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BRASIL EM 2000
Ex-ministro defende aumento da oferta de crédito e redução da taxa de juros e critica Malan
Mendonça prega "agenda racional" a FHC
COSETTE ALVES
especial para a Folha
O economista tucano Luiz Carlos Mendonça de Barros, 56, prega uma "agenda da racionalidade" como resolução de Ano Novo
para o governo do amigo Fernando Henrique Cardoso.
Essa agenda se traduz no aumento da oferta de crédito, diminuição dos juros, racionalização
do sistema de tributos e "arejamento" do mercado de trabalho.
Ex-ministro das Comunicações
e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social), ele coordenou uma das maiores privatizações do mundo, a venda do Sistema Telebrás, por R$ 22,06 bilhões.
Diz que os juros do BNDES não
são subsidiados e são competitivos com os internacionais.
Há 13 meses fora do governo,
Mendonça de Barros diz ter a língua "solta demais". E não a contém ao se referir ao ministro Pedro Malan (Fazenda). "Quando
vejo o Malan boicotando a reforma tributária, fico pasmo."
O economista recebeu a Folha
em seu apartamento, na zona sul
de São Paulo. Fazia calor e ele vestia bermudas e camisa de manga
curta. Afirmou que, se pudesse
mudar o mundo, "tornaria o socialismo possível". Leia a seguir
os principais trechos.
Folha - Em que circunstâncias
o sr. aceitou o convite do presidente Fernando Henrique Cardoso para presidir o BNDES?
Luiz Carlos Mendonça de Barros - Quando o presidente FHC
montou o governo, o Sérgio Motta veio falar comigo da possibilidade de eu participar. Acontece
que eu e o André (Lara Resende)
tínhamos fundado o Matrix havia
muito pouco tempo. Achamos
que seria uma falta de responsabilidade com os outros sócios abandonar tudo. Por isso não participei da equipe inicial.
No fim de 1995, o Edmar Bacha
tinha recebido um convite para
trabalhar no setor privado e queria sair. Achei que já havia condições de sair do banco. Aceitei,
mas sabia que havia um certo
conflito de idéias no ar. E fui para
o BNDES, convidado pelo Serra e
pressionado muito pelo Sérgio
Motta, amigo de 30 anos.
Folha - Quais os momentos da
sua passagem pelo governo que
mais o entristeceram?
Mendonça de Barros - O momento de maior revolta foi a ida
ao Senado, porque foi uma traição política do PFL e do PMDB,
que -em vez de me defenderem
como ministro do governo, eles
que conheciam todas as circunstâncias e sabiam que o processo
tinha sido correto- aproveitaram-se do episódio das fitas e dados da oposição e partiram para
uma luta política.
Folha - O que causou a luta?
Mendonça de Barros - O presidente tinha dito que eu ia ser o
ministro do Desenvolvimento e
que o ministério seria forte. Como sou vinculado ao PSDB, eles
concluíram: "Se o ministro for para lá, desequilibra, então temos
que derrubá-lo".
Folha - Se o sr. fosse presidente e FHC seu ministro das Comunicações, nas mesmas circunstâncias, aceitaria sua demissão?
Mendonça de Barros - Acho
que sim. Na primeira conversa
com o presidente, eu estava em
Nova York, ele não queria que eu
fosse ao Congresso. Eu era ministro e estava sendo acusado de corrupção com um instrumento que
não era só ilegal do ponto de vista
da lei. A fita estava montada para
mostrar uma ação do governo em
favor de um dos consórcios. Essa
versão foi passada para o público.
Eu tinha que ir e explicar que trabalhamos para criar uma competição. O presidente concordou e
fui ao Senado. Ali percebi que o
PFL e o PMDB estavam querendo
me derrubar. O Elcio Alvares foi
chamado para defender um ministro de Estado e nada fez. Enfiaram a faca nas minhas costas. Eu
não tinha condições de continuar.
Folha - Se o sr. fosse presidente, como teria agido?
Mendonça de Barros - Se eu
fosse o presidente, chamaria os
ministros e diria: "Conheço o que
foi feito, pois o ministro me reportava tudo, não tem nada de errado e essa é uma fita parcial. Para
apresentar os fatos o ministro vai
se defender, vai explicar tudo e
vocês têm que sair em defesa dele". O erro do presidente foi esse.
