São Paulo, quarta-feira, 27 de setembro de 2000

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PERFIL DO CANDIDATO
Vice de Covas tem características de personalidade opostas às do governador, integra família de político lendário e homenageou, quando prefeito, a organização religiosa de direita Opus Dei, a pedido do pai
Alckmin é candidato que não diz não

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1972, quando cursava o 2º ano de medicina em Taubaté, Geraldo Alckmin foi apresentado ao mundo que o tiraria da modorrenta Pindamonhangaba.
"Quer entrar no MDB?", perguntou seu colega de classe José Antonio Bettoni.
"Mas meu pai é da UDN...", teria respondido Alckmin, 19, segundo as lembranças de Bettoni.
UDN (União Democrática Nacional) e MDB (Movimento Democrático Brasileiro) nunca conviveram, mas eram antípodas políticos -a primeira havia conspirado com os militares em 1964 e tinha sido extinta no ano seguinte; o segundo fora criado a partir de decreto dos mesmos militares para dar uma aparência democrática ao regime e se opor ao oficialismo da Arena. Mesmo assim, Alckmin acabou assinando a ficha de filiação ao MDB no dia 14 de agosto de 1972.
"É que o Geraldo não sabe dizer não", diz Paulo de Andrade, 63, presidente do MDB na cidade àquela época e padrinho político de Alckmin -lançou-o candidato a vereador em 1972. Crítica semelhante é dirigida ao presidente Fernando Henrique Cardoso, nos bastidores de Brasília.
Junte esse atributo à imagem de bom rapaz construída por Alckmin e é possível entender por que ele tornou-se a esperança dos tucanos de sepultar uma série histórica de reveses na disputa pela Prefeitura de São Paulo.

O ASFALTADOR
O "sim" ao MDB levou Alckmin ao primeiro cargo eletivo -o de vereador em Pindamonhangaba, a 140 km de São Paulo.
Alckmin costuma contar que, nessa eleição, disputada quando tinha 19 anos, obteve 1.447 votos (pouco mais de 10% do total), um recorde jamais alcançado, porque era popular entre os estudantes da cidade. É fato. Ele dava aulas num curso de madureza e, após o expediente, ficava na escola para resolver dúvidas dos estudantes.
Há, porém, outras razões para a votação, segundo Andrade: um tio de Alckmin, chamado José Geraldo Rodrigues Alckmin (1915-1978), acabara de ser nomeado ministro do STF em 1972 e transferiu prestígio para o sobrinho.
A outra razão era histórica. Geraldo é sobrinho-neto do folclórico político mineiro José Maria Alkmin (1901-1974), que fora ministro da Fazenda de Juscelino Kubistschek (1956-1958) e vice do presidente Castello Branco (1964-1967). "Ter um Alckmin no MDB era um trunfo", diz Andrade.
Alckmin se beneficiaria dos efeitos do "milagre econômico" ao ser eleito prefeito de Pindamonhangaba, em 1976. A cidade, cuja economia era baseada na agricultura, sofreu uma guinada industrial. "Nós mudamos a história de Pinda. Trouxemos 11 grandes indústrias, entre elas a Villares e a Alcan. O Geraldo veio nesse vácuo", conta João Bosco, 57, que ocupou a prefeitura antes de Alckmin, de 1973 a 1976. De 1970 a 1980, a população da cidade passou de 48.653 a 70.574 habitantes.
O resultado do "milagre" podia ser visto nas ruas de Pindamonhangaba. Ao final da sua gestão, em 1982, 200 ruas haviam sido pavimentadas; até então, a cidade contava com 30 ruas asfaltadas.
À época, ninguém considerou nepotismo o fato de Alckmin ter nomeado o pai como chefe de gabinete na prefeitura. Veterinário, Geraldo José Rodrigues Alckmin era um assombro para os padrões de Pindamonhangaba. "Ele conhecia escolástica e santo Tomás de Aquino como ninguém na cidade. Um crânio", lembra Bosco.
Geraldo, o pai, havia adquirido o perfil erudito numa organização católica da qual fazia parte, a Opus Dei. Criada em 1928, a Opus Dei tem um viés político de direita -na Espanha, apoiou a ditadura de Francisco Franco.
Em 1978, no cinquentenário da Opus Dei, o pai de Geraldo pediu ao filho que batizasse com o nome do fundador da organização uma das ruas de Pindamonhangaba: Josemaría Escrivá de Balaguer y Albas (1902-1975). Assim foi feito.
Geraldo, o filho, mantém a tradição paterna: é católico e vai à missa todo domingo.
Alckmin venerava o pai, mas não permitiu que ele diminuísse a jornada de trabalho na prefeitura sem a equivalente perda salarial. "O Geraldo reduziu o salário do pai pela metade quando ele pediu para trabalhar só meio expediente", afirma o ministro tucano Paulo Renato Souza (Educação).
A fama de realizador de Alckmin, aliada à pouca idade (foi eleito prefeito com 24 anos), correu pelo Vale do Paraíba. Causava espécie em Pindamonhangaba que, aos 27 anos, já tivesse concluído o curso de especialização em anestesiologia, no Hospital do Servidor Público em São Paulo.

