São Paulo, segunda-feira, 27 de junho de 2005

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REGIME MILITAR

Perito da USP afirma que disparo que matou Iara Iavelberg em 1971 pode ter sido feito a longa distância

Suicídio de mulher de Lamarca é improvável, diz laudo

DA REPORTAGEM LOCAL

Laudo pericial concluído em 16 de maio deste ano põe em xeque a versão do regime militar para a morte da psicóloga Iara Iavelberg, mulher do guerrilheiro Carlos Lamarca, do MR-8. Iara morreu em 20 de agosto de 1971, num dos períodos de maior repressão à luta armada no país, após a polícia invadir o apartamento em que ela estava, em Salvador (BA).
Pela versão oficial, Iara, aos 27 anos, teria se matado com um tiro no peito quando os policiais invadiram o local. Carlos Lamarca foi morto no mês seguinte, em 17 de setembro, também na Bahia.
Assinado pelo médico Daniel Romero Muñoz, perito da USP (Universidade de São Paulo), o laudo conclui que "é improvável que a morte de Iara Iavelberg tenha ocorrido por suicídio".
Muñoz foi designado pela Justiça para fazer o trabalho, após a exumação do corpo de Iara ser autorizada em 2003. Além de tentar provar que Iara não cometeu suicídio, familiares da guerrilheira queriam mudar a forma como ela foi enterrada no Cemitério Israelita do Butantã, em São Paulo.
Pela tradição judaica, por supostamente ter se suicidado, a guerrilheira foi sepultada "com desonras", numa ala separada do cemitério e com os pés, ao invés da cabeça, próximos à lápide.

"Suicídio?"
Além de dados obtidos com a exumação do corpo de Iara em 2003, Muñoz utilizou como base de seu trabalho o rascunho do laudo sobre a morte feito na época pelo médico-legista Charles Pittex -o laudo oficial nunca foi encontrado-, fotos de Iara feitas no necrotério e simulações do disparo, para ter amostras do resultado de uma lesão à queima-roupa, como ocorre no caso de suicídio, e a curta e média distâncias.
"A lesão de entrada [da bala] constatada pelo médico-legista no corpo de Iara Iavelberg mostra características diversas das dos tiros suicidas, fato que o fez interrogar a informação de suicídio que lhe foi fornecida pelo Distrito Policial", anota o perito da USP, citando a observação feita por Pittex, que questionava: "suicídio?".
Mais adiante, em seu laudo, o perito da USP afirma que "as características da lesão de entrada [da bala], descritas pelo médico-legista, são compatíveis com um tiro de longa distância, uma vez que não apresenta nenhuma outra zona de contorno, o que descartaria a hipótese de suicídio".

Vitória
"O importante, para nós, é que conseguimos fazer a exumação", afirmou ontem o irmão de Iara, o jornalista Samuel Iavelberg, 60. Ele chegou a comparar o enterro da irmã a uma "operação militar", porque o caixão chegou lacrado ao cemitério. Não foram permitidas cerimônias tradicionais, como a lavagem do corpo.
A "batalha" de Samuel e de seus pais, David e Eva, para mudar a forma de sepultamento de Iara se iniciou em 1996, quando novas testemunhas passaram a questionar a versão oficial da morte da guerrilheira. Em agosto daquele ano, por exemplo, o médico Lamartine Lima disse ter ouvido do militar Rubem Otero a confissão de que ele teria matado Iara.
Após pedir sem sucesso a exumação à Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo, os familiares da guerrilheira foram à Justiça. Dirigentes da entidade sempre foram contra o procedimento, alegando que exumá-la seria contra a religião judaica, pois o corpo, sagrado, não pode ser violado.
Em novembro de 2002, o Tribunal de Justiça do Estado determinou a exumação, ocorrida no ano seguinte. "Ela [Iara] não vai ser enterrada lá nunca mais, fosse qual fosse o resultado do laudo", afirmou Samuel, referindo-se ao local reservado aos suicidas do Cemitério Israelita do Butantã.
Os pais de Samuel morreram antes do resultado do laudo. Agora, o irmão da guerrilheira quer sepultá-la ao lado deles, no mesmo cemitério. "Se me impedirem de enterrá-la ao lado dos meus pais, vamos encontrar uma solução em outro lugar", afirmou ele.
A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos durante o regime militar já concedeu o direito de indenização a familiares de Iara ao reconhecer a responsabilidade do Estado em sua morte. Samuel afirmou que, quando a indenização sair, irá doar o dinheiro.
(CONRADO CORSALETTE)

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