São Paulo, Domingo, 28 de Fevereiro de 1999
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CELSO PINTO
Um aperto fiscal peculiar

Num mesmo dia, sexta-feira, o presidente Fernando Henrique Cardoso prometeu facilitar a vida dos Estados e anunciou que vai refinanciar a dívida dos municípios por 30 anos, a juros camaradas. Como ficam as juras de austeridade fiscal?
A resposta é mais complicada do que parece. Haverá perda no acerto com os Estados, mas havia algum espaço para isso sem comprometer as promessas ao FMI.
No caso dos municípios, há um paradoxo: a rolagem, na verdade, melhora os números do ajuste fiscal. Antes, o governo imaginava um superávit primário em torno de 0,2% do PIB nos municípios. Com o acordo, o superávit pode ir a 0,3%.
No acordo de dezembro com o FMI, o governo havia prometido um superávit primário nos Estados (isto é, receitas menos despesas, exceto juros) equivalente a 0,4% do PIB. O economista Raul Velloso calcula que, se os Estados pagassem os 13% da receita líquida previstos nos acordos de renegociação, gerariam um superávit primário de 0,8% do PIB.
Eduardo Guimarães, secretário do Tesouro Nacional, não tem um cálculo tão preciso, mas acha razoáveis as contas de Velloso. Supõe-se que o novo acordo com o FMI não cometerá a insensatez de elevar a promessa de superávit primário além de 0,4%.
Existem duas formas de aliviar a situação dos Estados. Uma seria rasgar os acordos de renegociação e diminuir o pagamento em relação à receita líquida. É o que quer o governador de Minas Gerais, Itamar Franco. Outra é reduzir outros gastos dos Estados de forma a gerar mais caixa para pagar os acordos da dívida. É o que propôs o governo na sexta-feira. Seu efeito final é o mesmo para os Estados, sem descumprir o assinado.
Uma forma de melhorar o caixa dos Estados será aumentar as compensações da Lei Kandir, estimadas em R$ 3,4 bilhões no Orçamento da União. Guimarães diz que a fórmula ainda não está acertada.
Outra será reconhecer a dívida do INSS com os Estados. Os Estados dizem que a dívida chega a até R$ 20 bilhões. Guimarães diz que essas estimativas estão largamente superestimadas, a partir de critérios equivocados. Ainda não há um cálculo oficial, mas o dinheiro ajudará a equacionar a questão dos inativos, aliviando o caixa.
Adiantamentos do BNDES e Caixa por conta de privatização de empresas de água e saneamento terão que ir para os fundos de inativos. Ajuda o caixa e direciona receita de privatização para resolver problemas fiscais estruturais. O cálculo da receita líquida também poderá ser aliviado dos repasses do Fundef.
Não se sabe até aonde Brasília vai, mas o limite, diz Guimarães, é garantir o superávit primário acertado com o FMI.
No caso dos municípios, da dívida de R$ 24 bilhões, só eram pagos juros e amortizações sobre R$ 6,6 bilhões devidos ao Tesouro. O resto era rolado. Cada rolagem de juros e principal aumentava o déficit no conceito do FMI.
Brasília vai renegociar até R$ 17 bilhões, dos quais R$ 10,3 bilhões em títulos (R$ 8,1 bilhões de São Paulo e R$ 2,2 bilhões do Rio). Os municípios terão 30 anos para pagar e, a menos que estejam dispostos a pagar uma entrada, o que é improvável, pagarão juros de IGP (inflação) mais 9%.
É um juro infinitamente menor do que esses municípios pagariam se fossem rolar a dívida no mercado. Portanto haverá uma socialização da perda com a diferença, em favor de vários municípios que, como se sabe, se endividaram de forma irresponsável.
O lado bom é que os municípios já não pagavam nada (no caso da dívida em títulos paulistana, ela era rolada no Banco do Brasil e no Banespa). Agora, vão pagar pelo menos 13% da receita líquida. O ganho anual será de R$ 1,1 bilhão no primário e mais R$ 440 milhões pela redução no custo da rolagem.
Outra vantagem é que o acordo cria obrigações que não existiam no caso dos municípios. Eles ficam proibidos de se endividar, até que o total da dívida seja equivalente à receita líquida anual. Se não se enquadrarem na Lei Camata (gastos com pessoal até 60% da receita líquida), na Lei da Previdência (gastos com inativos até 12% da receita líquida) e criarem contribuições para ativos e inativos de pelo menos 11%, terão que pagar 15%, e não 13% da receita líquida.
Como mostra o exemplo dos Estados, isso não é garantia de que os prefeitos que tomarão posse em 2001 não denunciem os acordos assinados e peçam mais concessões. Esse risco só desaparecerá quando for aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe o governo federal de renegociar dívidas ou conceder empréstimos para Estados e municípios.



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