PELO CONSUMIDOR
Foi com esse currículo que Alckmin deixou a Prefeitura de Pindamonhangaba seis meses antes do final do mandato para se candidatar a deputado estadual.
Eleito em 1982 com 96.232 votos, não deixou marcas na sua passagem pela Assembléia.
No Congresso Constituinte foi diferente. Vice-líder da bancada do PMDB, Alckmin começou seu mandato em 1987 com uma proposta que visava aumentar a representação parlamentar de São Paulo. Precisava colher 30 mil assinaturas para a apresentar a emenda, mas foi um fiasco.
Alckmin teria mais sucesso com duas outras propostas apresentadas ao Congresso Constituinte: o primeiro projeto do Código de Defesa do Consumidor e a lei sobre doação e transplante de órgãos, da qual foi relator. Na Constituinte, defendeu um mandato de quatro anos para o ex-presidente José Sarney, votou a favor da reforma agrária e contra a licença-paternidade. Acabou com média 7, na avaliação do Diap (Departamento Intersindical de Assuntos Parlamentares). O Diap elencou uma série de pontos constitucionais que classificou como de interesse dos trabalhadores e deu nota aos parlamentares de 0 a 10. A avaliação máxima era atribuída àqueles que votaram a favor de todas essas emendas.
A ascensão de Alckmin no PSDB não se deve só às suas qualidades parlamentares. Ele é considerado um articulador hábil, "às vezes lembra até o Tancredo Neves", como diz Paulo de Andrade.

Na eleição para a presidência do PSDB, em 1991, derrotou a deputada Zulaiê Cobra e fez o candidato patrocinado pelo então senador Fernando Henrique Cardoso desistir -era Sérgio Motta.
Foi como presidente estadual do PSDB, cargo que ocupou entre 1991 e 1994, que Alckmin deu seu pulo do gato. Segundo um deputado federal do PSDB, ele repetiu a estratégia que Orestes Quércia adotara para controlar o PMDB -saiu pelo interior fundando diretórios e arrebanhando aliados.
A empreitada deu certo. Em 1994, Alckmin foi escolhido pelo PSDB para ser candidato a vice-governador de Mário Covas. A cúpula tucana preferia Walter Barelli. No quesito personalidade, Covas e Alckmin compõem uma espécie de versão política da dupla o Gordo e o Magro.
São opostos em tudo. Covas é vulcânico, sanguíneo, estourado; Alckmin é frio, metódico, silencioso. Mais de uma vez Covas perdeu a paciência com o modo de Alckmin conduzir o plano de privatizações, segundo dois integrantes do programa. Queria decisões, e Alckmin oferecia ponderações. Ao final, o vice conseguiu obter cerca de R$ 16 bilhões com vendas de empresas públicas, transferências e concessões.
Alckmin deixou o programa de privatização com uma única acusação contra ele: teria sido informado de que a licitação para a concessão de cinco estradas poderia estar sendo fraudada, e não fez nada, segundo Celson Ferrari, diretor da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A). Alckmin argumenta que a acusação é vazia, que não foi informado da suspeita, não caberia a ele controlar as licitações e que tudo foi regular.
Em Pindamonhangaba, a oposição acusa Alckmin de "sustentar um coronel retrógrado na prefeitura", como diz Bettoni, hoje candidato a prefeito pelo PFL.
O aliado de Alckmin na cidade, o prefeito Vito Ardito Lerário (PSDB), responde a uma ação por improbidade administrativa. É acusado de pagar preço de primeira por tubos de concreto de segunda, causando um suposto prejuízo de R$ 10 milhões à prefeitura. O processo está no Superior Tribunal de Justiça.
As acusações nem arranham a imagem de Alckmin. "As palavras do padre e as do Geraldo são lei aqui em Pinda", diz Andrade.
Isso ocorreria por causa da imagem que Alckmin moldou para si, segundo Bettoni. "Ele construiu essa imagem de bom moço porque não discute, não dá a cara para bater. Ele ganha votos com isso, mas peca pela omissão", diz o ex-amigo de faculdade.
Foi essa imagem que entusiasmou a cúpula do PSDB na eleição deste ano. Depois de ter ficado em terceiro lugar na disputa para a prefeitura paulistana em 1996, quando José Serra era candidato, os tucanos vislumbraram que haviam mudado de patamar com a disparada de Alckmin. Em abril, ele tinha apenas 3% das intenções de voto e, cinco meses depois, alcançara 16% -seu ápice na campanha, segundo o Datafolha, registrado no dia 1º de setembro.
O mérito do candidato nesse salto não é relevante, segundo Renato Janine Ribeiro, professor de ética e filosofia política na USP.
"O Alckmin simplesmente alcançou a votação tucana", diz Janine Ribeiro. Ele 1996, Serra obteve 14,5% do total de votos.
Ele atingiu esse patamar porque adotou o discurso típico dos tucanos: o da racionalidade. Por isso a pregação na TV de que ele tem "a cabeça no lugar", de que vai dar um "não à bagunça", ataques velados aos adversários. É um modo "prosaico" de fazer política, classifica Janine Ribeiro.
"O PSDB é o partido do prosaico, da seriedade, do esvaziamento da carga afetiva na política. Os tucanos imaginam que onde o afeto pulsa não há democracia. A frieza do Alckmin tem a ver com isso", diz o professor da USP.
Onde Janine Ribeiro vê problemas, Paulo Renato vê qualidades: "Seja qual for o resultado, o PSDB sai renovado destas eleições. E o Geraldo sai com estatura para ser qualquer coisa no Estado".



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