São Paulo, terça, 26 de maio de 1998

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TESOURA POSTAL
Censor cortou trecho de carta para os EUA

da Reportagem Local

No dia 8 de novembro de 1944, Fritz Eugen Wallerstein Äque nasceu na Alemanha, mas morava em São Paulo, onde trabalhava como administrador de imóveisÄ escreveu para um amigo de infância, o sargento Fred W. Basch.
Embora de origem alemã, o militar integrava a força aérea americana e lutava contra o nazismo. Foi numa base do Arizona que recebeu a carta em inglês Äsó que incompleta.
Um documento que se acha no arquivo do Itamaraty revela que o Departamento dos Correios e Telégrafos reteve a correspondência por dez dias e somente a enviou depois de lhe amputar nove linhas.
Veja de que modo o censor descreveu o trecho cortado: "Em carta de caráter amistoso, o missivista (...), referindo-se ao tratamento dispensado a seus compatriotas, diz que os mesmos são tratados como inimigos estrangeiros, sem que nenhuma diferença seja feita entre eles e os nazistas".
Uma frase servia de título para a descrição: "Queixas de indivíduo suspeito, possivelmente israelita, contra o tratamento dispensado a seus compatriotas no Brasil".
Wallerstein, "o suspeito", está hoje com 80 anos. Naturalizou-se brasileiro, criou quatro filhos, continua vivendo em São Paulo e se lembra bem da carta.
Como tem raízes judaicas, saiu da Alemanha ainda adolescente, tão logo Hitller ascendeu. Depois de passar pela Suíça, França e Espanha, desembarcou no Rio de Janeiro em dezembro de 1936.
"As autoridades alemãs me consideravam judeu, mas eu mesmo nunca me senti membro da comunidade israelita", afirma. "Não frequento sinagogas e, pouco antes de partir para a América, me batizei na Igreja Católica." Ressalta, porém, que sempre se posicionou contra o nazismo.
Assim que mandou a carta, recebeu uma intimação do Deops. Queriam explicações sobre o que escrevera. Aproveitaram para também lhe perguntar se conhecia os pichadores de uns versos que vinham aparecendo nos muros da cidade: "Ouça, valente voluntário do Corpo Expedicionário: por que vai morrer a esmo? Se a luta sangrenta e fria é pela democracia, a travemos aqui mesmo".
"Sabia quem costumava fazer as pichações", diz Wallerstein, "mas claro que não os entreguei". (AA)



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