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CELSO PINTO
Dívida, questão
delicada com o FMI
Talvez a questão mais delicada nas negociações do novo acordo com o FMI seja a definição da meta para a dívida líquida do setor público, neste e
no próximo ano. O mercado
gostaria de ver a dívida caindo
em 2002. No Banco Central,
contudo, a melhor hipótese com
que se trabalha é estabilizar a
dívida líquida nos 53% que deve
atingir neste ano.
A dívida líquida, na ótica do
mercado, é o indicador mais
sensível do risco de uma futura
moratória. O nível absoluto da
dívida não é tão elevado, mas,
com as altas taxas de juros praticadas no Brasil e o fato de um
quarto dela estar sujeito ao impacto de desvalorizações cambiais, o temor é que o crescimento da dívida fuja de controle.
Para o país, a definição do nível da dívida líquida implica fixar o tamanho do esforço fiscal,
num ano de sucessão presidencial. Do ponto de vista do FMI, é
bom lembrar que a meta era fechar este ano com a dívida líquida em 46,5% do PIB. É preciso
descontar o fato que, quando essa meta foi fixada, o número
real de partida estava subestimado (porque usava um PIB estimado a partir do IGP, e não do
deflator implícito). Ainda assim,
a meta original equivaleria a algo na casa dos 49% do PIB.
No ano passado, a dívida líquida ficou em 49,3% do PIB,
um número praticamente inalterado em relação ao do final de
1999 (49,4% do PIB). As projeções no mercado são as de que a
dívida líquida já subiu, em julho, para cerca de 53% do PIB,
pressionada pelo impacto da
desvalorização cambial e da subida dos juros sobre a dívida pública, além dos R$ 12,5 bilhões
(ou 1% do PIB) gastos na reestruturação dos bancos federais.
Na visão do BC, tentar trazer a
dívida líquida, ao final de 2002,
para 50% do PIB seria praticar
má política econômica. Parte da
pressão sobre a dívida vem de
níveis de câmbio real (acima da
inflação) claramente insustentáveis a médio prazo: ou o real
se valoriza, ou parte da desvalorização vira inflação. Da mesma
forma, a pressão dos juros vem
de choques externos adversos.
Além disso, a forma como a dívida é contabilizada subestima
o impacto do câmbio e dos juros,
já que apropria integralmente
no estoque as mudanças, mesmo sabendo que a dívida será
paga ao longo de vários anos.
Tentar corrigir essas pressões
através de um enorme superávit
primário fiscal (receitas menos
despesas, exceto juros) seria,
nessa mesma visão, gerar uma
recessão desnecessária. Só faria
sentido reduzir a dívida líquida
para níveis do ano passado ao
longo do tempo, numa perspectiva de médio e longo prazos.
Faz sentido, mas embute dois
problemas. O primeiro é que supõe que o ajuste da dívida líquida teria continuidade ao longo
do próximo governo, qualquer
que fosse o novo presidente. O
segundo é que, objetivamente, a
dívida líquida estaria saindo de
um nível de 43,3% do PIB em 98,
final do primeiro mandato
FHC, para algo em torno de
53% do PIB, o que não é uma
trajetória confortável nem para
o mercado, nem para o FMI.
O governo conta com a boa
vontade do fundo e do governo
americano. O secretário do Tesouro, Paul O'Neill, com uma
rudeza chocante, deixou clara a
estratégia: dane-se a Argentina
e limite-se o contágio, a começar
pelo Brasil. (Aliás, o que tem salvado o nível do diálogo do Brasil
com o Tesouro é o subsecretário,
John Taylor.) Resta ver se a boa
vontade se traduz em flexibilidade dos técnicos do fundo.
Outra questão complicada é a
meta inflacionária. É possível
que o teto da meta deste ano supere 6% (o mercado projeta
6,14%). Para o BC, essa é uma
batalha perdida, explicável pela
sucessão de choques (energia,
Argentina e sucessão). Mesmo
que o IPCA atinja 6,5%, será visto pelo BC e por boa parte do
mercado como razoável para
um ano tão complicado. O BC se
recusa a pensar em choque de
juros apenas para trazer a taxa
para os 6%: seria outra recessão
desnecessária.
E a meta de 3,5% de 2002? O
mercado projeta 4%, e já há
quem diga que, como continuarão heranças de choques em
2002, melhor seria o BC mudar
logo o alvo, elevando a meta ou
mudando para um núcleo de inflação. O BC, contudo, continua
achando que a batalha pelos
3,5%, ou pouco mais, pode ser
vencida.
Por várias razões. Mesmo que
o câmbio estabilize no alto nível
atual (R$ 2,40 a R$ 2,50 por dólar), não haveria impacto adicional sobre a inflação, apenas a
absorção completa da subida
deste ano. No segundo semestre,
a economia vai ficar estagnada.
Num cenário recessivo, é muito
difícil imaginar elevações generalizadas de preços livres. Em
outras palavras, não deve haver
"efeito inercial" a partir da elevação de alguns preços vulneráveis ao câmbio. Haverá uma herança garantida do câmbio sobre os preços administrados,
corrigidos pelo IGP, mas será
menor do que o impacto deste
ano.
Em suma, trabalha-se com a
hipótese de que os choques deste
ano terão apenas um efeito residual em 2002. Um sinal ruim, a
curto prazo, é a elevação do núcleo de inflação nos últimos dois
meses. O aumento é visto como
"sinal de alerta" e pode gerar
uma resposta do BC. O maior
risco é haver novos choques em
2002, trazidos pela Argentina ou
pelas eleições. Mas não se pensa,
de forma alguma, em alterar a
meta de inflação.
O choque da energia
Uma fonte da área energética
do governo calcula que problemas regulatórios como o Anexo
V dos contratos com as distribuidoras (que garante energia
mesmo com racionamento) e o
não-repasse de alguns custos
teoricamente cobertos por contratos deixaram uma conta de
R$ 10 bilhões. Traduzida em tarifas, essa conta significaria um
aumento real, acima da inflação, de 30%.
Mesmo admitindo que o setor
aceitaria regularizar o passado
ao longo de cinco anos, o impacto seria enorme. Ou sobre as
contas fiscais, ou sobre a inflação.
E-mail: CelPinto@uol.com.br
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