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SOB NOVA DIREÇÃO
Nova ministra da Casa Civil passou por treinamento de guerrilha fora do país, mas não fala em qual local
Dilma treinou com armas fora do Brasil
LUIZ MAKLOUF CARVALHO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A ministra "camarada de armas" Dilma Rousseff, 57, como a
chamou o agora deputado federal
José Dirceu (PT-SP), seu antecessor na Casa Civil, treinou guerrilha fora do Brasil na época da ditadura militar (1964-1985), quando foi militante das organizações
de esquerda Comando de Libertação Nacional (Colina) e Vanguarda Armada Revolucionária
Palmares (VAR). Ambas defendiam o método da luta armada
para derrubar a ditadura.
A própria ministra contou sobre o seu treinamento no exterior
durante entrevista gravada no final de 2003 para a segunda edição
do livro "Mulheres que Foram à
Luta Armada" (Editora Globo),
em andamento. Ocupava, então,
o Ministério de Minas e Energia.
Só não quis revelar o nome do
país. O trecho é o que se segue:
Pergunta - A senhora sabia atirar?
Dilma Rousseff - Sabia. Eu fui
treinada. Eu tive dois treinamentos: um que reuniu todo mundo,
ainda no tempo do Colina, num
sítio, em Belo Horizonte, e depois
um outro, no Rio, já na clandestinidade. Eram várias equipes. A
minha era eu, o Fernando Ruivo,
o Beto e o Felipe, de São Paulo.
Fomos enviados para fazer um
treinamento.
Pergunta - Aonde?
Dilma - Eu não vou te falar.
Pergunta - Foi no Brasil?
Dilma - Não.
Pergunta - Cuba? Argélia?
Dilma - Essa eu não vou te falar.
Pergunta - Mas foi fora do Brasil?
Dilma - Foi.
Pergunta - Em que período e
quanto tempo durou?
Dilma - Menos de duas semanas,
entre ir a voltar. Nós fizemos um
treinamento rápido. Eu não vou
te dizer, porque é muito desagradável, envolve outro país.
Pergunta - Ou é Cuba ou é Argélia.
Dilma - (Silêncio)
Pergunta - A sra. era do ramo, tinha boa pontaria?
Dilma - Até que eu não era ruim.
Tinha uma boa empunhadura e
tal. Mas eu não enxergo direito.
Pergunta - Como era o treinamento?
Dilma - Única e exclusivamente
um treinamento básico sobre armas, meio precário, não tinha lá
grande coisa. Não era a minha
área. Nunca fui de muita ação. Eu
nunca romantizei isso, não. E a
partir de determinado momento
todos nós achávamos que estava
chegando no limite, que a situação ia ficar muito feia.
A hoje chefe da Casa Civil foi
presa, torturada e várias vezes interrogada, como a Folha mostrou
em entrevista publicada na terça-feira. Mas nunca deixou que o segredo lhe escapasse. Dos três nomes que citou como parceiros do
treinamento lá fora, dois foram
assassinados: Fernando Borges de
Paula Ferreira, o Fernando Ruivo,
emboscado em São Paulo em 30
de julho de 69, e Carlos Alberto
Soares de Freitas, o Beto, morto
sob tortura em fevereiro de 71. É o
que consta no livro "Os Filhos
Deste Solo", de Carlos Tibúrcio e
Nilmário Miranda, este, como sabe, colega de ministério de Dilma.
Não foi possível identificar o
nome verdadeiro de Felipe, o terceiro citado. Pela data da morte de
Fernando Ruivo é possível situar
o período do treinamento no primeiro semestre de 1969. A futura
ministra já entrara na clandestinidade e morava no Rio de Janeiro
(leia matéria nesta página).
A leitura de seus interrogatórios, seja na polícia política da ditadura, sob tortura, ou na Justiça
Militar, na qual denunciou a selvageria, mostra que esse não foi o
único segredo que guardou. Um
dos outros, sobre o qual nada
contou, diz respeito à ação mais
ousada e rendosa da VAR-Palmares: o assalto aos US$ 2,4 milhões
que estavam no cofre da amante
de Adhemar de Barros, no Rio de
Janeiro, em 18 de julho de 1969.
