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São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 2003

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CELSO PINTO

Um teste para a política industrial

A indústria química responde por 13% do PIB industrial, é o segundo maior setor industrial do país, com 4.500 empresas, depois de alimentos e antes de petróleo e automóveis. Em 1990, o setor tinha um déficit comercial de US$ 1,2 bilhão; no ano passado, ele foi de US$ 6,3 bilhões, nas contas do setor. Nos próximos cinco anos, o déficit pode subir para algo entre US$ 16 bilhões e US$ 20 bilhões. Nos últimos cinco anos, a rentabilidade média foi de apenas 2,8%.
Por isso mesmo, o setor químico, junto com o eletroeletrônico, foi o exemplo citado em dez entre dez estudos feitos por economistas do PT, ou ligados a ele, como candidato preferencial a uma política industrial ativa, que turbine os investimentos e substitua importações. Um estudo do Iedi, instituto financiado pela indústria, prevê que o setor, que já ocupa 84% da capacidade instalada, chegue na casa crítica dos 90%, se for mantido algum crescimento dos mercados interno e externo.
Política industrial ativa e substituição de importações, contudo, são daquelas idéias consensuais do PT, antes da posse, que até agora não deram sinal de vida. Supõe-se que elas ainda estejam de pé, mas não em todos os ministérios. Na Fazenda, o secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa, é co-autor da "Agenda Perdida", onde se diz: "O tamanho do déficit comercial de um setor particular de forma alguma é um critério adequado para a adoção de políticas industriais". Está dito, ainda, que "no caso de setores intermediários, a adoção de proteção tarifária é negativa para os setores posteriores da cadeia produtiva". A agenda rejeita políticas que impliquem transferência de recursos a setores, subsídio e proteção, mas aplaude políticas "horizontais" de estímulo à tecnologia e à redução do custo Brasil.
Os empresários, é claro, estão se mexendo. O Iedi pediu ao presidente Lula um programa emergencial de US$ 10 bilhões para superar gargalos em setores básicos. O setor químico, por sua vez, encomendou à consultoria Booz-Allen, junto com a Abiquim, uma radiografia do setor e entregou ao ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, há duas semanas. O ministro prometeu designar um assessor para trabalhar na questão.
A principal conclusão do estudo é que, se nada mudar, em cinco anos o déficit externo químico pode chegar até a US$ 20 bilhões, as importações saltariam de 27% do consumo aparente para até 40%, os investimentos cairiam de 5% do faturamento para 2% a 3%. O Brasil é o nono maior produtor químico mundial, mas, com baixa rentabilidade e poucos investimentos, "progressivamente se verifica o sucateamento da indústria".
Por que simplesmente não importar? Guilherme Duque Estrada, vice-presidente executivo da Abiquim, lembra três razões: muitos insumos não são commodities e são difíceis de encontrar; nenhum país emergente importante prescinde de uma indústria de base forte; e não dá para jogar fora o enorme investimento já feito no setor. Ele admite que o critério do déficit comercial setorial pode ser mais bem discutido: muitos insumos químicos são exportados embutidos na produção agrícola, de sapatos, de veículos etc.
O que o setor químico pede, em parte, são políticas "horizontais": desoneração de exportações, redução do custo Brasil (capital, logística, infra-estrutura, tributação e processos ligados ao ambiente); desoneração das importações de tecnologia; estímulo a novos investimentos em energia elétrica.
Outras demandas são para o setor: 1) mudar a política de preços da Petrobras para a nafta (hoje é o preço internacional, mais transporte e internação); 2) usar médias móveis nos preços em dólar para reduzir a volatilidade; 3) mudar a precificação do gás da Bolívia; 4) dar acesso direto aos dutos do gás para grandes consumidores; 5) estabilizar a definição de preços da energia elétrica, considerando cada segmento; 6) ampliar investimentos em refino e em nafta; 7) fomento e financiamento de tecnologia para o setor.
Um pedido mais polêmico é para manter a proteção tarifária nas negociações de livre comércio da Alca. Cerca de 77% dos produtos químicos brasileiros já entram nos Estados Unidos com tarifa zero, enquanto os produtos químicos americanos pagam, no Mercosul, tarifa média de 8,8%. O setor quer manter tudo igual.
A agenda, como se vê, é ambiciosa e vai muito além dos domínios de Furlan. Se ela for cumprida, diz o estudo, em cinco anos os investimentos subiriam para 6% a 8% do faturamento, o déficit se estabilizaria entre US$ 6,1 bilhões e US$ 8,6 bilhões e as importações cairiam para 22% a 25% do consumo aparente. O setor sabe que é impossível levar tudo, mas será um bom teste para conferir a quantas anda a gana por política industrial dos petistas.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


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