São Paulo, Quinta-feira, 27 de Maio de 1999
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ARTIGO
Fitas lembram papéis do Pentágono

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
em São Paulo

Há 28 anos, a Suprema Corte dos EUA decidiu a favor do jornal "The New York Times" uma ação movida pelo diário contra o governo federal, que o havia impedido de publicar trechos de documentos secretos roubados do Departamento de Defesa por um funcionário.
O caso tem similaridades com o episódio da divulgação pela Folha, esta semana, de fitas gravadas ilegalmente durante o processo de privatização de companhias telefônicas no Brasil. A decisão da Suprema Corte é tida como um marco histórico de afirmação do princípio de liberdade de imprensa.
O advogado do jornal norte-americano em 71, James Goodale, revela em suas memórias que todos os colegas consultados por ele quando o diário resolveu publicar os "Documentos do Pentágono" o aconselharam a não ir adiante.
O raciocínio era que os documentos tinham sido classificados pelo Departamento de Defesa como ultra-secretos, haviam sido roubados de sua sede (o Pentágono) e a divulgação podia ser punida com base na Lei de Espionagem.
"Eu já vinha trabalhando no "Times" havia oito anos e tinha uma ligação muito grande com a redação. Foi o que me valeu para ajudar o jornal a tomar a decisão certa."
Goodale diz ter aconselhado o então "publisher" do "Times", Arthur Ochs Sulzberger, com esse argumento: "Nós não somos espiões; nós estamos fornecendo ao público informações relevantes sobre o país; esse procedimento está protegido pela Primeira Emenda (à Constituição dos EUA)".
Os documentos, feitos a partir de 1967 por ordem do secretário da Defesa, Robert McNamara, relatavam em detalhes a verdadeira história do envolvimento dos EUA nos conflitos do Sudeste da Ásia.
Daniel Ellsberg, que havia sido assessor do presidente Richard Nixon para assuntos daquela região e, depois, deslocado para o Pentágono, copiou longos trechos dos documentos e os levou ao "Times".
As partes escolhidas por Ellsberg relatavam em especial questões referentes aos bombardeios do Camboja executados pelo governo Nixon e demonstravam que o presidente havia mentido ao público norte-americano quando justificara sua decisão de realizá-los.
Apesar de a única opinião jurídica favorável à publicação ter sido a de Goodale, Sulzberger resolveu enfrentar os riscos. Disse que o público tinha direito de saber como o governo decidia o destino de milhares de soldados dos EUA.
No dia 13 de junho de 1971, o "Times" começou a publicar os que ficariam conhecidos na história como "Documentos do Pentágono".
O Departamento de Justiça da administração Nixon obteve de um juiz federal ordem para que os trechos programados para as edições seguintes fossem censurados.
Foi a única situação na história recente do país de censura prévia a jornais. Os documentos foram passados sucessivamente para os jornais "The Washington Post" e "The Los Angeles Times", que os publicaram até também serem impedidos pela Justiça dos EUA.
O "Times" entrou com recurso na Suprema Corte. O caso ganhou o nome "New York Times Co. v United States". O governo Nixon argumentava que só ele tinha poderes para decidir assuntos de segurança nacional. O jornal defendia a tese de que Nixon estava realizando censura política.
Em 30 de junho, a Suprema Corte resolveu que o "Times" tinha razão. O parecer do juiz Hugh Black afirmava que, "ao revelar as decisões do governo com relação à Guerra do Vietnã... (o "Times" e outros jornais) realizaram de maneira nobre o que os autores da Constituição haviam esperado (que a imprensa fizesse)".
Black afirmou ainda que "só uma imprensa livre e sem restrições pode de modo eficaz expor ao público a ocorrência de engodos no governo" e que o "Times" merecia elogio, não punição, por o ter feito.
O jornal ganhou o mais importante prêmio jornalístico dos EUA, o Pulitzer, pela publicação dos "Documentos do Pentágono", que ajudou a apressar a retirada militar dos EUA do sudeste da Ásia e iniciou o processo de desgaste público do governo de Richard Nixon.
Daniel Ellsberg, então com 40 anos de idade, foi processado pelo governo e chegou a ser indiciado pelo roubo dos documentos.
Mas a ação foi arquivada pela Justiça em 1973 depois de se ter comprovado que Nixon havia autorizado a invasão ilegal do escritório de Ellsberg para obter provas que a promotoria estava usando.
Ellsberg, que é psiquiatra, tornou-se militante do movimento pacifista desde o incidente.
Nixon foi obrigado a renunciar à Presidência dos EUA em 1974, quando seu processo de impeachment estava sendo julgado, sem possibilidade de êxito para ele, devido ao escândalo de Watergate (invasão da sede do partido de oposição, o Democrata, durante a campanha eleitoral de 1972, com o objetivo de obter documentos constrangedores para seu adversário, George McGovern).
O "Times" mantém sua posição de jornal de maior prestígio dos EUA e, possivelmente, do mundo.


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