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A VIAGEM DE LULA A CUBA É OPORTUNA?
Apesar da boa vontade...
NÃO
Lula irá apenas
alongar a lista
daqueles que, sem
sabê-lo, acabam
servindo aos interesses
da política interna de
Fidel Castro
VINCENT BLOCH
Celso Amorim explicava há
poucos dias que "a melhor maneira de colaborar com Cuba e
com a população cubana, mesmo
no que diz respeito aos direitos
humanos, não é isolar o país, mas
manter com ele uma relação de
associação efetiva". Mas Fidel
Castro não está interessado em
conceitos de associação, cooperação, abertura ou diálogo a não ser
que eles sirvam para fomentar sua
grande paixão: de um lado, sua
própria manutenção no poder
contra tudo e todos e, de outro, a
imutabilidade de seu regime.
Não conhecendo nem a moderação nem a reforma, mas dotado
de senso político singular, ele sabe
receber os chefes de Estado estrangeiros de modo a fazer com
que eles promovam seus próprios
interesses. Pois eles parecem pensar que qualquer vantagem que
Fidel procura tirar de sua visita é
geopolítica, quando, na realidade,
o "Barba" tem em vista que a visita de um alto dignitário também
atende a questões internas.
Um dos artifícios utilizados pelo
regime de Fidel sempre foi, por
meio da manipulação da história
e da desinformação, convencer
sua população de que a revolução,
longe de estar isolada, ocupa a
vanguarda de um movimento
mundial integrado de países, grupos e personalidades unidos pela
rejeição comum ao imperialismo
americano e à exploração econômica dos pobres pelos ricos.
Depois da queda do Muro de
Berlim, a propaganda oficial passou a esforçar-se para injetar na
cabeça da população a imagem de
um mundo -e, mais especialmente, de uma América Latina-
dominado pelo caos, as máfias, a
corrupção, a violência e a miséria,
tudo isso agravado pela gestão
neoliberal da economia impulsionada por Washington e seus vassalos encabeçados por FMI e Banco Mundial. O domínio dos países
do Norte sobre os do Sul e a "lógica neoliberal" aplicada às "vítimas" cada vez mais numerosas
colocariam a Revolução Cubana
no mesmo eixo que a chamada
"frente antiliberal" ou "antiglobalização" que inclui tanto o EZLN
(Exército Zapatista de Libertação
Nacional) quanto o Greenpeace.
Não apenas os dignitários estrangeiros chegam ao território
cubano nesse contexto, como a
propaganda política é encarregada de apresentá-los sob uma ótica
favorável à revolução.
Como Lula poderá evitar a armadilha? Sua eleição foi acompanhada pela imprensa cubana como se se tratasse de um assunto
nacional, e sua vitória no segundo
turno foi anunciada como uma
grande esperança para a América
Latina. É claro que a propaganda
revolucionária retratou Lula como esquerdista (apesar de ela ter
destacado que seus métodos são
diferentes dos de Cuba) que tende
a denunciar o neoliberalismo, a
combater a Alca e a promover a
justiça, a igualdade e a solidariedade no Brasil. O Fórum Social
Mundial, em Porto Alegre, foi difundido em tempo integral pela
TV cubana, que insistiu sobre o
discurso feito por Lula no evento.
Durante a visita de Lula, Fidel
não precisará convocar centenas
de milhares de cidadãos nem pronunciar nenhum discurso interminável para que as conquistas da
revolução sejam alardeadas publicamente e na presença de Lula
e que o imperialismo americano
seja denunciado.
O presidente do Brasil irá apenas alongar a lista daqueles que,
sem sabê-lo, acabaram servindo
aos interesses da política interna
de Fidel, sempre disposto a libertar alguns moribundos para a
ocasião, para que possa mostrar a
seu amigo e à opinião pública
mundial que é um homem aberto
e de boa vontade.
VINCENT BLOCH, 28, diplomado pelo
Instituto de Estudos Políticos de Paris e
doutorando em sociologia da Escola de
Altos Estudos em Ciências Sociais, em
Paris, viveu em Cuba durante dois anos
Tradução de Clara Allain
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