|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PERFIL DO CANDIDATO
Vice de Covas tem características de personalidade opostas às do governador, integra família de político lendário e homenageou, quando prefeito, a organização religiosa de direita Opus Dei, a pedido do pai
Alckmin é candidato que não diz não
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Em 1972, quando cursava o 2º
ano de medicina em Taubaté, Geraldo Alckmin foi apresentado ao
mundo que o tiraria da modorrenta Pindamonhangaba.
"Quer entrar no MDB?", perguntou seu colega de classe José
Antonio Bettoni.
"Mas meu pai é da UDN...", teria respondido Alckmin, 19, segundo as lembranças de Bettoni.
UDN (União Democrática Nacional) e MDB (Movimento Democrático Brasileiro) nunca conviveram, mas eram antípodas políticos -a primeira havia conspirado com os militares em 1964 e
tinha sido extinta no ano seguinte; o segundo fora criado a partir
de decreto dos mesmos militares
para dar uma aparência democrática ao regime e se opor ao oficialismo da Arena. Mesmo assim,
Alckmin acabou assinando a ficha de filiação ao MDB no dia 14
de agosto de 1972.
"É que o Geraldo não sabe dizer
não", diz Paulo de Andrade, 63,
presidente do MDB na cidade
àquela época e padrinho político
de Alckmin -lançou-o candidato a vereador em 1972. Crítica semelhante é dirigida ao presidente
Fernando Henrique Cardoso, nos
bastidores de Brasília.
Junte esse atributo à imagem de
bom rapaz construída por Alckmin e é possível entender por que
ele tornou-se a esperança dos tucanos de sepultar uma série histórica de reveses na disputa pela
Prefeitura de São Paulo.
O ASFALTADOR
O "sim" ao MDB levou Alckmin
ao primeiro cargo eletivo -o de
vereador em Pindamonhangaba,
a 140 km de São Paulo.
Alckmin costuma contar que,
nessa eleição, disputada quando
tinha 19 anos, obteve 1.447 votos
(pouco mais de 10% do total), um
recorde jamais alcançado, porque
era popular entre os estudantes da
cidade. É fato. Ele dava aulas num
curso de madureza e, após o expediente, ficava na escola para resolver dúvidas dos estudantes.
Há, porém, outras razões para a
votação, segundo Andrade: um
tio de Alckmin, chamado José Geraldo Rodrigues Alckmin (1915-1978), acabara de ser nomeado
ministro do STF em 1972 e transferiu prestígio para o sobrinho.
A outra razão era histórica. Geraldo é sobrinho-neto do folclórico político mineiro José Maria
Alkmin (1901-1974), que fora ministro da Fazenda de Juscelino
Kubistschek (1956-1958) e vice do
presidente Castello Branco (1964-1967). "Ter um Alckmin no MDB
era um trunfo", diz Andrade.
Alckmin se beneficiaria dos
efeitos do "milagre econômico"
ao ser eleito prefeito de Pindamonhangaba, em 1976. A cidade, cuja
economia era baseada na agricultura, sofreu uma guinada industrial. "Nós mudamos a história de
Pinda. Trouxemos 11 grandes indústrias, entre elas a Villares e a
Alcan. O Geraldo veio nesse vácuo", conta João Bosco, 57, que
ocupou a prefeitura antes de
Alckmin, de 1973 a 1976. De 1970 a
1980, a população da cidade passou de 48.653 a 70.574 habitantes.
O resultado do "milagre" podia
ser visto nas ruas de Pindamonhangaba. Ao final da sua gestão,
em 1982, 200 ruas haviam sido pavimentadas; até então, a cidade
contava com 30 ruas asfaltadas.
À época, ninguém considerou
nepotismo o fato de Alckmin ter
nomeado o pai como chefe de gabinete na prefeitura. Veterinário,
Geraldo José Rodrigues Alckmin
era um assombro para os padrões
de Pindamonhangaba. "Ele conhecia escolástica e santo Tomás
de Aquino como ninguém na cidade. Um crânio", lembra Bosco.
Geraldo, o pai, havia adquirido
o perfil erudito numa organização católica da qual fazia parte, a
Opus Dei. Criada em 1928, a Opus
Dei tem um viés político de direita
-na Espanha, apoiou a ditadura
de Francisco Franco.
Em 1978, no cinquentenário da
Opus Dei, o pai de Geraldo pediu
ao filho que batizasse com o nome
do fundador da organização uma
das ruas de Pindamonhangaba:
Josemaría Escrivá de Balaguer y
Albas (1902-1975). Assim foi feito.
Geraldo, o filho, mantém a tradição paterna: é católico e vai à
missa todo domingo.
Alckmin venerava o pai, mas
não permitiu que ele diminuísse a
jornada de trabalho na prefeitura
sem a equivalente perda salarial.
"O Geraldo reduziu o salário do
pai pela metade quando ele pediu
para trabalhar só meio expediente", afirma o ministro tucano Paulo Renato Souza (Educação).
A fama de realizador de Alckmin, aliada à pouca idade (foi eleito prefeito com 24 anos), correu
pelo Vale do Paraíba. Causava espécie em Pindamonhangaba que,
aos 27 anos, já tivesse concluído o
curso de especialização em anestesiologia, no Hospital do Servidor Público em São Paulo.
PELO CONSUMIDOR
Foi com esse currículo que
Alckmin deixou a Prefeitura de
Pindamonhangaba seis meses antes do final do mandato para se
candidatar a deputado estadual.
Eleito em 1982 com 96.232 votos, não deixou marcas na sua
passagem pela Assembléia.
