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CAMPO MINADO
Em lugar de desapropriar terras improdutivas, governo financia compra de terras por agricultores
FHC testa reforma agrária sem conflito
OTÁVIO DIAS
enviado especial a Acaraú (CE)
O governo Fernando Henrique
pretende testar a partir de agosto
um novo modelo de reforma agrária que não prevê a desapropriação
de terras improdutivas pelo Incra
(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), reduzindo
o potencial de conflito no campo.
O programa Cédula da Terra
concede a associações de agricultores sem terra um empréstimo
para comprar terra à vista e fazer
obras básicas de infra-estrutura.
O projeto foi idealizado pelo governo do Ceará e já está sendo colocado em prática no Estado com o
nome de Reforma Agrária Solidária. Com financiamento do Banco
Mundial, será estendido, numa
primeira fase, ao Maranhão, Pernambuco, Bahia e Minas Gerais.
Antes de começar, porém, o Cédula da Terra já está questionado
pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
"Esse projeto vai transformar o
Incra numa imobiliária", afirmou
à Folha João Pedro Stedile, 43,
membro da direção nacional do
MST. "O dono de uma terra improdutiva precisa ser penalizado e
não beneficiado com a compra de
sua propriedade à vista."
Neoliberal
"Essa é uma reforma agrária
neoliberal", diz Bernardo Mançano Fernandes, 38, autor do livro
"MST: Formação e Territorialização" (editora Hucitec, 1996). "É
um projeto que privilegia o mercado e não distribui renda", diz.
Para o assessor do Ministério da
Política Fundiária, Marcos Lins,
57, a crítica é prematura. "Esse é
um projeto piloto. Nos possibilitará avaliar a relação custo-benefício
e formar uma opinião", diz.
Para o secretário da Agricultura
e Reforma Agrária do Ceará, Pedro Sisnando Leite, 64, que participou da elaboração do programa
cearense, o mérito do novo modelo é permitir a realização da reforma agrária de forma pacífica.
"Grande parte da população
não é revolucionária. Necessita de
terra, mas não quer invadir", disse
Leite à Folha na terça-feira, em
Fortaleza. "Com menos ideologia,
é possível alterar rapidamente a situação social no campo", afirma.
O programa parte do pressuposto de que é mais ágil, mais barato e
mais eficiente para o governo financiar a compra de terras do que
desapropriar.
Mais ágil porque evita longas
disputas judiciais entre os fazendeiros e o Incra.
Mais barato porque o preço da
terra baixou com o Real (a terra
não é mais reserva de valor contra
a corrosão da moeda), a redução
de subsídios agrícolas e o novo Imposto Territorial Rural, que elevou
a taxação de terras improdutivas.
E mais eficiente porque o novo
programa permite a compra de fazendas produtivas ou em melhores
condições de produzir.
O Banco Mundial emprestou
cerca de R$ 95 milhões. O governo
federal entrará com uma contrapartida de R$ 75 milhões, segundo
o Ministério da Política Fundiária.
Nessa fase inicial, o governo espera assentar em torno de 16 mil
famílias no período de três anos.
Ceará
No Ceará, o programa Reforma
Agrária Solidária começou a ser
implantado no início do ano e já
assentou 220 famílias em 17 propriedades. O objetivo é dar terra a
800 famílias até o final de julho.
Para viabilizar o programa, o governo criou o Fundo Rotativo de
Terras, que dispõe de R$ 10 milhões anuais: R$ 4 milhões do governo destinados à compra de terras e R$ 6 milhões emprestados pelo Banco Mundial para investimentos em infra-estrutura e assistência técnica.
Associações de agricultores
apresentam um projeto para esse
fundo, solicitando a concessão de
empréstimo para compra de determinada propriedade rural.
A própria associação tem a responsabilidade de escolher a propriedade que quer comprar, de negociar o preço com o dono das terras e de apresentar um projeto de
exploração e produção.
O governo do Ceará verifica se o
preço está de acordo com o mercado e se o projeto é viável do ponto
de vista econômico. A associação
tem quatro anos de carência para
começar a pagar o empréstimo e 11
anos para quitá-lo. Parte dos recursos emprestados, a que se destina a investimentos de infra-estrutura, é a fundo perdido.
Segundo a Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária do Ceará, o
preço médio do hectare foi de R$
198. Até agora, gastou-se, em média, R$ 5.300 para assentar uma família, considerando-se apenas os
gastos com a aquisição da terra.
Esse custo é cerca de três vezes inferior aos R$ 16,4 mil que o governo federal calcula gastar para assentar uma única família no programa de reforma agrária desenvolvido atualmente pelo Incra.
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