Depois do que aconteceu, não
tendo criado condições de suporte político para mim, teve que
aceitar minha demissão.
Folha - O sr. mudou depois da
sua passagem pelo governo?
Mendonça de Barros - Amadureci muito. No período que fiquei
no BNDES, conheci o Brasil, porque viajei bastante. Entendi mais
as limitações do presidente da República e do Congresso. Sou mais
democrata hoje do que era antes.
E, apesar de tudo, não consigo
não gostar do FHC, não consigo
não admirá-lo como homem público, embora possa ter críticas a
umas tantas coisas que ele fez.
"Quando vejo o
Malan boicotando
a reforma tributária, fico pasmo, porque é claramente uma decisão errada"
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Folha - O sr. se considera injustiçado pela mídia?
Mendonça de Barros - A mídia,
diante da fita que foi divulgada,
reagiu corretamente. Ela deu a
público. Só que a fita estava editada para insinuar falta de correção.
Meses depois, quando a Folha
publicou todas as fitas, fiquei contente porque as fitas, todas elas
juntas, mostraram aquilo que era
o meu argumento.
Folha - A Constituição diz que,
num processo de leilão como
esse, a ação de um homem público deve ser impessoal.
Mendonça de Barros - Nessa
questão da privatização, houve
uma discussão de conceito sobre
a ação de um homem público
num processo de leilão como esse. Na Constituição, está claro que
deve ser impessoal. Mas impessoalidade é no sentido de que as
condições têm que ser iguais para
todo mundo. A impessoalidade
não pode ser lida de forma rígida,
de que o responsável pela venda
não faça propaganda e não procure criar o melhor negócio para o
governo e a sociedade.
Folha - Essa boa intenção estava de acordo com a lei?
Mendonça de Barros - Sim.
Tanto que a decisão do Tribunal
de Contas foi tomada em vários
níveis: técnico, dentro do próprio
estatuto do TCU, que obriga o
procurador da República a também se manifestar sobre o julgamento. O tribunal foi unânime
em aceitar a nossa defesa, que foi
a seguinte: na Constituição há
dois princípios que devem reger a
ação de um homem público num
leilão como o da Telebrás. Primeiro é o da impessoalidade. As condições têm que ser absolutamente
iguais para todo mundo. A própria Constituição tem o princípio
da economicidade, isto é, todo ato
público, tipo leilão, venda, tem
que buscar o melhor preço. Para
que isso aconteça, é necessário estimular a participação do maior
número de empresas, porque, se
for uma só para o leilão, o preço é
o mínimo. E o caso especificamente foi esse.
Folha - O sr. está de acordo
que o BNDES empreste dinheiro
para empresas estrangeiras
comprarem estatais?
Mendonça de Barros - A função do BNDES é fomentar investimentos no Brasil. Sejam de brasileiros, sejam de estrangeiros. Os
juros do BNDES não são subsidiados. São normais, competitivos com os juros internacionais.
Agora, comparados com os juros
que temos aqui, é moleza. A questão é que, com esse juro operado
no mercado de crédito no Brasil,
não há investimento possível.
Folha - Como é que o sr. vê o
ano 2000 para o Brasil?
Mendonça de Barros - O ano
2000 vai ser um ano muito bom.
Por uma razão muito simples. O
ambiente externo, que foi a causa
da crise que nós tivemos em 98,
mudou completamente. Vamos
ter em 2000 o oposto daquilo que
tivemos em 98. A economia mundial está crescendo; na Europa, o
crescimento aumentou; a Ásia
saiu da crise.
Folha - Qual o desafio do governo?
Mendonça de Barros - Em relação à parte interna, temos uma situação contraditória. Boa por um
lado e ruim por outro. Vamos ter
no ano que vem uma situação fiscal boa. Do ponto de vista de inflação, é fundamental. Essa situação fiscal é obtida em detrimento
da racionalidade do funcionamento da economia. Porque são
impostos irracionais, do ponto de
vista da produção, que retiram recursos dos consumidores e dos
produtores. Portanto diminuem
sua capacidade de financiar.
Folha - Qual será o crescimento brasileiro em 2000?
Mendonça de Barros - Vamos
ter um crescimento medíocre para o Brasil resolver os problemas
sociais. Teremos condições de
crescimento de 2%, podendo terminar o ano em 4%. É aí que tenho um atrito com o ministro
Malan (Fazenda). Não porque eu
seja contra o que está sendo feito,
mas temos que passar imediatamente para a segunda agenda,
que é a agenda da racionalidade.
