São Paulo, sexta-feira, 26 de outubro de 2001

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AO SUL DO IMPÉRIO

Presidente afirmará hoje em Madri que atentados não podem frear agenda de cooperação internacional

"Terror não pára agenda global", diz FHC

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

O presidente Fernando Henrique Cardoso dirá hoje, em Madri, que o medo do terrorismo e a reação aos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos não podem silenciar a agenda de cooperação internacional.
É uma referência à preocupação de FHC com o fato de que o predomínio das questões relativas à segurança está marginalizando o tratamento de temas relevantes para a diplomacia brasileira.
Em princípio, o presidente até mencionará quais são os temas que, na sua opinião, não podem desaparecer da agenda: a reforma do sistema financeiro internacional, o lançamento de uma nova rodada de negociações comerciais globais (que já se chamou de Rodada do Milênio) e os acordos de associação regional, como é o caso, em especial, das negociações para a formação de uma zona de livre comércio entre o Mercosul e a União Européia.
No Brasil, em discursos recentes no Itamaraty e na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), FHC assumiu um tom mais incisivo ao se referir à necessidade de um processo de globalização mais equilibrado. Esse tom deverá marcar suas palestras na Europa.
FHC chegou a Madri no fim da noite de ontem e fará hoje o seu discurso perante 14 chefes de Estado/governo, além de idêntico número de ex-governantes, como o norte-americano Bill Clinton.
O tema original do seminário seria a transição para a democracia e a consolidação desta. Por iniciativa da Fundação para as Relações Exteriores e o Diálogo, da Espanha, e a Fundação Gorbatchev da América do Norte, foram convidados representantes de países de mais de 2 milhões de habitantes e que tenham transitado do autoritarismo para a democracia nos últimos 25 anos.
Os atentados de 11 de setembro nos EUA até certo ponto atropelaram a agenda. O presidente brasileiro, por exemplo, não deixará de falar de democracia, mas engatará nela a questão da paz. O eixo de seu discurso será alinhavar os desafios que o terrorismo acarreta para a democracia.
Parte do conteúdo já foi sendo divulgado desde os atentados nos EUA, mas é a primeira oportunidade que FHC tem para se dirigir a um público global ou quase global, ainda mais em um país em que terrorismo, paz e democracia estão sempre na ordem do dia, como consequência dos atentados promovidos pela organização separatista ETA (Euskadi Ta Askatasuna ou Pátria Basca e Liberdade).
FHC, ao mencionar o indesejável sequestro da agenda global pela questão do terrorismo, estará expressando o risco de irrelevância que a América Latina enfrenta.
Como o próprio chanceler Celso Lafer já admitiu, ao entronizar a segurança no topo da agenda global, os Estados Unidos deslocaram temas, como os econômico-financeiros, que são prioritários para o Brasil.
Pior: nem o Brasil nem a América Latina têm contribuições relevantes a dar no quesito segurança. A área abriga, é verdade, cinco grupos listados como terroristas pelo Departamento de Estado norte-americano.
Dois deles (os peruanos Sendero Luminoso e Movimento Tupac Amaru) estão virtualmente desativados. Os três outros (todos colombianos) não têm alcance internacional, embora vez por outra o conflito na Colômbia respingue nos vizinhos.
De todo modo, a América Latina nem é uma ameaça para a segurança norte-americana nem é, ela própria, alvo do terrorismo global. Por isso mesmo, a agenda latino-americana continua sendo a anterior aos atentados.
Do ponto de vista de FHC, trata-se, acima de tudo, de reordenar a governança global, tarefa que o presidente considera agora mais necessária que antes. A reordenação passa, na economia, por algum tipo de controle do movimento de capitais especulativos, tema sobre o qual FHC tem se manifestado desde a primeira posse, mas sem maiores ecos.
Passa também, na política, por uma reorganização do que FHC chamou, em discurso de anteontem, de "diretório", o grupo que, na prática, governa o mundo, em referencia ao G-8, o clube dos sete países mais ricos do mundo mais a Rússia.
Acontece que, sempre pelo que o presidente afirmou anteontem, nem o G-8 pode ser considerado mais como um "diretório", já que a hegemonia norte-americana atropela até seus pares do mundo desenvolvido, uma situação "insustentável", acha FHC.
O presidente deverá fazer também uma defesa do papel do Estado-nação, que parecia condenado ou à desaparição ou a um papel marginal, suplantado pelos grandes conglomerados internacionais, em especial as corporações multinacionais.
O discurso em Madri será mais na condição de sociólogo do que de presidente, embora uma seja obviamente indissociável da outra. O discurso institucional ficará para Paris, onde FHC fala na Assembléia Nacional.


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