
A Sony/Columbia é uma das empresas que aproveitaram as brechas que foram abertas em TV, nos últimos três anos, para iniciar investimentos. É sócia da HBO Brasil e está fechando acordo de co-produção com a Bandeirantes.

Mercado crescente
A abertura das comunicações no Brasil começou, formalmente, com a lei 8.977/95, que definiu a TV paga a cabo como telecomunicações e não radiodifusão -o que, aliás, ainda é contestado. A lei liberou as empresas para o capital estrangeiro, no limite de 49%.
Posteriormente, duas portarias do Ministério das Comunicações liberaram a participação em TV por satélite (portaria 321) e MMDS, serviço de TV paga via microondas (portaria 254). As duas áreas já eram vistas como abertas, sempre por omissão da legislação.
O efeito da gradual abertura foi a crescente presença dos conglomerados, como Time-Warner, Disney, News Corporation e TCI, em diversos empreendimentos em cabo, satélite e programação (veja quadro ao lado).
"O Brasil é um dos mercados de TV que mais crescem no mundo", diz Jeffrey Whalen, vice-presidente de marketing da Disney International. "Até agora, pudemos solucionar algumas dificuldades trabalhando conjuntamente com empresas competidoras. Nossos planos são de expandir a presença."
Aloysio Nunes Ferreira defende sua proposta de emenda dizendo, entre outras coisas, que busca tornar mais "transparentes as relações empresariais nos meios de comunicação, que, em grande parte, hoje, se fazem por baixo do pano".

Ponto de partida
Joaquim Mendonça, presidente da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), uma das entidades que se reuniram com o deputado antes da apresentação da proposta, diz que ela é "benéfica", mas considera o limite de 30% baixo.
"Nós discutimos o que seria razoável", diz. "Eu acho que 49% seriam razoáveis. Outros queriam 5%, outros, 20%. Você entraria num negócio com 30% do capital? Eu não entraria. Meio a meio, tudo bem. Ou 51%. Hoje em dia é normal."
Murilo de Aragão, diretor-executivo da Aner (Associação Nacional dos Editores de Revistas), relata que o percentual foi acordado entre Abert, Aner e a ANJ (Associação Nacional de Jornais) em negociações e levado depois ao deputado.
"O consenso foi 30%, para abrir a discussão", diz. "Vamos discutir no Congresso. As três entidades acreditam que é um bom ponto de partida. Agora, dentro das entidades há posições diferentes. Tinha gente que era contra e tinha gente que queria mais."
No exterior, as normas variam de um limite de 25% de capital estrangeiro nos Estados Unidos (em TV, o que obrigou o empresário australiano Rupert Murdoch, da News/Fox, a se naturalizar) a nenhum limite no Japão (veja quadro acima).

Mudanças
Murilo de Aragão e Joaquim Mendonça elogiam a emenda. O segundo avalia que pode reforçar as empresas para investimentos em TV digital, que deve concentrar atenções nos próximos anos. Mas não espera grande impacto. "Não vai acontecer nada."
Não é o julgamento de Marcos Amazonas, sócio-diretor da Connect, uma empresa de representação e intermediação em TV que tem entre seus clientes a rede norte-americana CBS.
Hoje parte do conglomerado Westinghouse, a CBS fechou um acordo de "troca de conteúdo" com o SBT, outro em linhas semelhantes com a Starmedia, para a Internet, e acaba de iniciar estudos para entrar em rádio no Brasil.
"Muda muito", diz Amazonas, sobre a emenda. "Hoje você consegue fazer acordos operacionais, mas numa rede aberta a associação fica muito limitada. Trinta por cento é um passo, um bom início. E não precisa muito mais do que isso."
Rubens Furtado, diretor-geral da Bandeirantes e um dos pioneiros da televisão no Brasil, afirma que, "se não abrir o capital, a TV paga vai engolir as pequenas redes de TV aberta". Para ele, a emenda "excita" e diversifica o mercado, evitando o domínio externo.

Ações em Bolsa
Além da entrada de capital estrangeiro por via direta, o que abre uma alternativa de capitalização fora do simples empréstimo bancário, de "juros escorchantes", como diz Aloysio Nunes Ferreira, a mudança teria outros reflexos.
Fernando Fortes, advogado especializado em telecomunicações e consultor jurídico da TVA, afirma que o capital estrangeiro ampliaria a concorrência nas concessões -e os preços. Mas também ele diz que 30% é um percentual "muito modesto", preferindo 49%.
Fortes sublinha outra mudança que viria com a emenda: a extinção dos limites para a propriedade de empresas de comunicação por pessoas jurídicas. Hoje elas só podem investir no limite de 30% -e ainda assim apenas em capital sem direito a voto.
A medida permitiria negociar ações em Bolsa, inclusive no exterior, como já ocorre com a Multicanal, de TV paga.
A maior abertura para pessoas jurídicas é elogiada tanto por Joaquim Mendonça como por Murilo de Aragão e Marcos Amazonas.



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