E, quando eu o vejo boicotando a
reforma tributária, do jeito que
ele está boicotando, realmente eu
fico pasmo, porque é claramente
uma decisão errada.
Folha - Qual é o boicote?
Mendonça de Barros - O governo vem boicotando a reforma tributária há dois ou três anos. E, no
Brasil, se o Executivo não assumir
a liderança de um processo de reforma, não se faz a reforma. A crítica e a cobrança que faço é que
não é possível que o Executivo,
que devia estar liderando esse
processo, sirva como empecilho.
Folha - Qual é a sua opinião
sobre a entrada de capitais e o
comportamento do dólar?
Mendonça de Barros - Tenho
medo de que a entrada de capital
seja grande demais e acabe valorizando o real. Aí vamos ter problemas nas exportações. Então acho
que o governo e o BC têm o desafio de não deixar isso acontecer.
Folha - Inflação?
Mendonça de Barros - Ano que
vem 6% ou 7%, ou seja, não vejo
inflação. Não tenho dúvida de que
o presidente termina o ano próximo com mais apoio do que hoje.
Folha - Poderia haver uma
aceleração de retomada do
crescimento, se houvesse outra
política econômica?
Mendonça de Barros - Acho
que política econômica é como
jogo de futebol americano. Tem
hora que tem um time para defender e hora que tem um time
para atacar. E o segredo é saber a
hora certa para pôr o time para
defender e a hora para atacar. Se
você trocar isso, dá uma bagunça
danada. Pode ser até a mesma
equipe, mas a agenda, as preocupações têm que mudar. E quais
são os grandes pontos de irracionalidade no Brasil? Taxa de juros,
oferta de crédito, a parte fiscal e o
mercado de trabalho que precisa
de uma mudança. A minha crítica
é que a agenda tem que ser mudada e não adianta o Malan dizer
que estou pregando a volta ao
passado, porque não é verdade.
Essa é apenas uma forma de desqualificar as minhas críticas.
Estamos perfeitamente de acordo sobre o equilíbrio fiscal, sobre
a política monetária estável, tudo
está ok. É preciso aumentar a
oferta de crédito, diminuir a taxa
de juros, tornar mais racional o
sistema de tributos e arejar o mercado de trabalho.
Folha - Quem é que defendia
câmbio fixo com juros altos?
Mendonça de Barros - Quem
formulou o Plano Real -o Pérsio
Arida, o André Lara e o Edmar
Bacha- não o executou. Quem
executou o Plano Real foram outras duas pessoas que não tinham
participado da formulação, Pedro
Malan e Gustavo Franco. Eles evidentemente tinham conversado
entre si. São amigos, colegas do
André, sabiam toda a lógica do
plano. Para enfrentar a inflação e
a indexação que tínhamos, era
preciso ter o mecanismo da URV
(Unidade Referencial de Valor,
indexador atrelado ao dólar) e o
câmbio fixo, durante um certo
tempo, para permitir que as pessoas tivessem uma noção de valor
da moeda e saíssem do overnight.
E que saíssem da URV e viessem
para o real.
"Se você vira uma
figura pública, perde sua privacidade. Não tenho equilíbrio para viver sem minha privacidade"
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Folha - E o que aconteceu?
Mendonça de Barros - O sucesso tão grande subiu à cabeça das
pessoas que estavam ali. Esqueceram que aquele instrumento de
câmbio fixo era passageiro. Eles
alegam que houve a crise do México. Após a estabilização, tinha
que passar para um sistema de
câmbio flutuante e isso não foi feito. Fiquei louco de tanto repetir
isso. Como havia uma oferta vasta
de recursos, foi fácil manter o
câmbio fixo valorizado. A sociedade se aproveitou disso, porque
as importações ficaram baratas,
era a maior farra. Isso, de certa
forma, impregnou-se politicamente dentro do governo. Mas
sempre houve um grupo de pessoas, e o mérito disso é do Serra e
do Beto (José Roberto Mendonça
de Barros), meu irmão, que alertavam para o perigo. O Serra cansou e foi cuidar da vida, e o Beto
ficou. Quando fui para lá, estava
nesse grupo. O presidente da República fez a escolha. Uma escolha que você não pode criticar,
porque o ministro da Fazenda,
Pedro Malan, e o presidente do
Banco Central, Gustavo Franco,
garantiam a ele que não havia
problema. E dois ou três chatos
diziam o contrário. Quando veio
a crise da Ásia, o presidente começou a entender o risco. Começou a preparar a transição, mas
esse processo demorou demais.
