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JANIO DE FREITAS
Programa de perguntas
Ao acidente na base de Alcântara segue-se outra explosão: a dos despropósitos nas
discussões motivadas pelo próprio acidente. Seria extraordinário se as discussões não ficassem
girando em torno do problema
de verbas, sem avanço em direção alguma, e como se nada mais
merecesse ser considerado.
A mesma ligeireza com que o
ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, atribuiu o
acidente ao corte de verbas, feito
pelo governo anterior no Programa Aeroespacial, foi utilizada
por Luiz Inácio Lula da Silva para contestá-lo, lá do Peru, com
três argumentos conjugados.
Os acidentes da Nasa não escapariam de uma citação, como se
explicassem alguma coisa fora
da própria Nasa. Em seguida, a
explosão de Alcântara se justificaria porque "acidentes acontecem quando se está lidando com
tecnologias sofisticadas". Não se
sabe, no entanto, de forçosa relação de causa e efeito entre sofisticação tecnológica e acidentes,
sendo fácil demonstrar o oposto
até com exemplos tão óbvios como o da aviação e o dos nossos
carros. E o argumento aparentemente definitivo: "Pode não haver recursos para o futuro, mas o
foguete já estava pronto". Se estava pronto, não foi por falta de
verba que explodiu.
Talvez seja assim, mas não é
provável. O foguete adotava tecnologia primária, em comparação mesmo com níveis apenas
médios de desenvolvimento aeroespacial. Se não fossem tão cortadas as verbas do programa, o
foguete poderia ter tecnologia
mais desenvolvida, por exemplo
para abandonar o combustível
sólido que é tido como fator de
risco maior. Talvez fosse assim,
mas não é certo. Porque outros
fatores estariam em jogo, como a
necessidade de especialistas científicos e técnicos em nível e número, tudo indica, maior do que
o disponível.
O acidente de Alcântara suscita muitas perguntas de resposta
difícil, senão impossível. Não é o
mesmo que o problema de verbas
cortadas para saneamento, saúde, educação -ou o Fome Zero.
E suscita outras perguntas que
podem não ser fáceis, mas são
respondíveis. E, para isso, não
exigem mais do que seriedade,
isenção e o que chamam de espírito cívico.
Nessas perguntas, sim, está o
que discutir. Já várias opiniões se
insurgiram, inclusive com certa
grosseria, contra os que indagam
se não haveria melhor finalidade
para as verbas postas em programas como o aeroespacial. Em
país com as carências desumanas que o Brasil ostenta, tal indagação tem cabimento, sim. Em
certos casos, é mesmo necessária.
A quantas vai, se vai ainda, o
programa do submarino nuclear
brasileiro, do qual se sabe tanto
quanto se sabe da utilidade que
um tal submarino teria? E o Centro Nuclear da Marinha em Iperó, São Paulo, sobre cuja existência baixou o mistério ou o esquecimento injustificável?
Alcântara pode ser um fator de
desenvolvimento científico e de
faturamento, sem que seja necessário, para isso, deixar-se de discutir o Programa Aeroespacial.
As hipóteses são inúmeras. Com
a melhor localização mundial
para lançamento de foguetes, pode permutar sua utilização estrangeira por informação tecnocientífica. E pode render muito
com a prestação de seus serviços,
desde que não seja sob as condições colonizadoras que os Estados Unidos exigem. Nisso tudo, a
compra ou permuta de espaço
em foguetes alheios, para os satélites brasileiros, é uma possibilidade interessante, sem exigir sacrifícios para um programa aeroespacial que o Brasil não tenha
condições de desenvolver no nível, no ritmo e no custo que o justifiquem como investimento nacional.
Quando baixarem as cinzas de
Alcântara, o programa que deve
começar é o de perguntas. E não
limitado à área militar ou a sua
associação com cientistas interessados.
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