São Paulo, sexta-feira, 27 de fevereiro de 2004

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POLÍTICA EXTERNA

Lula participa na Venezuela de reunião do G15; oposição a Chávez prepara protestos e critica visita dos estrangeiros

Presidente troca crise doméstica pela venezuelana

Fernando Araújo/AFP
Moradores de Belém obstruem acesso do aeroporto da cidade


ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL A CARACAS

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu do foco da crise interna para se meter na crise venezuelana. Ele tem duas reuniões hoje em Caracas que estão sendo rechaçadas pela oposição ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e podem alimentar novas e grandes manifestações de rua.
Uma das reuniões será com o próprio Chávez e com o presidente argentino, Néstor Kirchner, a partir das 10h (11h de Brasília). A outra, com o G15, grupo de 19 países em desenvolvimento que é visto com desprezo, ou "em extinção", pela imprensa e pelos governos de diferentes países. O tema é "energia e desenvolvimento".
A viagem de Lula neste momento está sendo criticada como "temerária" por parte do próprio governo brasileiro, que não quer a "colagem" da imagem do presidente brasileiro à de Chávez. O venezuelano faz uma espécie de cruzada contra os Estados Unidos e o neoliberalismo e está se isolando no cenário internacional.
Dos 19 países da América Latina, África, Ásia e Caribe que integram o G15, por exemplo, apenas 6, além da Venezuela, enviaram presidentes ou primeiros-ministros a Caracas: Zimbabwe, Jamaica, Irã, Colômbia, Brasil e Argentina. O da Colômbia, Alvaro Uribe, passará duas horas na cidade.

Cautela de Kirchner
Como comparação para Lula, Kirchner tomou três cuidados antes de aceitar participar tanto da conversa com Lula e Chávez quanto da reunião do G15: recusou o convite para uma visita de chefe de Estado em seguida, marcou reunião a sós com Lula e vai se encontrar ostensivamente com o principal líder da oposição venezuelana, Enrique Mendoza, governador do Estado de Miranda.
O argumento de Kirchner para declinar o convite da viagem presidencial foi pueril: o de que não poderia estar fora de Buenos Aires durante a reabertura dos trabalhos legislativos deste ano.
Já o motivo real é importante: o presidente da Argentina negocia com o FMI (Fundo Monetário Internacional) a rolagem de US$ 3,1 bilhões da dívida com vencimento em 9 de março.

Motivos de Lula
A explicação do Planalto e do Itamaraty para a viagem de Lula é que o presidente do principal país da América do Sul não pode simplesmente "abandonar" a Venezuela, que tem fortes negócios com o Brasil e que é grande produtor de petróleo do mundo.
Pelo sim, pelo não, o encontro Chávez-Lula-Kirchner só será aberto para fotos e imagens de TV, não para repórteres de texto e vídeo. Também não está prevista entrevista de Lula que, se falar, defenderá três princípios para a solução da crise venezuelana: que ela seja constitucional, pacífica, democrática e eleitoral. O último item inclui possibilidade de realização do "referendo revogatório" do mandato (Chávez rechaça).

"Manipulação"
Em documento assinado por dezenas de partidos, grupos e associações, a Coordenada Democrática, de oposição, advertiu os presidentes e representantes dos países previstos para as reuniões, inclusive o Brasil, que a crise é grave e que eles estão sendo usados politicamente por Chávez.
O embaixador do Brasil em Caracas, João Carlos Souza Gomes, fez gesto inédito: abriu a embaixada para que líderes de oposição entregassem o documento. Em nome do grupo, o deputado Carlos Ocariz, do partido Primeira Justiça, disse que Lula é "decisivo" para o desfecho da crise.
O presidente venezuelano, diz o documento, "pretende manipular as reuniões em Caracas como um ato de respaldo internacional a seu mandato". E acrescenta: "A crise pode gerar o caos e a violência além das fronteiras venezuelanas e se avizinha como ameaça à estabilidade de toda a região".
O motivo da atual crise é a decisão do CNE (Conselho Nacional Eleitoral) que mandou revisar entre 1,1 milhão e 1,5 milhão das 3,4 milhões de assinaturas pedindo um referendo para, na prática, abreviar o mandato de Chávez. Como o número mínimo exigido é de 2,4 milhões, o referendo pode não acontecer.
As manifestações já começaram ontem. Oposicionistas foram de porta em porta nas embaixadas dos países do G15 ou do Grupo de Amigos da Venezuela (Brasil, Chile, Espanha, Estados Unidos, México e Portugal). Hoje, devem se intensificar. Por esse motivo, Lula pode retornar ao Brasil hoje, em vez de no sábado.
O Grupo de Amigos divulgou ontem comunicado para pressionar o governo de Chávez a aceitar o referendo: "O Grupo de Amigos confia em que a verificação da autenticidade das assinaturas se fará com transparência, de maneira a que prevaleça a expressão da vontade dos eleitores". O CNE decidiu que será iniciada a contagem das assinaturas para verificar se há um número suficiente de eleitores que querem o referendo.


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