São Paulo, quinta-feira, 26 de julho de 2001

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CELSO PINTO

Dívida, questão delicada com o FMI

Talvez a questão mais delicada nas negociações do novo acordo com o FMI seja a definição da meta para a dívida líquida do setor público, neste e no próximo ano. O mercado gostaria de ver a dívida caindo em 2002. No Banco Central, contudo, a melhor hipótese com que se trabalha é estabilizar a dívida líquida nos 53% que deve atingir neste ano.
A dívida líquida, na ótica do mercado, é o indicador mais sensível do risco de uma futura moratória. O nível absoluto da dívida não é tão elevado, mas, com as altas taxas de juros praticadas no Brasil e o fato de um quarto dela estar sujeito ao impacto de desvalorizações cambiais, o temor é que o crescimento da dívida fuja de controle.
Para o país, a definição do nível da dívida líquida implica fixar o tamanho do esforço fiscal, num ano de sucessão presidencial. Do ponto de vista do FMI, é bom lembrar que a meta era fechar este ano com a dívida líquida em 46,5% do PIB. É preciso descontar o fato que, quando essa meta foi fixada, o número real de partida estava subestimado (porque usava um PIB estimado a partir do IGP, e não do deflator implícito). Ainda assim, a meta original equivaleria a algo na casa dos 49% do PIB.
No ano passado, a dívida líquida ficou em 49,3% do PIB, um número praticamente inalterado em relação ao do final de 1999 (49,4% do PIB). As projeções no mercado são as de que a dívida líquida já subiu, em julho, para cerca de 53% do PIB, pressionada pelo impacto da desvalorização cambial e da subida dos juros sobre a dívida pública, além dos R$ 12,5 bilhões (ou 1% do PIB) gastos na reestruturação dos bancos federais.
Na visão do BC, tentar trazer a dívida líquida, ao final de 2002, para 50% do PIB seria praticar má política econômica. Parte da pressão sobre a dívida vem de níveis de câmbio real (acima da inflação) claramente insustentáveis a médio prazo: ou o real se valoriza, ou parte da desvalorização vira inflação. Da mesma forma, a pressão dos juros vem de choques externos adversos. Além disso, a forma como a dívida é contabilizada subestima o impacto do câmbio e dos juros, já que apropria integralmente no estoque as mudanças, mesmo sabendo que a dívida será paga ao longo de vários anos.
Tentar corrigir essas pressões através de um enorme superávit primário fiscal (receitas menos despesas, exceto juros) seria, nessa mesma visão, gerar uma recessão desnecessária. Só faria sentido reduzir a dívida líquida para níveis do ano passado ao longo do tempo, numa perspectiva de médio e longo prazos.
Faz sentido, mas embute dois problemas. O primeiro é que supõe que o ajuste da dívida líquida teria continuidade ao longo do próximo governo, qualquer que fosse o novo presidente. O segundo é que, objetivamente, a dívida líquida estaria saindo de um nível de 43,3% do PIB em 98, final do primeiro mandato FHC, para algo em torno de 53% do PIB, o que não é uma trajetória confortável nem para o mercado, nem para o FMI.
O governo conta com a boa vontade do fundo e do governo americano. O secretário do Tesouro, Paul O'Neill, com uma rudeza chocante, deixou clara a estratégia: dane-se a Argentina e limite-se o contágio, a começar pelo Brasil. (Aliás, o que tem salvado o nível do diálogo do Brasil com o Tesouro é o subsecretário, John Taylor.) Resta ver se a boa vontade se traduz em flexibilidade dos técnicos do fundo.
Outra questão complicada é a meta inflacionária. É possível que o teto da meta deste ano supere 6% (o mercado projeta 6,14%). Para o BC, essa é uma batalha perdida, explicável pela sucessão de choques (energia, Argentina e sucessão). Mesmo que o IPCA atinja 6,5%, será visto pelo BC e por boa parte do mercado como razoável para um ano tão complicado. O BC se recusa a pensar em choque de juros apenas para trazer a taxa para os 6%: seria outra recessão desnecessária.
E a meta de 3,5% de 2002? O mercado projeta 4%, e já há quem diga que, como continuarão heranças de choques em 2002, melhor seria o BC mudar logo o alvo, elevando a meta ou mudando para um núcleo de inflação. O BC, contudo, continua achando que a batalha pelos 3,5%, ou pouco mais, pode ser vencida.
Por várias razões. Mesmo que o câmbio estabilize no alto nível atual (R$ 2,40 a R$ 2,50 por dólar), não haveria impacto adicional sobre a inflação, apenas a absorção completa da subida deste ano. No segundo semestre, a economia vai ficar estagnada. Num cenário recessivo, é muito difícil imaginar elevações generalizadas de preços livres. Em outras palavras, não deve haver "efeito inercial" a partir da elevação de alguns preços vulneráveis ao câmbio. Haverá uma herança garantida do câmbio sobre os preços administrados, corrigidos pelo IGP, mas será menor do que o impacto deste ano.
Em suma, trabalha-se com a hipótese de que os choques deste ano terão apenas um efeito residual em 2002. Um sinal ruim, a curto prazo, é a elevação do núcleo de inflação nos últimos dois meses. O aumento é visto como "sinal de alerta" e pode gerar uma resposta do BC. O maior risco é haver novos choques em 2002, trazidos pela Argentina ou pelas eleições. Mas não se pensa, de forma alguma, em alterar a meta de inflação.

O choque da energia
Uma fonte da área energética do governo calcula que problemas regulatórios como o Anexo V dos contratos com as distribuidoras (que garante energia mesmo com racionamento) e o não-repasse de alguns custos teoricamente cobertos por contratos deixaram uma conta de R$ 10 bilhões. Traduzida em tarifas, essa conta significaria um aumento real, acima da inflação, de 30%.
Mesmo admitindo que o setor aceitaria regularizar o passado ao longo de cinco anos, o impacto seria enorme. Ou sobre as contas fiscais, ou sobre a inflação.
E-mail: CelPinto@uol.com.br


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