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A VIAGEM DE LULA A CUBA É OPORTUNA?
Quem tem medo de Cuba?
SIM
A viagem de Lula tem
na incorporação de
Cuba ao esforço
brasileiro de
integração continental
seu principal aspecto
EMIR SADER
Escrever sobre Cuba na imprensa brasileira é uma aventura,
porque é argumentar em um terreno minado pelo clima de "guerra fria". José Saramago nunca havia sido tão publicado até ter criticado Cuba e nem mesmo seu discurso pelo Prêmio Nobel foi tão
publicado, republicado e citado
como esse artigo.
Eduardo Galeano criticou o governo dos Estados Unidos em
grande parte do seu artigo, que
não foi publicado pela grande imprensa brasileira, a qual apenas citou infindáveis vezes a frase em
ele critica Cuba.
No domingo passado, a Folha
publicou uma página inteira sobre Cuba. Os grandes textos eram
frontalmente críticos a Cuba: um
era de um opositor ao regime, e
outro, de Lech Walesa e amigos.
Nenhum intelectual cubano favorável ao regime foi ouvido.
Os leitores ficam sem saber por
que Cuba tem um IDH superior
ao do Brasil e ao do México, dado
publicado sem nenhuma explicação, porque contradiz a versão de
que o regime estaria no seu ocaso,
com o povo numa situação miserável. Os leitores também não sabem por que o regime cubano sobreviveu à queda do Muro de Berlim e que, portanto, é diferente
dos regimes do Leste Europeu.
Sua legitimidade, aquela que se
expressa nas maiores manifestações de apoio a um governo no
mundo, fica incompreendida,
além de escondida pelas mentiras
do silêncio que cercam Cuba na
grande imprensa brasileira.
Esse quadro típico da "guerra
fria" favorece as posições maniqueístas no debate sobre Cuba.
Antonio Candido, um dos tantos
grandes intelectuais favoráveis ao
socialismo cubano, chega a responder, quando é perguntado se
não têm críticas a Cuba, que prefere falar das coisas favoráveis, já
que quase só se fala coisas ruins
de Cuba na imprensa.
A visita de Lula a Cuba pode ser
uma oportunidade para superar
esse clima, atacando pela raiz o
clima de "guerra fria". O Brasil
pode contribuir para isso, assumindo a responsabilidade de convocar negociações para normalizar as relações entre Cuba e EUA.
A condição necessária para essa
normalização, isto é, para o reconhecimento diplomático mútuo é
que isso se dê sem condições prévias. Cuba aceita esse tipo de negociação, apesar de os EUA manterem a base militar de Guantánamo há mais de um século na ilha,
onde detêm uma grande quantidade de presos em condições desumanas e sem nenhuma proteção jurídica. Nem assim Cuba coloca a retirada das tropas norte-americanas como condição para a
normalização de relações.
Além dessa contribuição, a viagem de Lula a Cuba tem na incorporação de Cuba ao esforço brasileiro de integração continental
seu principal aspecto. Cuba foi
marginalizada pelas pressões de
Washington e excluída da OEA
(Organização dos Estados Americanos) e de outros organismos regionais. A reparação dessa ação
imperial dos EUA favorecerá o
processo democrático de integração latino-americana em que o
Brasil está tão empenhado.
Espera-se que a imprensa brasileira saiba captar esses aspectos
essenciais da visita de Lula a Cuba
e não fique mais uma vez pautada
pela mídia norte-americana.
Aliás, para concluir, o tratamento dado sempre a Fidel Castro como "ditador" é exclusividade dele. Os ex-ditadores brasileiros
Castello Branco, Costa e Silva,
Médici, Geisel e Figueiredo, para
não falar de ditadores e ex-ditadores de outros países, recebem o
tratamento de "ex-presidentes".
Esperamos que a cobertura dessa viagem de Lula também seja
um passo para acabar com a
"guerra fria" contra Cuba na imprensa brasileira.
EMIR SADER, 60, é coordenador do
Laboratório de Políticas Públicas da UERJ
e autor de "A Vingança da História"
(Boitempo)
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