São Paulo, sexta-feira, 27 de setembro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

Batismo de fogo

AUGUSTO MARZAGÃO

No período democrático pós-Estado Novo os vestígios do velho coronelismo eleitoral, com seu universo de caciques, feudatários e até pistoleiro, ainda produziam reflexos nos altos níveis do cenário político nacional. Desse contexto faziam parte frequentes bravatas de líderes egressos da República Velha, que não se bastavam com o poder de fogo da retórica, mas estavam sempre disponíveis para as soluções radicais à bala. Parlamentares armados para quaisquer eventualidades eram pontos comuns de referência nas histórias que então cruzavam os novos horizontes republicanos ainda não consolidados.
Lembremo-nos de um "flash" daquele tempo, que nos remete ao comentário acima aduzido.
O deputado federal (1959-1963) e coronel do exercito Menezes Cortes foi Chefe de Polícia do Rio de Janeiro. Era um homem austero, muito respeitado no cumprimento do dever. Quando se elegeu pela UDN (União Democrática Nacional), foi substituído pelo coronel Amaury Kruel no cargo policial que ocupava.
Menezes Cortes passou a ser informado de que Amaury Kruel estaria fazendo ácidas críticas a sua administração, o que ele punha em dúvida. As notícias continuaram chegando até que, inconformado, Menezes Cortes decidiu tirar satisfações com o substituto, o que acabou se transformando num desfecho de vias de fato, com mesas e cadeiras quebradas, segundo algumas testemunhas.
De alma lavada, o representante udenista regressou à Câmara dos Deputados e foi ao gabinete do primeiro secretário da Casa, José Bonifácio de Andrada. Lá se encontrava reunido um grupo de parlamentares, entre eles o deputado Aloísio Nonô, de Alagoas. Menezes Cortes estava pálido, o que fez com que José Bonifácio indagasse, preocupado, sobre o que acontecera. Ouviu-se então um relato dramático, até que foi interrompido por uma pergunta de Aloísio Nonô: "O caro colega quando entrou no gabinete do Chefe de Polícia estava armado?" "Não", respondeu Menezes Cortes, "não costumo portar nenhuma arma". Aí o colega alagoano exclama, com cara de espanto: "Pois Vossa Excelência fez muito mal. Nós, em Alagoas, não vamos desarmados nem em batizados, pois ignoramos a intenção do recém-nascido...".


AUGUSTO MARZAGÃO, jornalista, autor do livro "Memorial do Presente", ex-secretário particular dos presidentes Jânio Quadros e José Sarney e ex-secretário de Comunicação Institucional de Itamar Franco, escreve às sextas-feiras nesta seção


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