São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2005

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SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Tese de doutorado aprovada na USP mostra que brasileiros conviveram em "caldeirão de fogo"

Conquista de Monte Castello faz 60 anos

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Faz 60 anos, mas ainda dói, além de trazer boas lembranças -para os sobreviventes. Brasileiros e americanos participaram de um ataque no norte da Itália para desalojar os alemães de várias elevações que atrapalhariam avanços planejados para depois. A idéia era conquistar um "trampolim" para uma ofensiva geral na primavera e encerrar a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) na frente italiana, o que aconteceria em abril de 45.
Um pedaço do trampolim chamava-se Monte Castello e foi conquistado pelos brasileiros em 21 de fevereiro de 1945. Foi uma catarse, bem maior do que a própria importância militar do alvo. Pois meses antes os brasileiros tinham tentando tomar o monte mais de uma vez e falhado. O ataque ao monte nem terminou sendo a mais sangrenta batalha brasileira da guerra -a tomada da cidade de Montese em abril seria mais impactante-, mas certamente foi a mais simbólica.

Longe do alvo
O episódio foi retratado de maneira variada nestes 60 anos. Militares colocaram a conquista em um panteão, que durante o regime militar era invulnerável a críticas. Esquerdistas tentaram destruir o mito de 1945, com isso achando que atacariam os responsáveis por 1964; também erraram o alvo.
Dias atrás uma tese de doutorado aprovada na Universidade de São Paulo colocou a coisa no devido lugar. O historiador Cesar Campiani Maximiano mostrou que os brasileiros que subiram o morro em 21 de fevereiro de 1945 encontram um "caldeirão de fogo". Atacaram posições muito bem construídas e defendidas pelos alemães. Maximiano esteve lá e viu que ainda restam vestígios das bem preparadas posições alemãs. E até trouxe estilhaços de granada de suvenir.
Não havia ali muitos "tedescos", como o pessoal da Força Expedicionária Brasileira se referia ao inimigo. Eram dezenas, não centenas. Nem precisava. Bastava ter as excelentes metralhadoras MG-34 e MG-42 bem posicionadas. E também havia bom número de morteiros calibre 81 mm, uma verdadeira "mini-artilharia" de infantes.
Cerca de 1.200 brasileiros atacaram. "Sabendo-se que uma metralhadora alemã podia disparar até 1.200 tiros por minuto e que a cadência de tiro de um morteiro de 81mm é de cerca de 10 tiros por minuto, estes 1.200 soldados estavam sujeitos a receber até 18.000 tiros de metralhadora e 80 granadas de morteiro por minuto", afirma Maximiano.
O historiador cita a experiência de um soldado, Francisco Campello Salviano, durante o ataque: "Nós chegamos aqui perto de Monte Castello e tinha uma casamata, e tinha pedras. O tenente mandou o sargento Reinaldo, do 2º grupo, avançar. Eles avançaram, e quando chegou a poucos metros da casamata alemã, o sargento Reinaldo mandou metralhar a posição. Aí soltaram aquele Very Light. E o negócio: pá! Shhhhhh! O tenente mandou a gente ficar em posição. Aí eles jogaram uma granada e feriu um, nós pensamos que ele tinha morrido, o Washington, ele era até um paraibano".
Salviano sobreviveu: "Eu marquei um buraco de granada que tinha lá, e caí lá. Tinha um alemão morto. O bicho tava roxo. Eu tava com medo."
Logo atrás dele havia apoio de outros brasileiros. Romulo Flavio Machado França era cabo e tinha sob sua responsabilidade uma arma letal: o morteiro de calibre 81 mm, da versão aliada. Em um ataque como o de Monte Castello ele e seus companheiros tinham que transportar o morteiro o mais próximo possível do local de ataque da infantaria.

Morteiro
Um morteiro é basicamente um tubo sustentado por um bipé com uma "placa-base", um pedaço de metal sólido no qual a granada jogada dentro do tubo bate e é explosivamente lançada. Para tiros precisos, a "placa-base" tem que estar bem sólida no chão. Mas nas encostas do Monte Castello havia muita lama. Romulo e colegas tiveram também que colocar pedras na mochila para servir de sustentação à placa. E marchar com todo o peso na madrugada antes do ataque.
"Tinha que fazer, então vamos lá", diz este natural do Rio Grande do Norte que teve que cavar trincheira na neve da cadeia dos Apeninos. Ver morros cobertos de neve era assustador. "Tinha um que disse, olhando pros morros, "a gente não conquistou nenhum ainda e tem todos aqueles'" , lembra Romulo. Para azar dos brasileiros, o inverno de 44-45 foi um dos piores da década. "Sou de Natal (RN), acostumado a 28 graus, e fui lutar a 20 debaixo de zero", diz.
No ataque ao Castello o tempo era melhor, mas estavam tão próximos do inimigo que o tubo do morteiro estava quase na vertical. O resultado imediato do combate aparecia depois. Nos hospitais. "A gente trabalhava noite e dia, dia e noite, sem descanso", diz Bertha Morais, enfermeira brasileira trabalhando em hospital de campanha americano.


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