São Paulo, segunda, 27 de julho de 1998

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ENTREVISTA DA 2ª
Desafio da Anatel é conter "gigantes", diz empresário

ANTONIO CARLOS SEIDL
da Reportagem Local

A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) está indo bem, mas depois da privatização vai enfrentar um mundo diferente: terá de ser muito forte para arbitrar "conflitos entre os gigantes da telefonia internacional".
A advertência foi feita por Luis Cuza, presidente do comitê de telecomunicações da Câmara Americana de Comércio de São Paulo, em entrevista à Folha.
'À Anatel tem de estar preparada para contrariar os interesses dos pesos-pesados das telecomunicações".
Cuza disse que o maior desafio da Anatel será evitar abusos, tais como aumento de preços, redução de serviços e adoção de tecnologias incompatíveis entre regiões, durante o período de monopólio privado na telefonia fixa.
A Anatel prevê que as novas concorrentes, chamadas de empresas-espelho, das empresas privatizadas de telefonia fixa -Telesp, Tele Centro Sul, Tele Norte Leste e Embratel- vão estar em operação antes de junho do ano que vem.
Cuza, porém, não acredita nisso: "Serão necessários de um a dois anos, no mínimo".
A seguir, trechos da entrevista.

Folha - Qual é a avaliação que o sr. faz do modelo de privatização das telecomunicações no Brasil?
Luis Cuza -
O modelo é muito positivo. O governo está fazendo tudo para assegurar o desenvolvimento da infra-estrutura de telecomunicações do país, enfatizando a qualidade dos serviços e a competição a um custo mais baixo para as empresas e os cidadãos brasileiros.
Folha - A Anatel tem os meios para garantir a prestação de bons serviços a preços justos aos consumidores?
Cuza -
A agencia é nova. Só tem oito meses. Considerando esse tempo está fazendo um trabalho fantástico, mas ainda tem muitos desafios pela frente.
Folha - Estamos passando de um monopólio estatal para um monopólio privado na telefonia fixa?
Cuza -
Teremos um monopólio privado por um tempo, desde a entrada em operação da Telesp, Tele Centro Sul, Tele Norte Leste e Embratel até o lançamento das empresas-espelho nessas áreas. E ainda com essas empresas, que, em teoria é a competição, vai levar um bom tempo até que haja, da fato, competição nesses mercados.
Folha - Por quê?
Cuza -
Porque leva tempo para que as empresas-espelho, saindo do nada, possam levar ao mercado uma competição adequada. Um dia depois do leilão, portanto, dia 30 de julho, a Anatel vai publicar o edital de consulta pública para o estabelecimento dessas empresas.
O processo de recebimento de sugestões vai levar de dois a três meses. O governo espera dar a concessão em outubro para as empresas-espelho. Mas, na área da Telesp, por exemplo, uma empresa dessas não estará operando dentro de dois a três meses. É impossível.
Folha - Quanto tempo será necessário para a espelho da Telesp funcionar?
Cuza -
De um a dois anos, no mínimo. E, de início, vai começar em áreas restritas, tais como cidades grandes e nos mercados mais atrativos. De 1998 a 2001, a Anatel tem o desafio de assegurar que os preços e a qualidade desse quase monopólio privado funcione bem e não funcione contra a competição.
Folha - A Anatel está preparada para enfrentar esse desafio?
Cuza -
Esse é o maior desafio, mas há outros.
Folha - Quais?
Cuza -
A questão dos padrões tecnológicos. O mercado terá a participação de empresas norte-americanas, européias e brasileiras. A Anatel terá de tomar certas decisões para assegurar o crescimento das redes de telecomunicações com um padrão único compatível em todo o país.
Há também muito desafios sobre impostos. Essa situação de cobrança de ICMS para a habilitação de celular pode ser uma situação única ou o princípio do caos.
A Anatel terá de convencer o Congresso a impedir o agravamento do custo Brasil.
Folha - E a questão dos padrões tecnológicos?
Cuza -
A Anatel precisa assegurar padrões que beneficiem o cidadão. Não deve entrar em questões tecnológicas, mas precisa ter normas para assegurar que uma nova tecnologia não atrapalhe o consumidor.
Folha - O que o consumidor pode esperar da privatização?
Cuza -
As mudanças visíveis já são significativas. Há três anos, o consumidor tinha de pagar até R$ 5 mil para comprar, no mercado paralelo, um telefone fixo. Esse mundo já não volta. Em menos de um ou dois anos ter uma linha de telefone e um celular será questão de um dia ou dois.
Os custos de acesso à Internet continuam baixando e os serviços são de melhor qualidade. Para o cidadão e para as empresas brasileiras e estrangeiras operando no Brasil, o futuro é muito positivo no setor de telecomunicações.
Folha - Nenhum obstáculo no caminho?
Cuza -
Acho que o futuro, em geral, vai ser muito positivo, mas é preciso que a Anatel se mantenha forte, transparente e profissional. A Anatel tem de ser o centro para a resolução das divergências entre fabricantes, usuários e operadores.
Folha - O sr. tem alguma crítica ao modelo da Anatel?
Cuza -
É bom lembrar que a Anatel só tem oito meses. Está indo bem, mas só tem oito meses. Depois da privatização vai ser um mundo diferente.Vai haver muitos conflitos.
Folha - Que tipo de conflitos?
Cuza -
Conflitos entre os gigantes da telefonia internacional. A meta da Anatel é assegurar serviços de alta qualidade para os cidadãos e as empresas brasileiras com alternativas para a competição. A Anatel tem que manter essa posição bem forte. E não vai ser fácil.
Folha - E quanto à questão política. O PT diz que, se eleito desfaz as privatizações. Qual é o reflexo disso no investidor estrangeiro?
Cuza -
A imprensa norte-americana falou muito dessa possibilidade. Certas empresas têm receio de investir no Brasil por causa disso, mas grandes empresas que conhecem bem o Brasil acham que ganhe Luiz Inácio Lula da Silva ou o presidente Fernando Henrique, o processo de modernização da infra-estrutura de telecomunicações não vai parar porque o cidadão brasileiro não quer voltar a pagar R$ 5 mil por um telefone ou ficar dois anos na espera de uma linha no mercado oficial..
Folha - Qual é a sua expectativa de ágio no leilão de quarta-feira?
Cuza -
O preço mínimo da parte do governo é de R$ 13,4 bilhões, mas o leilão deve alcançar R$ 20 bilhões.
Folha - O resultado do leilão pode ser a desnacionalização do setor de telecomunicações?
Cuza -
O ponto-chave é o controle do mercado pela Anatel. A agência reguladora do setor de telecomunicações, seja no Brasil, nos EUA ou no Reino Unido, precisa controlar o mercado, garantindo a qualidade dos serviços e preços justos.



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