Dilma não participou diretamente da ação, mas foi uma das
que trabalharam na organização
da infra-estrutura, antes e depois.
"Eu me envolvi no processo", diz,
ainda reticente.
O nome da ministra da Casa Civil não consta da relação de militantes da esquerda brasileira que
treinaram em Cuba. A Coréia
também treinou integrantes de
organizações que defendiam a luta armada, mas esse ponto constitui, até hoje, um dos mistérios daquele período. O ex-ministro José
Dirceu também treinou guerrilha
em Cuba, depois de sair da cadeia
na troca forçada de presos políticos pelo embaixador americano
seqüestrado Charles Burke Elbrick, em 4 de setembro de 1969.
Os dois eram de diferentes organizações e, que ambos tenham dito, ou que se saiba, nunca atuaram juntos. Se a saudação "companheira de armas" não foi apenas simbólica, como pareceu, é
possível que o ex-ministro tenha
compartilhado a informação.
Os treinamentos revelados pela
ministra não foram os únicos momentos militantes em que ela esteve envolvida com armas. Conte-se aqui, como curiosidade histórica, que semanas antes de ser presa
(no centro de São Paulo, em 16 de
janeiro de 1970) sua principal dor
de cabeça, como dirigente da
VAR-Palmares, era esconder em
lugar seguro, as armas furtadas
em posse da organização, escondidas em um "aparelho" com
grande possibilidade de já ser conhecido da repressão. Dilma morava com uma aguerrida militante
da organização em uma pensão
de quinta categoria na avenida
Celso Garcia, zona leste de São
Paulo. Muitas peripécias depois,
as armas acabaram lá. Delas nunca se soube depois que foi presa.
"Caiu", aliás, para usar o jargão
da época, quando foi encontrar-se com um militante ("cobrir um
ponto", idem) para tratar justamente do assunto. Não sabia que
ele já estava preso e que a tortura o
obrigara a abrir o "ponto". Ao
chegar, "Estela", um de seus codinomes, viu o companheiro em
um bar. Ele ainda tentou fazer os
sinais possíveis, com a face, quando a viu se aproximar, mas ela não
percebeu. Deu-lhe um aviso mais
direto quando chegou perto, mas,
ao primeiro esboço de reação, a
repressão, em torno, botou-lhe as
garras. A lembrança da cena emociona a ministra:
"Todos nós somos extremamente frágeis à tortura, que é o nível da destruição humana. Um cara que foi obrigado a renunciar ao
que ele pensava, ao que ele queria,
não merece crítica. Fazê-la, seria
aceitar que a tortura tivesse dado
certo. E não aceito que a tortura
deu certo, eu não aceito a lógica
dela. Eu estou falando dos que
abriram a boca. É imperdoável a
tortura ter obrigado uma porção
de gente a trair os seus próprios
ideais. É imperdoável terem roubado a alma deles. Não falo dos
que agüentaram e piraram um
pouco, como a Dodora [Maria
Auxiliadora Lara Barcelos, da
VAR-Palmares, presa e torturada,
que depois suicidou-se na Alemanha]. É dos que sobreviveram e
que carregam esse fardo. Eu tenho essa culpa, todo mundo tem
essa culpa, porque diante da tortura ninguém é herói. É um troço
que é de uma dor inimaginável.
Eu vi gente sofrer feito um cão,
depois, mais do que na tortura. É
conseqüência da tortura, da hora
que a pessoa falou, o sentimento
de culpa que o torturador inflige.
Porque a tortura é a dor física, e
acabou. Mas aquele saco ela carrega e vai carregando e vai carregando, e é complicadíssima essa
relação de culpa".
No final da entrevista, sempre
emocionada, Dilma Rousseff fez
um único pedido: o de que fosse
transmitido, ao militante que estava no bar, "dois beijos e seiscentos abraços".
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