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ARTIGO
Fitas lembram papéis do Pentágono
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
em São Paulo
Há 28 anos, a Suprema Corte dos
EUA decidiu a favor do jornal "The
New York Times" uma ação movida pelo diário contra o governo federal, que o havia impedido de publicar trechos de documentos secretos roubados do Departamento
de Defesa por um funcionário.
O caso tem similaridades com o
episódio da divulgação pela Folha,
esta semana, de fitas gravadas ilegalmente durante o processo de
privatização de companhias telefônicas no Brasil. A decisão da Suprema Corte é tida como um marco histórico de afirmação do princípio de liberdade de imprensa.
O advogado do jornal norte-americano em 71, James Goodale,
revela em suas memórias que todos os colegas consultados por ele
quando o diário resolveu publicar
os "Documentos do Pentágono" o
aconselharam a não ir adiante.
O raciocínio era que os documentos tinham sido classificados
pelo Departamento de Defesa como ultra-secretos, haviam sido
roubados de sua sede (o Pentágono) e a divulgação podia ser punida com base na Lei de Espionagem.
"Eu já vinha trabalhando no "Times" havia oito anos e tinha uma ligação muito grande com a redação. Foi o que me valeu para ajudar
o jornal a tomar a decisão certa."
Goodale diz ter aconselhado o
então "publisher" do "Times", Arthur Ochs Sulzberger, com esse argumento: "Nós não somos espiões;
nós estamos fornecendo ao público informações relevantes sobre o
país; esse procedimento está protegido pela Primeira Emenda (à
Constituição dos EUA)".
Os documentos, feitos a partir de
1967 por ordem do secretário da
Defesa, Robert McNamara, relatavam em detalhes a verdadeira história do envolvimento dos EUA
nos conflitos do Sudeste da Ásia.
Daniel Ellsberg, que havia sido
assessor do presidente Richard Nixon para assuntos daquela região
e, depois, deslocado para o Pentágono, copiou longos trechos dos
documentos e os levou ao "Times".
As partes escolhidas por Ellsberg
relatavam em especial questões referentes aos bombardeios do Camboja executados pelo governo Nixon e demonstravam que o presidente havia mentido ao público
norte-americano quando justificara sua decisão de realizá-los.
Apesar de a única opinião jurídica favorável à publicação ter sido a
de Goodale, Sulzberger resolveu
enfrentar os riscos. Disse que o público tinha direito de saber como o
governo decidia o destino de milhares de soldados dos EUA.
No dia 13 de junho de 1971, o "Times" começou a publicar os que ficariam conhecidos na história como "Documentos do Pentágono".
O Departamento de Justiça da
administração Nixon obteve de
um juiz federal ordem para que os
trechos programados para as edições seguintes fossem censurados.
Foi a única situação na história
recente do país de censura prévia a
jornais. Os documentos foram
passados sucessivamente para os
jornais "The Washington Post" e
"The Los Angeles Times", que os
publicaram até também serem impedidos pela Justiça dos EUA.
O "Times" entrou com recurso
na Suprema Corte. O caso ganhou
o nome "New York Times Co. v
United States". O governo Nixon
argumentava que só ele tinha poderes para decidir assuntos de segurança nacional. O jornal defendia a tese de que Nixon estava realizando censura política.
Em 30 de junho, a Suprema Corte
resolveu que o "Times" tinha razão. O parecer do juiz Hugh Black
afirmava que, "ao revelar as decisões do governo com relação à
Guerra do Vietnã... (o "Times" e outros jornais) realizaram de maneira nobre o que os autores da Constituição haviam esperado (que a
imprensa fizesse)".
Black afirmou ainda que "só uma
imprensa livre e sem restrições pode de modo eficaz expor ao público a ocorrência de engodos no governo" e que o "Times" merecia
elogio, não punição, por o ter feito.
O jornal ganhou o mais importante prêmio jornalístico dos EUA,
o Pulitzer, pela publicação dos
"Documentos do Pentágono", que
ajudou a apressar a retirada militar
dos EUA do sudeste da Ásia e iniciou o processo de desgaste público do governo de Richard Nixon.
Daniel Ellsberg, então com 40
anos de idade, foi processado pelo
governo e chegou a ser indiciado
pelo roubo dos documentos.
Mas a ação foi arquivada pela
Justiça em 1973 depois de se ter
comprovado que Nixon havia autorizado a invasão ilegal do escritório de Ellsberg para obter provas
que a promotoria estava usando.
Ellsberg, que é psiquiatra, tornou-se militante do movimento
pacifista desde o incidente.
Nixon foi obrigado a renunciar à
Presidência dos EUA em 1974,
quando seu processo de impeachment estava sendo julgado, sem
possibilidade de êxito para ele, devido ao escândalo de Watergate
(invasão da sede do partido de
oposição, o Democrata, durante a
campanha eleitoral de 1972, com o
objetivo de obter documentos
constrangedores para seu adversário, George McGovern).
O "Times" mantém sua posição
de jornal de maior prestígio dos
EUA e, possivelmente, do mundo.
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