São Paulo, quarta-feira, 26 de maio de 2004

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VIAGEM AO ORIENTE

Países discutem o fornecimento do minério não enriquecido às usinas nucleares chinesas

Brasil negocia acordo para a venda de urânio à China

GUILHERME BARROS
ENVIADO ESPECIAL A XANGAI

Os governos do Brasil e da China iniciaram negociações, durante a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao país asiático, sobre um acordo de cooperação nuclear que contemple a venda de urânio não enriquecido brasileiro para abastecer as usinas nucleares chinesas. O objetivo do Brasil é conseguir recursos para viabilizar seu programa nuclear.
A largada para a negociação foi dada em conversa do ministro da Ciência e Tecnologia brasileiro, Eduardo Campos, com autoridades chinesas das áreas espacial e nuclear. Ficou acertada uma nova reunião em agosto, no Brasil, para aprofundar as discussões. "O Brasil precisa encontrar maneiras de viabilizar financeiramente seu programa nuclear em curto espaço de tempo", afirmou Campos.
Para ser usado na produção de energia ou na de armas atômicas, o urânio que o Brasil poderá vender a China ainda precisa passar pelo processo de enriquecimento.
A eventual parceria entre os dois países poderá ser mais um fato a alimentar a pressão internacional sobre o governo Lula em relação ao seu programa nuclear.
A última polêmica surgiu em abril deste ano, quando o jornal americano "The Washington Post" publicou reportagem dizendo que o Brasil estava proibindo a AIEA (Agência Nacional de Energia Atômica) de examinar seu processo de enriquecimento de urânio em Resende (RJ). O governo alegou que não permitia a inspeção para preservar a tecnologia nacional e afirmou que os fins do programa são pacíficos.
O Brasil também sofre cobrança para assinar o Protocolo Adicional ao TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear), que permitiria à AIEA ampliar vistorias no país.
Lula determinou que, em 90 dias, seja feito relatório a partir de análises interministeriais, com propostas para salvar o programa nuclear brasileiro. Uma delas é a parceria com a China. "Se continuar o padrão de investimento dos últimos 15 anos, o programa se inviabiliza", diz Campos.
"Outros setores de parceria promissora são software e energia, em particular a exploração conjunta de poços de petróleo e minas de urânio", afirmou Lula.
Segundo Campos, o Brasil já investiu US$ 1 bilhão no programa nuclear e precisa de mais US$ 1,5 bilhão, para os investimentos em Angra 1 e 2 e a conclusão de Angra 3 e do projeto do submarino nuclear brasileiro. Hoje, o país gasta US$ 12 milhões/ano por não conseguir fazer no Brasil todas as fases pelas quais precisa passar o urânio para gerar energia.
De acordo com Campos, o interesse do Brasil, ao admitir a possibilidade de vender urânio não enriquecido à China, é o de participar, por meio da Nuclep -empresa vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia-, na construção de 11 usinas nucleares pelo país asiático nos próximos anos.
A energia é um dos principais gargalos para que a China continue crescendo nas taxas atuais (cerca de 9,5% ao ano). Por isso, a China investe muito em energia nuclear. O Brasil tem hoje a sexta reserva do mundo (só é conhecido 30% do potencial do país). Segundo Campos, há estudos que dizem que a reserva pode ser a terceira maior.
"O Brasil tem todas as chances de sair da sexta posição para a terceira. É exeqüível", corroborou Carlos Lessa, presidente do BNDES (Banco de Desenvolvimento Econômico e Social). Embora já tenha comercializado dióxido de urânio para o Iraque entre 81 e 82, o país tem preferido não vender, mantendo o urânio como reserva estratégica.
Com a crise energética mundial, a energia nuclear voltou a ser uma opção para suprir a carência. Além do minério, o Brasil conta, na mesa de negociação, com a tecnologia própria de centrifugação do urânio (o equipamento desenvolvido para enriquecer o urânio, porém, ainda não está em funcionamento em Resende, no RJ).
O ministro diz que não é só com a China que o Brasil está aberto a parcerias na área nuclear. A vantagem dos chineses é a complementaridade de interesses. O país tem usinas para serem construídas e o domínio de todas as fases do enriquecimento de urânio, enquanto o Brasil tem reservas do minério e tecnologia de centrifugação, precisa de dinheiro para tocar seu programa e não domina todas as fases do enriquecimento.


Colaborou LÉO GERCHMANN, da Agência Folha


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