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São Paulo, quarta-feira, 26 de novembro de 2003

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ELIO GASPARI

Um novo astro, o levantador de PIB

Há muito tempo não se ouvia coisa igual: "Eu não derrubo, só levanto o PIB", informou o ministro do Planejamento, Guido Mantega. A nova versão do gigante Atlas, capaz de carregar o mundo nas costas, disse isso numa das mais miseráveis discussões econômicas dos últimos tempos. Passado um ano de ruína, os ministérios do Planejamento e da Fazenda divergem: Mantega diz que a economia vai crescer 0,8%, e a turma de Antonio Palocci fala em 0,4%. Segundo Mantega, tudo se deveu a um acesso de "mau humor" da ekipekonômica.
Se a economia brasileira pudesse crescer à custa do humor dos economistas da Fazenda ou da capacidade do doutor Mantega de "levantar" PIB, não haveria 2,5 milhões de desempregados nas seis maiores regiões metropolitanas brasileiras.
O que há de doloroso na quiromancia econômica do PT Federal é a maneira como ela repete os embustes do tucanato. Coisa assim: em janeiro anuncia-se que a economia crescerá 4%. Em junho fala-se em 3% . Em dezembro anuncia-se que a taxa será inferior a 1%, mas isso não tem importância porque o mercado estima que no próximo ano o crescimento chegue a 4%. Muda-se de ano e começa tudo de novo.
Em janeiro os sábios petistas previam um crescimento de 2,8%. No final de março os doutores Palocci e Henrique Meirelles baixaram a bola para algo entre 1,8% e 2,2%. Numa conta grosseira, cada décimo de ponto percentual de crescimento do PIB significa a criação de 30 mil postos de trabalho. A revisão indicava que, por baixo, já tinham sumido 180 mil daqueles 10 milhões de empregos que a marquetagem petista prometeu criar em quatro anos. Em junho, quando Lula prometia o "espetáculo do crescimento", o Ipea reajustou o cenário e estimou a expansão da economia em 1,6%.
Em agosto, na tradição tucana o doutor Antonio Palocci anunciava que o Brasil tinha condições de crescer 3% a partir de 2004. Passados dois meses, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, prometeu "por volta de 4%".
Um mês depois começou a interessante trajetória do ministro Mantega no mundo da quiromancia do desenvolvimento. Diante de uma previsão de 0,5% feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, seu ministério divulgou uma nota estimando que o crescimento ficaria entre 0,7% e 1,1%. Em seguida, ofereceu um preço de liquidação: 0,98%.
Só os orixás podem dizer qual a confiabilidade das projeções centesimais da taxa de crescimento da economia, mas nessa briga por migalhas Mantega se apresenta como otimista porque promete em novembro um crescimento de 0,8%, menos de um terço do que seus colegas ofereciam em janeiro. A ekipekonômica nunca chegou a esse grau de prestidigitação.
O desastre do primeiro ano de administração petista nada tem a ver com a qualidade do humor da Fazenda ou das virtudes do atletismo econômico de Mantega. Ela se chama desemprego, ruína e recessão. A economia brasileira precisa absorver 1,5 milhões de pessoas por ano. Com os 0,8% do otimismo de Mantega, faltam 1,2 milhão de empregos. Com os 0,6% da última previsão do governor Meirelles, faltam cerca de 1,3 milhão. Com os 0,4% da ekipekonômica, faltam algo como 1,4 milhão. Isso para não se falar na qualidade dos serviços que aparecem. Cinco ocupações respondem por 70% das vagas geradas nos anos 90 em São Paulo: serviços domésticos, ambulantes, limpeza e segurança.
Mantega, o levantador de PIB, poderia fazer dupla com Ricardo Berzoini, o cortador de aposentados.


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