Folha - E aí?
Mendonça de Barros - Em função da crise da Rússia, decidiu-se
mudar o regime cambial, só que
aí havia uma crise internacional.
E nós dissemos: "Para mudar o
regime cambial agora, você tem
que fazer um acordo com o Fundo", porque não tínhamos mais
os mercados nos financiando.
Folha - Que tipo de acordo
iriam propor para o FMI?
Mendonça de Barros - Faríamos o acordo com o Fundo para
mudar o regime cambial. Isso era
o que estava combinado. Acontece que veio o grampo no BNDES e
as pessoas que estavam se preparando para fazer a transição saíram. O presidente da República
ficou sem a equipe que tinha e
manteve a política. Só que em janeiro estourou tudo e aí a mudança foi feita de forma atabalhoada.
Foi um problema seríssimo. Estamos hoje, graças a Deus, libertos
dessa amarra do câmbio fixo.
Folha - O sr. é vice-presidente
do PSDB. O que o partido deve
esperar das eleições municipais?
Mendonça de Barros - Pela primeira vez, temos um candidato
escolhido um ano antes das eleições, o vice-governador Geraldo
Alckmin. Um candidato que quer
ser candidato. Ele tem personalidade política correta para ser prefeito. É firme e sério, é médico, foi
deputado e foi prefeito em Pindamonhagaba. Tem experiência administrativa, o que é importante.
Um dos meus trabalhos é ajudar a
fazer o plano de governo dele.
Folha - Que qualidades deve
ter um bom prefeito?
Mendonça de Barros - O prefeito tem que estar junto da comunidade no sentido físico. Um prefeito, para mim, não pode usar terno
e gravata.Tem que estar de tênis,
calça jeans, andando pela rua. Levantar de madrugada para ir para
o ponto do ônibus para sentir a cidade. Tem que entender os problemas da comunidade. E não
pensar em política nacional ou internacional. A responsabilidade
dele é melhorar a qualidade de vida do paulistano. Como a cidade é
muito grande, para fazer isso ele
vai ter que mobilizar a sociedade
civil, empresários. Mas o prefeito
tem que ter uma agenda curta.
Folha - O sr. gostaria de ser
candidato à prefeitura?
Mendonça de Barros - Não.
Folha - O sr. fala dos problemas do país com paixão. Tem
vocação para a vida pública?
Mendonça de Barros - Não. Tenho uma dificuldade muito grande com a imprensa. Não tenho a
humildade necessária para exigir
que um jornalista me faça perguntas só inteligentes e corretas.
Além do que, a maioria dos jornalistas tem uma predisposição para
considerar que quem está no governo está lá para fazer alguma
coisa errada. Existe um preconceito. E, se você vira uma figura
pública, perde sua privacidade.
Não tenho equilíbrio para viver
sem minha privacidade. Ajudar
um candidato, ótimo. Mas ir para
dentro do governo, passar por todo esse bombardeio de novo, não.
Folha - Qual o seu hobby?
Mendonça de Barros - Ler.
Atualmente estou lendo todos os
livros de Manuel Castells, um sociólogo espanhol que escreve sobre a sociedade na Internet.
Folha - O que o sr. tem se
questionado?
Mendonça de Barros - Se eu faria tudo de novo. É uma pergunta
que eu me faço. Porque, no fundo,
saímos do setor privado, fomos
para lá, um trabalho infernal, longe da família, um esforço danado
para fazer a coisa direito e de repente você se envolve num turbilhão, começam a falar da sua honra. Mas sou realista. Política é isso. Se eu voltaria a fazer a mesma
coisa hoje? A resposta é não.
Folha - O que mais gosta e o
que mais detesta em si mesmo?
Mendonça de Barros - O que eu
mais gosto em mim é o entusiasmo de fazer as coisas e o que eu
mais detesto é que a minha língua
é solta demais.
Folha - O que gostaria de mudar no mundo?
Mendonça de Barros - Se eu
pudesse mudar o mundo, tornaria o socialismo possível.
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