São Paulo, segunda, 28 de abril de 1997.

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ENTREVISTA DA 2¦
Relator da lei eleitoral quer limitar o uso da máquina



SOBRE O FUNDO ELEITORAL Seria até moralizador se você conseguisse criar um fundo e não precisasse pedir dinheiro para empresa nenhuma, para que não tivesse que oferecer favores a essas empresas depois
LUCIO VAZ
da Sucursal de Brasília

O possível uso da máquina do governo pelo presidente, governadores e prefeitos será a principal preocupação do relator da lei eleitoral para 1998, deputado Carlos Apolinário (PMDB-SP). A comissão especial que vai elaborar a lei eleitoral será instalada amanhã.
``Temos que disciplinar o que é uso da máquina. Entendo que participar de inaugurações e mandar dinheiro voluntário para os Estados nos últimos seis meses que antecedem as eleições podem trazer benefícios para uma candidatura.''
Na sua opinião, o presidente não deve usar os aviões do governo em atos típicos de campanha eleitoral: ``Se ele for para um comício em determinado Estado, para uma inauguração que traga dividendos políticos, será uso da máquina.''
O relator acha que seria polêmico criar um fundo de financiamento de campanha com verbas públicas. ``Seria moralizador. Mas não sei como a população encararia a criação desse fundo, quando há tanta gente passando fome.''
Apolinário quer excluir da propaganda eleitoral gratuita os chamados partidos ``nanicos'', que não têm representantes na Câmara. Por esse critério, o Prona, de Enéas Carneiro, seria excluído do horário gratuito, por exemplo.

