São Paulo, segunda, 26 de maio de 1997.



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CAMPO MINADO
Em lugar de desapropriar terras improdutivas, governo financia compra de terras por agricultores
FHC testa reforma agrária sem conflito

OTÁVIO DIAS
enviado especial a Acaraú (CE)

O governo Fernando Henrique pretende testar a partir de agosto um novo modelo de reforma agrária que não prevê a desapropriação de terras improdutivas pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), reduzindo o potencial de conflito no campo.
O programa Cédula da Terra concede a associações de agricultores sem terra um empréstimo para comprar terra à vista e fazer obras básicas de infra-estrutura.
O projeto foi idealizado pelo governo do Ceará e já está sendo colocado em prática no Estado com o nome de Reforma Agrária Solidária. Com financiamento do Banco Mundial, será estendido, numa primeira fase, ao Maranhão, Pernambuco, Bahia e Minas Gerais.
Antes de começar, porém, o Cédula da Terra já está questionado pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
"Esse projeto vai transformar o Incra numa imobiliária", afirmou à Folha João Pedro Stedile, 43, membro da direção nacional do MST. "O dono de uma terra improdutiva precisa ser penalizado e não beneficiado com a compra de sua propriedade à vista."
Neoliberal
"Essa é uma reforma agrária neoliberal", diz Bernardo Mançano Fernandes, 38, autor do livro "MST: Formação e Territorialização" (editora Hucitec, 1996). "É um projeto que privilegia o mercado e não distribui renda", diz.
Para o assessor do Ministério da Política Fundiária, Marcos Lins, 57, a crítica é prematura. "Esse é um projeto piloto. Nos possibilitará avaliar a relação custo-benefício e formar uma opinião", diz.
Para o secretário da Agricultura e Reforma Agrária do Ceará, Pedro Sisnando Leite, 64, que participou da elaboração do programa cearense, o mérito do novo modelo é permitir a realização da reforma agrária de forma pacífica.
"Grande parte da população não é revolucionária. Necessita de terra, mas não quer invadir", disse Leite à Folha na terça-feira, em Fortaleza. "Com menos ideologia, é possível alterar rapidamente a situação social no campo", afirma.
O programa parte do pressuposto de que é mais ágil, mais barato e mais eficiente para o governo financiar a compra de terras do que desapropriar.
Mais ágil porque evita longas disputas judiciais entre os fazendeiros e o Incra.
Mais barato porque o preço da terra baixou com o Real (a terra não é mais reserva de valor contra a corrosão da moeda), a redução de subsídios agrícolas e o novo Imposto Territorial Rural, que elevou a taxação de terras improdutivas.
E mais eficiente porque o novo programa permite a compra de fazendas produtivas ou em melhores condições de produzir.
O Banco Mundial emprestou cerca de R$ 95 milhões. O governo federal entrará com uma contrapartida de R$ 75 milhões, segundo o Ministério da Política Fundiária.
Nessa fase inicial, o governo espera assentar em torno de 16 mil famílias no período de três anos.
Ceará
No Ceará, o programa Reforma Agrária Solidária começou a ser implantado no início do ano e já assentou 220 famílias em 17 propriedades. O objetivo é dar terra a 800 famílias até o final de julho.
Para viabilizar o programa, o governo criou o Fundo Rotativo de Terras, que dispõe de R$ 10 milhões anuais: R$ 4 milhões do governo destinados à compra de terras e R$ 6 milhões emprestados pelo Banco Mundial para investimentos em infra-estrutura e assistência técnica.
Associações de agricultores apresentam um projeto para esse fundo, solicitando a concessão de empréstimo para compra de determinada propriedade rural.
A própria associação tem a responsabilidade de escolher a propriedade que quer comprar, de negociar o preço com o dono das terras e de apresentar um projeto de exploração e produção.
O governo do Ceará verifica se o preço está de acordo com o mercado e se o projeto é viável do ponto de vista econômico. A associação tem quatro anos de carência para começar a pagar o empréstimo e 11 anos para quitá-lo. Parte dos recursos emprestados, a que se destina a investimentos de infra-estrutura, é a fundo perdido.
Segundo a Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária do Ceará, o preço médio do hectare foi de R$ 198. Até agora, gastou-se, em média, R$ 5.300 para assentar uma família, considerando-se apenas os gastos com a aquisição da terra. Esse custo é cerca de três vezes inferior aos R$ 16,4 mil que o governo federal calcula gastar para assentar uma única família no programa de reforma agrária desenvolvido atualmente pelo Incra.



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