São Paulo, domingo, 26 de junho de 2005

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JANIO DE FREITAS

No mundo dos anjinhos

É um artigo velho. Embora não tanto quanto o governo Lula, que decidiu já nascer velhinho. A depender dos méritos, seria artigo morto e esquecido. As circunstâncias e certas personagens, porém, foram buscá-lo no além-túmulo. Deu resposta antecipada a afirmações agora diárias. Seguem-se algumas, a título de exemplo.
Não se sabe quando Lula é sincero, se na quarta-feira em que faz comício com agressões verbais aos defensores de investigações e diz que a corrupção é problema do Congresso; se no dia seguinte, em que retoma na tv o papel do candidato "Lulinha paz e amor" e oferece "a mão estendida". José Dirceu nega o uso de dependências do Planalto pelo tesoureiro e pelo secretário-geral do PT, Delúbio Soares e Silvio Pereira. Roberto Jefferson assegurou à repórter Renata Lo Prete ter "gente do governo metida" no mensalão, e agora só responsabiliza o comando do PT. Dentro e fora do governo, ninguém ouvira falar em qualquer das práticas que hoje fazem escândalo, afora, no melhor dos casos, a uns poucos que viram referência a pagamentos (logo desmentida) de Miro Teixeira ao "Jornal do Brasil", em setembro de 2004.
O artigo abaixo é de 4 de março de 2004. Com o mesmo título de hoje. E, como esperável, incluiu-se nos tantos comumente atribuídos a "mania de acusar", "exibição de independência" e outros escapismos. Ei-lo:
"O PT ainda está muito longe das contribuições feitas por PMDB, PFL e PSDB para destacar o Brasil entre os países reconhecidamente mais corruptos do mundo, mas o seu rol de práticas incabíveis mostra-se mais promissor a cada dia. "Tem passado como coisa tolerável, de pleno conhecimento do jornalismo de Brasília e alhures, a presença de dirigentes do PT entre os quadros da Presidência da República. Não há lugar mais impróprio do que o ambiente da Presidência para um encarregado da coleta e guarda do dinheiro do partido governista, como é o caso do tesoureiro petista Delúbio Soares. A simples permanência já suscita, em certo tipo de interessados, hipóteses e iniciativas que comprometem o governo. "Mesmo que fosse convincente, e nem se aproxima de sê-lo, a explicação dada para o encontro do tesoureiro petista com o vice-presidente da Associação dos Empreiteiros de Obras Rodoviárias não justificaria que o fato se passasse em instalações da Presidência. Ainda por cima, a anotação do encontro feita por uma secretária na agenda do [então] ministro dos Transportes, Anderson Adauto, não se confunde com registro posterior à maneira de um diário, que um ministro não deixa a cargo de auxiliares. "Em nome de quê o secretário de Organização do PT, Silvio Pereira, deve ou precisa estar no palácio da Presidência da República? Nem da parte da Organização do PT, nem da parte da Presidência e do governo, há motivo eticamente aceitável para a mistura de conveniências de direção partidária e centro de decisões administrativas do país. "No capítulo das nomeações o cenário não é menos interrogativo. A revelação do repórter Rubens Valente, na Folha de quarta-feira, por exemplo, contém mais sugestão do que aparenta, sobre nomeações. O nomeado presidente da estatal Cobra Computadores não era, até o final do governo Fernando Henrique, apenas procurador e presidente de uma empresa multinacional. Além de presidente de uma subsidiária, era procurador, com amplos poderes de movimentação financeira, de uma empresa posta sob suspeições graves, em negócios com a Caixa que a situaram no centro do caso Waldomiro Diniz. "Os problemas, hoje suspeitos, nas relações comerciais da Caixa com a GTech já eram conhecidos no governo Fernando Henrique, quando estranhas ordens sustaram a informatização das loterias federais, em benefício da contratada multinacional. "Graciano dos Santos Neto pode estar isento de toda implicação nas transações afinal questionadas entre a GTech e a Caixa. Mas o governo não poderia desprezar a sua profunda conexão com a multinacional envolvida em suspeitas até que investigações esclarecessem tudo. E o governo nem se ocupou das investigações. "Curioso é que a Presidência fez saber-se, desde o início do mandato, que todas as possíveis nomeações passariam por crivo duplo. No Planalto, personificado em Marcelo Sereno; e, em geral, nas investigações de agentes da Abin, o serviço de informações. Desses agentes é que saiu o dossiê capaz, enfim, de levar Gilberto Gil a afastar do Ministério da Cultura o seu compadre Roberto Pinho. Mas Waldomiro Diniz não é única presença imprópria no governo do mundo de anjinhos que o PT diz ser."
Hoje está evidente que o grupo vitorioso do PT não assumiu o governo. Tomou-o e o colonizou. E nesse grupo não há inocentes.


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