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CELSO PINTO
Um aperto fiscal peculiar
Num mesmo dia, sexta-feira,
o presidente Fernando Henrique Cardoso prometeu facilitar
a vida dos Estados e anunciou
que vai refinanciar a dívida
dos municípios por 30 anos, a
juros camaradas. Como ficam
as juras de austeridade fiscal?
A resposta é mais complicada
do que parece. Haverá perda
no acerto com os Estados, mas
havia algum espaço para isso
sem comprometer as promessas
ao FMI.
No caso dos municípios, há
um paradoxo: a rolagem, na
verdade, melhora os números
do ajuste fiscal. Antes, o governo imaginava um superávit
primário em torno de 0,2% do
PIB nos municípios. Com o
acordo, o superávit pode ir a
0,3%.
No acordo de dezembro com o
FMI, o governo havia prometido um superávit primário nos
Estados (isto é, receitas menos
despesas, exceto juros) equivalente a 0,4% do PIB. O economista Raul Velloso calcula que,
se os Estados pagassem os 13%
da receita líquida previstos nos
acordos de renegociação, gerariam um superávit primário de
0,8% do PIB.
Eduardo Guimarães, secretário do Tesouro Nacional, não
tem um cálculo tão preciso,
mas acha razoáveis as contas
de Velloso. Supõe-se que o novo
acordo com o FMI não cometerá a insensatez de elevar a promessa de superávit primário
além de 0,4%.
Existem duas formas de aliviar a situação dos Estados.
Uma seria rasgar os acordos de
renegociação e diminuir o pagamento em relação à receita
líquida. É o que quer o governador de Minas Gerais, Itamar
Franco. Outra é reduzir outros
gastos dos Estados de forma a
gerar mais caixa para pagar os
acordos da dívida. É o que propôs o governo na sexta-feira.
Seu efeito final é o mesmo para
os Estados, sem descumprir o
assinado.
Uma forma de melhorar o
caixa dos Estados será aumentar as compensações da Lei
Kandir, estimadas em R$ 3,4
bilhões no Orçamento da
União. Guimarães diz que a
fórmula ainda não está acertada.
Outra será reconhecer a dívida do INSS com os Estados. Os
Estados dizem que a dívida
chega a até R$ 20 bilhões. Guimarães diz que essas estimativas estão largamente superestimadas, a partir de critérios
equivocados. Ainda não há um
cálculo oficial, mas o dinheiro
ajudará a equacionar a questão dos inativos, aliviando o
caixa.
Adiantamentos do BNDES e
Caixa por conta de privatização de empresas de água e saneamento terão que ir para os
fundos de inativos. Ajuda o
caixa e direciona receita de privatização para resolver problemas fiscais estruturais. O cálculo da receita líquida também
poderá ser aliviado dos repasses do Fundef.
Não se sabe até aonde Brasília vai, mas o limite, diz Guimarães, é garantir o superávit
primário acertado com o FMI.
No caso dos municípios, da
dívida de R$ 24 bilhões, só
eram pagos juros e amortizações sobre R$ 6,6 bilhões devidos ao Tesouro. O resto era rolado. Cada rolagem de juros e
principal aumentava o déficit
no conceito do FMI.
Brasília vai renegociar até R$
17 bilhões, dos quais R$ 10,3 bilhões em títulos (R$ 8,1 bilhões
de São Paulo e R$ 2,2 bilhões do
Rio). Os municípios terão 30
anos para pagar e, a menos que
estejam dispostos a pagar uma
entrada, o que é improvável,
pagarão juros de IGP (inflação) mais 9%.
É um juro infinitamente menor do que esses municípios pagariam se fossem rolar a dívida
no mercado. Portanto haverá
uma socialização da perda com
a diferença, em favor de vários
municípios que, como se sabe,
se endividaram de forma irresponsável.
O lado bom é que os municípios já não pagavam nada (no
caso da dívida em títulos paulistana, ela era rolada no Banco do Brasil e no Banespa).
Agora, vão pagar pelo menos
13% da receita líquida. O ganho anual será de R$ 1,1 bilhão
no primário e mais R$ 440 milhões pela redução no custo da
rolagem.
Outra vantagem é que o acordo cria obrigações que não
existiam no caso dos municípios. Eles ficam proibidos de se
endividar, até que o total da dívida seja equivalente à receita
líquida anual. Se não se enquadrarem na Lei Camata (gastos
com pessoal até 60% da receita
líquida), na Lei da Previdência
(gastos com inativos até 12%
da receita líquida) e criarem
contribuições para ativos e
inativos de pelo menos 11%, terão que pagar 15%, e não 13%
da receita líquida.
Como mostra o exemplo dos
Estados, isso não é garantia de
que os prefeitos que tomarão
posse em 2001 não denunciem
os acordos assinados e peçam
mais concessões. Esse risco só
desaparecerá quando for aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe o governo
federal de renegociar dívidas
ou conceder empréstimos para
Estados e municípios.
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