No Congresso Constituinte foi
diferente. Vice-líder da bancada
do PMDB, Alckmin começou seu
mandato em 1987 com uma proposta que visava aumentar a representação parlamentar de São
Paulo. Precisava colher 30 mil assinaturas para a apresentar a
emenda, mas foi um fiasco.
Alckmin teria mais sucesso com
duas outras propostas apresentadas ao Congresso Constituinte: o
primeiro projeto do Código de
Defesa do Consumidor e a lei sobre doação e transplante de órgãos, da qual foi relator. Na Constituinte, defendeu um mandato
de quatro anos para o ex-presidente José Sarney, votou a favor
da reforma agrária e contra a licença-paternidade. Acabou com
média 7, na avaliação do Diap
(Departamento Intersindical de
Assuntos Parlamentares). O Diap
elencou uma série de pontos
constitucionais que classificou
como de interesse dos trabalhadores e deu nota aos parlamentares de 0 a 10. A avaliação máxima
era atribuída àqueles que votaram
a favor de todas essas emendas.
A ascensão de Alckmin no
PSDB não se deve só às suas qualidades parlamentares. Ele é considerado um articulador hábil, "às
vezes lembra até o Tancredo Neves", como diz Paulo de Andrade.
Na eleição para a presidência do
PSDB, em 1991, derrotou a deputada Zulaiê Cobra e fez o candidato patrocinado pelo então senador Fernando Henrique Cardoso
desistir -era Sérgio Motta.
Foi como presidente estadual
do PSDB, cargo que ocupou entre
1991 e 1994, que Alckmin deu seu
pulo do gato. Segundo um deputado federal do PSDB, ele repetiu
a estratégia que Orestes Quércia
adotara para controlar o PMDB
-saiu pelo interior fundando diretórios e arrebanhando aliados.
A empreitada deu certo. Em
1994, Alckmin foi escolhido pelo
PSDB para ser candidato a vice-governador de Mário Covas. A
cúpula tucana preferia Walter Barelli. No quesito personalidade,
Covas e Alckmin compõem uma
espécie de versão política da dupla o Gordo e o Magro.
São opostos em tudo. Covas é
vulcânico, sanguíneo, estourado;
Alckmin é frio, metódico, silencioso. Mais de uma vez Covas perdeu a paciência com o modo de
Alckmin conduzir o plano de privatizações, segundo dois integrantes do programa. Queria decisões, e Alckmin oferecia ponderações. Ao final, o vice conseguiu
obter cerca de R$ 16 bilhões com
vendas de empresas públicas,
transferências e concessões.
Alckmin deixou o programa de
privatização com uma única acusação contra ele: teria sido informado de que a licitação para a
concessão de cinco estradas poderia estar sendo fraudada, e não
fez nada, segundo Celson Ferrari,
diretor da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A). Alckmin
argumenta que a acusação é vazia,
que não foi informado da suspeita, não caberia a ele controlar as licitações e que tudo foi regular.
Em Pindamonhangaba, a oposição acusa Alckmin de "sustentar um coronel retrógrado na prefeitura", como diz Bettoni, hoje
candidato a prefeito pelo PFL.
O aliado de Alckmin na cidade,
o prefeito Vito Ardito Lerário
(PSDB), responde a uma ação por
improbidade administrativa. É
acusado de pagar preço de primeira por tubos de concreto de
segunda, causando um suposto
prejuízo de R$ 10 milhões à prefeitura. O processo está no Superior Tribunal de Justiça.
As acusações nem arranham a
imagem de Alckmin. "As palavras
do padre e as do Geraldo são lei
aqui em Pinda", diz Andrade.
Isso ocorreria por causa da imagem que Alckmin moldou para si,
segundo Bettoni. "Ele construiu
essa imagem de bom moço porque não discute, não dá a cara para bater. Ele ganha votos com isso,
mas peca pela omissão", diz o ex-amigo de faculdade.
Foi essa imagem que entusiasmou a cúpula do PSDB na eleição
deste ano. Depois de ter ficado em
terceiro lugar na disputa para a
prefeitura paulistana em 1996,
quando José Serra era candidato,
os tucanos vislumbraram que haviam mudado de patamar com a
disparada de Alckmin. Em abril,
ele tinha apenas 3% das intenções
de voto e, cinco meses depois, alcançara 16% -seu ápice na campanha, segundo o Datafolha, registrado no dia 1º de setembro.
O mérito do candidato nesse
salto não é relevante, segundo Renato Janine Ribeiro, professor de
ética e filosofia política na USP.
"O Alckmin simplesmente alcançou a votação tucana", diz Janine Ribeiro. Ele 1996, Serra obteve 14,5% do total de votos.
Ele atingiu esse patamar porque
adotou o discurso típico dos tucanos: o da racionalidade. Por isso a
pregação na TV de que ele tem "a
cabeça no lugar", de que vai dar
um "não à bagunça", ataques velados aos adversários. É um modo
"prosaico" de fazer política, classifica Janine Ribeiro.
"O PSDB é o partido do prosaico, da seriedade, do esvaziamento
da carga afetiva na política. Os tucanos imaginam que onde o afeto
pulsa não há democracia. A frieza
do Alckmin tem a ver com isso",
diz o professor da USP.
Onde Janine Ribeiro vê problemas, Paulo Renato vê qualidades:
"Seja qual for o resultado, o PSDB
sai renovado destas eleições. E o
Geraldo sai com estatura para ser
qualquer coisa no Estado".
Texto Anterior: Datafolha: Continua embolado 2º lugar em S. Paulo Próximo Texto: São Paulo: Vices passam campanha 2000 na sombra Índice
|