Folha - Amanhã será instalada a comissão responsável pela lei eleitoral. Que linha o sr. vai seguir na regulamentação de campanhas?
Carlos Apolinário -
A maior preocupação será com a novidade desta eleição, que será a reeleição para cargos executivos. Então, temos que disciplinar o que é usar a máquina durante o período eleitoral. Eu entendo que o presidente da República participar de inaugurações nos últimos seis meses que antecedem as eleições e mandar dinheiro voluntário (que não está previsto no Orçamento da União) para os Estados, ou o governador mandar para as prefeituras, podem trazer benefícios para uma determinada candidatura.
Folha - Um governante que inaugurar uma obra nesse período poderá usar as imagens na propaganda eleitoral gratuita?
Apolinário -
Se não previrmos na lei que ele não pode participar de inaugurações, ele vai participar. Então, cabe à Câmara disciplinar uma coisa nova. A nossa assessoria vai levantar experiências de outros países, como França, Argentina e EUA, onde já existe a reeleição.
Folha - O presidente poderia, por exemplo, usar aviões do governo na campanha pela reeleição?
Apolinário -
Quanto ao presidente da República, o meu temor talvez seja menor. Teremos a imprensa fiscalizando o governo. Se ele usar um avião do governo para ir a outro país, resolver um problema nacional, isso não será uso da máquina de forma eleitoral. Se ele for para um comício em determinado Estado, para uma inauguração que traga dividendos políticos, será uso da máquina. A lei terá que separar, o que não é fácil, o que é uso da máquina e o que não é. Participar de inaugurações durante a campanha eleitoral dá privilégios ao candidato que está no posto.
Folha - Essa lei será aprovada por um Congresso onde o presidente tem maioria folgada. A bancada governista não vai acabar aprovando o que mais beneficia o atual presidente?
Apolinário -
Acho que a melhor forma de o presidente Fernando Henrique fazer uma boa campanha é ajudar a população em relação ao emprego, à melhoria das condições de vida etc. Ele não deve se apegar a verbas para Estados, andar de avião do governo, usar inaugurações para ser privilegiado. Os atuais governantes têm quatro anos de campanha. Se fizerem um bom governo, até por inteligência, não vão usar a máquina na campanha.
Folha - Sobre o financiamento de campanha, deve continuar a fórmula dos bônus eleitorais?
Apolinário -
Se for para continuar do jeito que está, não importa se será bônus ou recibo. O que importa é que haja transparência. A doação tem que estar na declaração de renda de quem doou e registrada na Justiça Eleitoral. O que precisa é a lei estabelecer um limite de quanto cada candidato pode receber para concorrer a deputado, senador ou governador. E isso deve ser de acordo com o número de habitantes de cada Estado. É preciso estabelecer o máximo que uma empresa ou pessoa física pode contribuir para uma campanha.
Folha - O sr. é contra o financiamento público, com recursos do Orçamento da União?
Apolinário -
Vai surgir a discussão sobre a criação de um fundo eleitoral, no qual todos os partidos recebem um valor de acordo com suas bancadas no Congresso. Não sou contra a criação desse fundo. Seria até moralizador se você conseguisse criar um fundo e não precisasse pedir dinheiro para empresa nenhuma, para que não tivesse que oferecer favores a essas empresas depois de eleito. Seria muito mais moralizador. O problema é que, na situação atual do país, eu não sei como a população encararia a criação desse fundo, quando há tanta gente passando fome. Com tanta gente passando necessidade, você cria um fundo para financiar campanha? Como sou deputado, quero fazer algo que atenda à sensibilidade popular.
Folha - A possibilidade de coligações nas eleições proporcionais deve ser mantida?
Apolinário -
Eu sou favorável. Você tem que permitir que os partidos que pensam igual possam fazer uma coligação. Mas é claro que você vai ter os dois lados na Casa: os que precisam da coligação, como o PCB, e os que não precisam. Mas não podemos fazer uma lei só pensando nos grandes partidos ou só nos pequenos.
Folha - A propaganda gratuita deve manter a permissão do uso de imagens externas ou retornar aos discursos feitos em estúdio?
Apolinário -
Segundo o pessoal de mídia, o eleitor que tem pouco interesse pela campanha eleitoral perde ainda mais o interesse quando fica apenas o candidato falando. As imagens externas dão uma audiência maior. E, quando você pensa na propaganda, você pensa também no eleitor.
Folha - Como será o espaço dos chamados partidos ``nanicos'' no horário eleitoral gratuito? Muitas vezes eles fazem campanha para candidatos de outros partidos.
Apolinário -
Você chama de partido "nanico", mas eu chamo de partido de aluguel. São partidos que muitas vezes prestam serviço a um grande partido. Não querendo ser agressivo com outro candidato, um partido contrata o serviço desses "nanicos" para atacar determinados adversários. Eu gostaria de colocar no relatório que, para ter acesso ao horário gratuito, o partido teria de ter representantes na Câmara. Hoje, temos partidos para todas as ideologias.
Folha - Mas o Prona, que hoje não tem deputados federais, ficou em terceiro lugar na última eleição. Esse partido seria excluído?
Apolinário -
Se eu estivesse convencido de que o voto do Prona, do Enéas, foi um voto ideológico, em cima de um programa, em cima de uma esperança de que algo novo pudesse acontecer, elegendo o Enéas como presidente, eu não quereria que ele tivesse 30 segundos, mas cinco minutos. Mas, na realidade, o voto do Enéas foi um voto de protesto. Aquele que não queria votar no Fernando Henrique, no Lula, votou no Enéas. Não foi o voto da consciência. Foi contra todo mundo. Não queremos o voto apenas de protesto. Se alguém quer protestar, então que vote em branco.
Folha - E a participação feminina?
Apolinário
- Eu pretendo, no mínimo, manter a cota de 20% nas vagas reservadas às mulheres. Em São Paulo, por exemplo, um partido pode lançar 70 candidatos. Ele terá de reservar 14 vagas para mulheres. Existem partidos que são machistas e, de repente, excluem as mulheres das candidaturas.
Folha - O sr. vai criar algum tipo de restrição à divulgação de pesquisas eleitorais?
Apolinário -
Não. A única coisa que vou fazer é tornar a metodologia o mais transparente possível. Os institutos têm de dizer claramente quem encomendou e quem pagou. Mas eu não posso proibir o eleitor de tomar conhecimento da realidade do seu candidato até mesmo no dia da eleição: ele tem o direito de saber como está o seu candidato até o final.
Os critérios e o financiamento da pesquisa têm de ser claros para evitar, nos Estados e cidades em que a mídia tem pouca força e é menos transparente, o aparecimento daquelas pesquisas fantasmas que apresentam números beneficiando determinado candidato e ninguém sabe de onde vieram e quem pagou por elas.

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