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REGIME MILITAR
Perito da USP afirma que disparo que matou Iara Iavelberg em 1971 pode ter sido feito a longa distância
Suicídio de mulher de Lamarca é improvável, diz laudo
DA REPORTAGEM LOCAL
Laudo pericial concluído em 16
de maio deste ano põe em xeque a
versão do regime militar para a
morte da psicóloga Iara Iavelberg,
mulher do guerrilheiro Carlos Lamarca, do MR-8. Iara morreu em
20 de agosto de 1971, num dos períodos de maior repressão à luta
armada no país, após a polícia invadir o apartamento em que ela
estava, em Salvador (BA).
Pela versão oficial, Iara, aos 27
anos, teria se matado com um tiro
no peito quando os policiais invadiram o local. Carlos Lamarca foi
morto no mês seguinte, em 17 de
setembro, também na Bahia.
Assinado pelo médico Daniel
Romero Muñoz, perito da USP
(Universidade de São Paulo), o
laudo conclui que "é improvável
que a morte de Iara Iavelberg tenha ocorrido por suicídio".
Muñoz foi designado pela Justiça para fazer o trabalho, após a
exumação do corpo de Iara ser
autorizada em 2003. Além de tentar provar que Iara não cometeu
suicídio, familiares da guerrilheira queriam mudar a forma como
ela foi enterrada no Cemitério Israelita do Butantã, em São Paulo.
Pela tradição judaica, por supostamente ter se suicidado, a
guerrilheira foi sepultada "com
desonras", numa ala separada do
cemitério e com os pés, ao invés
da cabeça, próximos à lápide.
"Suicídio?"
Além de dados obtidos com a
exumação do corpo de Iara em
2003, Muñoz utilizou como base
de seu trabalho o rascunho do
laudo sobre a morte feito na época pelo médico-legista Charles
Pittex -o laudo oficial nunca foi
encontrado-, fotos de Iara feitas
no necrotério e simulações do disparo, para ter amostras do resultado de uma lesão à queima-roupa, como ocorre no caso de suicídio, e a curta e média distâncias.
"A lesão de entrada [da bala]
constatada pelo médico-legista
no corpo de Iara Iavelberg mostra
características diversas das dos tiros suicidas, fato que o fez interrogar a informação de suicídio que
lhe foi fornecida pelo Distrito Policial", anota o perito da USP, citando a observação feita por Pittex, que questionava: "suicídio?".
Mais adiante, em seu laudo, o
perito da USP afirma que "as características da lesão de entrada
[da bala], descritas pelo médico-legista, são compatíveis com um
tiro de longa distância, uma vez
que não apresenta nenhuma outra zona de contorno, o que descartaria a hipótese de suicídio".
Vitória
"O importante, para nós, é que
conseguimos fazer a exumação",
afirmou ontem o irmão de Iara, o
jornalista Samuel Iavelberg, 60.
Ele chegou a comparar o enterro
da irmã a uma "operação militar",
porque o caixão chegou lacrado
ao cemitério. Não foram permitidas cerimônias tradicionais, como a lavagem do corpo.
A "batalha" de Samuel e de seus
pais, David e Eva, para mudar a
forma de sepultamento de Iara se
iniciou em 1996, quando novas
testemunhas passaram a questionar a versão oficial da morte da
guerrilheira. Em agosto daquele
ano, por exemplo, o médico Lamartine Lima disse ter ouvido do
militar Rubem Otero a confissão
de que ele teria matado Iara.
Após pedir sem sucesso a exumação à Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo, os familiares
da guerrilheira foram à Justiça.
Dirigentes da entidade sempre foram contra o procedimento, alegando que exumá-la seria contra
a religião judaica, pois o corpo, sagrado, não pode ser violado.
Em novembro de 2002, o Tribunal de Justiça do Estado determinou a exumação, ocorrida no ano
seguinte. "Ela [Iara] não vai ser
enterrada lá nunca mais, fosse
qual fosse o resultado do laudo",
afirmou Samuel, referindo-se ao
local reservado aos suicidas do
Cemitério Israelita do Butantã.
Os pais de Samuel morreram
antes do resultado do laudo. Agora, o irmão da guerrilheira quer
sepultá-la ao lado deles, no mesmo cemitério. "Se me impedirem
de enterrá-la ao lado dos meus
pais, vamos encontrar uma solução em outro lugar", afirmou ele.
A Comissão Especial de Mortos
e Desaparecidos durante o regime
militar já concedeu o direito de
indenização a familiares de Iara
ao reconhecer a responsabilidade
do Estado em sua morte. Samuel
afirmou que, quando a indenização sair, irá doar o dinheiro.
(CONRADO CORSALETTE)
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