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LEGISLAÇÃO
Justiça Eleitoral não consegue inibir o financiamento irregular de candidatos, origem de escândalos com o uso de dinheiro público
O buraco negro das campanhas
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Parte dos R$ 400 milhões a serem pagos pelo governo federal a
usineiros nordestinos, a título de
"equalizar" os custos de produção
da cana-de-açúcar em relação aos
do Centro-Sul, poderá ser usada
para "irrigar" campanhas eleitorais na região.
Essa é uma das muitas formas
possíveis de contornar os limites
da legislação eleitoral. Mais desenvolvidos, os usineiros paulistas há muito tempo financiam
candidaturas confiáveis, driblando prestações de contas. Eles
constroem creches e doam máquinas e ambulâncias para prefeituras cujos titulares são afinados
com a defesa do Proálcool, não
importando a sigla partidária.
Nas campanhas, muitas vezes o
palanque é montado na usina.
Como a Justiça eleitoral não tem
poder de auditoria, e os mecanismos de fiscalização são inócuos,
apenas um lado perverso da questão aflora no período eleitoral: o
risco de desequilíbrio na disputa,
com a eventual concentração de
financiamentos submersos em
determinadas candidaturas.
Não menos nocivas são as formações antecipadas de caixas de
campanha e as práticas viciadas
que se estendem após o pleito.
Os acordos firmados durante as
campanhas estão na origem da
maioria dos escândalos com o uso
de dinheiro público: as contratações dirigidas, as licitações fraudadas e as obras superfaturadas.
A "reciprocidade" nessa área
surpreende. Eis o raciocínio de
um empreiteiro: com a maior fiscalização, a possibilidade de uma
construtora ganhar uma obra
após as eleições seria maior se não
contribuísse na campanha. Estaria acima de suspeitas para vencer, depois, uma licitação dirigida,
preterindo as que contribuíram.
Por outro lado, ficaria alvo mais
fácil de "pedágios" e comissões.
Só raramente vem a público a
contabilidade clandestina com recursos de caixa-dois das empresas. Foi o caso de um ex-dirigente
de empreiteira paulista que questionou na Comissão de Valores
Mobiliários a doação de R$ 164
mil para o candidato a prefeito
Celso Pitta, não autorizada pelo
Conselho de Administração.
Os apoios disfarçados em material ajudam os arrecadadores a fazer a conta de chegar. Em 1994,
um dos coordenadores da campanha de Fernando Henrique admitiu, ao comentar as doações em
móveis, imóveis e veículos: "Foi
por aí, apesar dos bônus, que os
valores foram sub ou superfaturados, conforme a conveniência do
momento ou a geração de sobras
de campanha".
A indústria automobilística costuma ajudar os candidatos de sua
preferência com um esquema que
preserva o nome das montadoras.
As concessionárias emprestam, a
pedido das montadoras, carros
seminovos aos candidatos e aos
comitês. E recebem das montadoras veículos zero quilômetro, em
número igual aos emprestados,
faturados em condições especiais.
Esse lobby nacional obedece ao
mapeamento da rede de concessionárias, muitas delas de propriedade de políticos, e atende a
interesses locais. O rastreamento
levaria, no máximo, a locadoras.
Em 1998, o governador Mario
Covas fez campanha numa moderna van emprestada pelo presidente da Toyota. A empresa alegou que era uma "manifestação
de amizade e reconhecimento",
porque Covas instalara uma fábrica da montadora no Estado.
Em 1998, grandes empresas privadas enxertaram em seus anúncios mensagens subliminares de
apoio às ações do governo Fernando Henrique, então candidato
à reeleição. Era a "Campanha do
Bom Astral", montada pelo movimento "Ação Empresarial".
As prestações de contas da arrecadação e dos gastos de campanha são sabidamente um artifício.
Terminada a eleição, doadores
não sabem quanto foi coletado, e
candidatos mais espertos podem
continuar passando o chapéu.
O reexame da prestação do candidato tucano nas eleições presidenciais de 1998, feito por uma
firma de auditoria, apenas confirmou que as prestações de contas
obedecem à formalidade da lei.
Foram selecionados, por exemplo, cheques de valores iguais, de
um mesmo contribuinte, até com
repetição de centavos quebrados.
Desconfiava-se de eventual direcionamento de cheques pré-datados, emitidos por pessoas físicas,
e usados em contribuições eleitorais por pessoas jurídicas.
Foram dados cerca de 50 telefonemas para esses contribuintes,
em vários Estados, checando-se
os valores daquelas doações. Todos os consultados confirmaram
a regularidade dos registros.
Em novembro de 2000, a Folha
revelou planilhas eletrônicas sigilosas do comitê eleitoral do presidente Fernando Henrique, sugerindo que a campanha pela reeleição fora abastecida por um caixa-dois: pelo menos R$ 10 milhões
não haviam sido declarados.
Da mesma forma, o reexame da
prestação do candidato do Partido dos Trabalhadores em 1998 revelou que eram corretas as doações listadas, com o cuidadoso registro de contribuições ínfimas.
Esse aspecto também ficou evidente nas prestações de contas
dos candidatos a prefeito e a vereador em Santo André, em 2000.
Aparentemente, os valores maiores eram compatíveis com o porte
das empresas do município. Contudo, eram fortes os rumores de
que tinha havido fartura de recursos movimentando as eleições.
Já eram conhecidas as denúncias de contratos com suspeitas de
irregularidades naquela administração tida, até então, como modelo de gestão do PT. Alertado há
dois anos, o PT aparentemente
não se preocupou em esclarecer
suficientemente as suspeitas.
Outro exemplo: em 2000, descobriu-se que a contabilidade da
campanha do PFL para a prefeitura de Curitiba girava em torno de
um livro-caixa secreto com pagamentos não informados ao TRE.
No início do governo Fernando
Collor de Mello, a Folha revelou
as contratações, sem licitação, beneficiando agências de publicidade que haviam trabalhado na
campanha presidencial.
O episódio motivou uma ação
criminal do presidente contra
quatro jornalistas, entre os quais o
diretor de redação, Otavio Frias
Filho, acusados de crime de calúnia. Essa tentativa de intimidação
não prosperou, e Collor não recorreu da decisão que absolveu os
jornalistas. Collor sentira-se ofendido com duas notas numa coluna de bastidores informando as
suspeitas, dentro do próprio governo, de que as contratações
compensariam dívidas de campanha com a agência Setembro Propaganda, de Minas Gerais.
Essa informação, reproduzida
também nos jornais da família do
presidente, contrastava com a sobra de recursos da campanha (PC
Farias chegou a afirmar que os
bancos tinham dado tanto dinheiro que ficara "assombrado").
Um levantamento posterior, em
Belo Horizonte, constataria que a
agência Setembro passara a operar com duas grifes: uma empresa, sem dívidas nem cadastro desabonador, assinava os contratos
com o governo; a outra, dos mesmos sócios, acumulava títulos
protestados em cartório. Ou seja,
saíra da campanha endividada.
De lá para cá, pouco se fez para
transformar a Justiça Eleitoral
num poder capaz de punir distorções no financiamento eleitoral.
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