São Paulo, Domingo, 28 de Fevereiro de 1999
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DOMINGUEIRA
Brazil America

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo

Enfim, temos um passaporte norte-americano no Banco Central. Não há nada de mal nisso, mas a dupla nacionalidade de Armínio Fraga não deixa de ter um aspecto simbólico nesses ambíguos tempos tucanos.
Afinal, uma das notas ideológicas dos regimes emergentes latino-americanos -Chile, Argentina e Brasil- tem sido exatamente a tentativa de posar de sócios do Primeiro Mundo, especialmente dos nossos conhecidos irmãos do Norte.
Essa operação ideológica tenta reverter o histórico sentimento "antiimperialista" ou antiamericanista cultivado por parte de nossos meios intelectuais, mais inclinados à influência européia, e políticos, sejam eles de esquerda ou meramente nacionalistas e populistas.
Embora em sabujice ninguém supere o presidente argentino, que parece desejar transformar seu país no território mais ao sul da federação norte-americana, foram notáveis os esforços de Fernando Henrique Cardoso, nos últimos anos, para alimentar a imagem de que EUA e Brasil estariam do mesmo lado, caminhando de mãos dadas.
A famosa declaração do presidente-sociólogo de que os EUA são o modelo que devemos seguir, a troca de visitas presidenciais, os telefonemas estrategicamente revelados à mídia, os contatos com o Tesouro, as declarações de Clinton pedindo "ajuda" ao Brasil, tudo foi feito para fazer crer que nosso destino estaria agora, mais do que nunca, entrelaçado com o dos norte-americanos, com quem falaríamos de adulto para adulto.
Claro que a americanização do Brasil é um processo maior e mais antigo, mas com a queda da URSS, a inevitabilidade da "globalização" e a "estabilidade da moeda", a tentativa de aproximação parece ter atingido outro patamar.
O problema é que o real dançou e agora estamos novamente nas mãos do Fundo, braço do intervencionismo financeiro de Tio Sam. A sensação de que o país está sendo governado de fora para dentro está nas ruas.
Ontem, a Folha publicou na primeira página uma foto reveladora. Um grupo de manifestantes queima uma bandeira norte-americana em frente à sede do Banco Central em Belo Horizonte. O "punctum" da imagem, que expressa a ambiguidade desses tempos, é um rapaz no alto, à direita, com boné de beisebol e camiseta do Chicago Bulls...
O senador Antonio Carlos Magalhães, que não é bobo, percebeu o espírito da coisa e deu sua detonada, obviamente para as arquibancadas, na turma de mr. Fischer.
Já o presidente permanece na velha encenação. Como tentar destacar-se de uma política da qual, no final das contas, foi o principal incentivador?


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