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São Paulo, sexta-feira, 26 de setembro de 2003

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A VIAGEM DE LULA A CUBA É OPORTUNA?

Apesar da boa vontade...

NÃO

Lula irá apenas alongar a lista daqueles que, sem sabê-lo, acabam servindo aos interesses da política interna de Fidel Castro

VINCENT BLOCH

Celso Amorim explicava há poucos dias que "a melhor maneira de colaborar com Cuba e com a população cubana, mesmo no que diz respeito aos direitos humanos, não é isolar o país, mas manter com ele uma relação de associação efetiva". Mas Fidel Castro não está interessado em conceitos de associação, cooperação, abertura ou diálogo a não ser que eles sirvam para fomentar sua grande paixão: de um lado, sua própria manutenção no poder contra tudo e todos e, de outro, a imutabilidade de seu regime.
Não conhecendo nem a moderação nem a reforma, mas dotado de senso político singular, ele sabe receber os chefes de Estado estrangeiros de modo a fazer com que eles promovam seus próprios interesses. Pois eles parecem pensar que qualquer vantagem que Fidel procura tirar de sua visita é geopolítica, quando, na realidade, o "Barba" tem em vista que a visita de um alto dignitário também atende a questões internas.
Um dos artifícios utilizados pelo regime de Fidel sempre foi, por meio da manipulação da história e da desinformação, convencer sua população de que a revolução, longe de estar isolada, ocupa a vanguarda de um movimento mundial integrado de países, grupos e personalidades unidos pela rejeição comum ao imperialismo americano e à exploração econômica dos pobres pelos ricos.
Depois da queda do Muro de Berlim, a propaganda oficial passou a esforçar-se para injetar na cabeça da população a imagem de um mundo -e, mais especialmente, de uma América Latina- dominado pelo caos, as máfias, a corrupção, a violência e a miséria, tudo isso agravado pela gestão neoliberal da economia impulsionada por Washington e seus vassalos encabeçados por FMI e Banco Mundial. O domínio dos países do Norte sobre os do Sul e a "lógica neoliberal" aplicada às "vítimas" cada vez mais numerosas colocariam a Revolução Cubana no mesmo eixo que a chamada "frente antiliberal" ou "antiglobalização" que inclui tanto o EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional) quanto o Greenpeace.
Não apenas os dignitários estrangeiros chegam ao território cubano nesse contexto, como a propaganda política é encarregada de apresentá-los sob uma ótica favorável à revolução.
Como Lula poderá evitar a armadilha? Sua eleição foi acompanhada pela imprensa cubana como se se tratasse de um assunto nacional, e sua vitória no segundo turno foi anunciada como uma grande esperança para a América Latina. É claro que a propaganda revolucionária retratou Lula como esquerdista (apesar de ela ter destacado que seus métodos são diferentes dos de Cuba) que tende a denunciar o neoliberalismo, a combater a Alca e a promover a justiça, a igualdade e a solidariedade no Brasil. O Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, foi difundido em tempo integral pela TV cubana, que insistiu sobre o discurso feito por Lula no evento.
Durante a visita de Lula, Fidel não precisará convocar centenas de milhares de cidadãos nem pronunciar nenhum discurso interminável para que as conquistas da revolução sejam alardeadas publicamente e na presença de Lula e que o imperialismo americano seja denunciado.
O presidente do Brasil irá apenas alongar a lista daqueles que, sem sabê-lo, acabaram servindo aos interesses da política interna de Fidel, sempre disposto a libertar alguns moribundos para a ocasião, para que possa mostrar a seu amigo e à opinião pública mundial que é um homem aberto e de boa vontade.


VINCENT BLOCH, 28, diplomado pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris e doutorando em sociologia da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, viveu em Cuba durante dois anos

Tradução de Clara Allain


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