São Paulo, quinta-feira, 26 de julho de 2001

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ARAGUAIA, 27 ANOS

Procuradores apreendem objetos e planilhas com dados de ex-colaboradores da repressão à guerrilha

Papéis indicam ação secreta do Exército

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Documentos apreendidos ontem em imóvel ocupado secretamente pelo Exército em Marabá (PA) indicam que os militares monitoram ex-colaboradores no sul do Pará. Planilhas identificam nomes, contatos mantidos e grau de confiabilidade de alguns integrantes da população local.
São mantidos sob vigilância principalmente agricultores que guiaram na mata os soldados nas buscas a militantes do PC do B, entre 1972 e 1974, na guerrilha do Araguaia -movimento armado reprimido pelo Exército.
Às 6h40 de ontem, dois delegados e oito agentes da Polícia Federal, juntamente com dois oficiais de Justiça e cinco funcionários do Ministério Público, cumpriram mandado de busca e apreensão da Justiça Federal. Eles entraram no imóvel apontado por ex-colaboradores do Exército como seu ponto de apoio em Marabá. Só havia um ocupante, que se identificou como militar.
Os procuradores Guilherme Schelb, de Brasília, e Felício Pontes, de Belém, acompanharam a operação. Para sua surpresa, os relatórios dos militares também registram a presença deles na região. Os dois estão colhendo depoimentos da população local a fim de identificar novas ossadas de militantes mortos na guerrilha e apurar danos causados a colonos pela operação das Forças Armadas concluída há 27 anos.
O monitoramento militar sobre a região foi revelado ontem pela Folha. Representantes do Exército proíbem seus antigos colaboradores de falar sobre a guerrilha. Em troca, oferecem assistência médica, distribuem alimentos, presentes e até revólveres, com porte de arma e munição.
Na documentação apreendida ontem, agora sob guarda da Justiça, constam papéis com a tarja vermelha de sigilo pertencentes ao serviço secreto do Exército. Os papéis trazem um timbre que conjuga inscrições do Ministério da Defesa, do Exército, da 23ª Brigada de Infantaria de Selva e do Grupo Especial de Investigação.
Foram apreendidos também placas de carro, um cofre, livros sobre a guerrilha e equipamentos eletrônicos como gravadores, rádios, câmaras de vídeo e foto.
"Não temos mais dúvidas de que se trata de um serviço secreto do Exército", declarou Schelb.
Quando já estavam manuseando os documentos apreendidos no prédio da Justiça Federal em Marabá, procuradores, oficiais de Justiça, delegados e agentes da PF receberam a visita e ouviram as reclamações de um major que se apresentou em nome do general Rui Monarca da Silveira, da 23ª Brigada de Infantaria de Selva.
A queixa do major: o grupo não poderia ter entrado na casa porque se tratava de uma "unidade" do Exército. No entanto, o imóvel, situado em uma subdivisão do bairro Nova Marabá, chamada Folha 17, não é reconhecido oficialmente como tal. O Centro de Comunicação Social do Exército afirma que sua única base em Marabá é a 23ª Brigada de Infantaria de Selva. E que "não há "escritório de inteligência" em Marabá".
O presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça, Miguel Real Júnior, vai convocar integrantes do grupo que fez a apreensão para definir providências a tomar sobre o caso.
"Quando a comissão foi à região [em 96 e 97], teve dificuldades de obter informações. Essa presença militar explica por quê", disse.



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