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ENTREVISTA
Presidente afirma que "não se pode falar mal" do PT dentro do partido e que baixará juros "no momento político escolhido"
Não cometerei erro em política, diz Lula
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Em sua primeira conversa prolongada com jornalistas brasileiros no Brasil, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva exibiu tão formidável confiança nele mesmo
que chegou a afirmar não vai cometer "nenhum erro em política,
interna ou externa".
Mais: "Vou fazer o jogo político
como jamais foi feito nesse nosso
mundo velho de guerra".
A autoconfiança que permeou
toda a conversa de cerca de 90 minutos explodiu quando Lula já estava de pé, junto à grande mesa
redonda de seu gabinete, no qual
se reuniram 11 jornalistas credenciados para acompanhar a viagem do presidente a Evian (França), para a reunião do G-8, ou de
veículos que têm credenciados.
Lula havia conversado com jornalistas brasileiros uma única vez,
em Davos (Suíça).
A conversa de ontem, como a
anterior, foi sem gravadores ligados, mas sem restrição para que
todas as declarações fossem reproduzidas e todos os assuntos
fossem abordados.
O único momento em que o
presidente esboçou irritação foi
quando a Folha perguntou por
que o gênero "Lulinha paz e
amor" só estava sendo quebrado
em relação aos "mal chamados
radicais, que defendem posições
históricas do partido".
Ao terminar a conversa, perto
de 20h, o presidente, de terno
marrom claro e camisa azul, orgulhou-se de ter perdido 6 ou 7
quilos desde que assumiu, graças
a um rígido programa de condicionamento físico.
Contou que, todo dia, acorda às
6h, anda 4.200 metros, sempre
com a mulher, Marisa, e "com um
companheiro massagista".
Leia abaixo o resumo da conversa, por temas tratados:
PLANO CONTRA A FOME
Lula diz que "alguma coisa precisa acontecer" em relação ao
problema da fome. Defende algum tipo de organismo multilateral, "que pode ser a FAO (Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e Agricultura)", para cuidar do tema.
Depois de ter lançado proposta
idêntica no encontro anual 2003
do Fórum Econômico Mundial,
em Davos, Lula conversou sobre o
assunto com muitas lideranças,
em busca de "um leque de apoio e
solidariedade", na medida em
que acha que a proposta "não pode ser apenas do presidente do
Brasil".
Completa Lula: "Precisa da
cumplicidade do mundo, senão
cai no vazio".
FUNDO PARA INFRA-ESTRUTURA
O presidente defendeu também
a idéia de constituir um "fundo de
investimentos em infra-estrutura" para facilitar a integração física da América do Sul.
"Não tem político brasileiro que
não tenha falado em integração
do continente, mas raríssimas
coisas foram feitas", atacou, embora ressalvando os passos dados
por seu antecessor, Fernando
Henrique Cardoso, em relação à
Venezuela.
A tese de Lula é usar os bancos
nacionais e regionais de fomento
para promover obras de integração física da região. "Sem integração física, não há comércio e, sem
comércio, não há desenvolvimento", afirmou.
Ainda sobre integração, disse
que Brasil e Argentina jamais tiveram, antes, a possibilidade de ter
tão boas relações como agora,
"sem vaidade e sem disputa (de liderança)".
Rejeitou o rótulo de "líder da região", colado nele pelo presidente
venezuelano Hugo Chávez. "Ninguém se auto-indica líder. Ou
vem de forma natural ou não
acontece", acha.
Mas acredita também que a liderança do Brasil será natural. "O
Brasil sempre foi muito respeitado, mas tratou a América do Sul
com desdém, porque tinha coqueluche pela Europa."
ALCA
"O Brasil vai participar da negociação, em defesa de sua indústria
e de sua soberania", afirmou.
Mas deixou claro que a prioridade para o Brasil é muito mais a
América do Sul do que a Alca
(Área de Livre Comércio das
Américas).
Primeiro, ao dizer que a pior
proposta dos Estados Unidos, na
negociação da Alca, foi para o
Mercosul. "Os EUA querem negociar seus temas sensíveis na Organização Mundial do Comércio,
mas negociar os temas sensíveis
para o Brasil na Alca. Se manda
uns para a OMC, tem que mandar
os outros também", afirmou.
O presidente citou o alto custo,
nos EUA, para fabricar álcool
combustível a partir do milho.
"Por que não compram da gente?
Para gerar emprego no campo para eles próprios", respondeu ele
mesmo. "Não podemos viver da
ilusão de que vão abrir mão daquilo que beneficia seus produtores", completou.
Aproveitou para anunciar que o
Brasil está fazendo gestões junto
ao governo japonês para vender
álcool combustível, aproveitando
o dispositivo do Protocolo de
Kyoto que determina a adição de
certa porcentagem de álcool à gasolina. "Se o Japão adicionar 10%
de álcool à gasolina, já dá 50% de
todo o álcool que o Brasil produz", calculou.
MST
O presidente pediu cuidado ao
se acusar o MST de praticar atos
de violência.
"O MST não pode ser acusado
de tudo o que acontece [no campo]", afirmou. E comparou: "Assim como uma associação de jornais não pode ser culpado por tudo o que os jornais fazem em todo
o Brasil, o mesmo acontece em relação ao MST, que é um movimento nacional e às vezes fica sabendo pelos jornais desse ou daquele ato".
Voltou a defender "reforma
agrária tranquila e pacífica", admitiu "exageros aqui e ali", mas
pediu que não se responsabilizasse "a totalidade nem dos sem-terra nem dos fazendeiros".
O presidente disse que a prioridade no momento é transformar
em "áreas altamente produtivas"
os assentamentos já existentes,
"80% dos quais estão em situação
delicada".
Mas, cobrado sobre a velocidade a ser adotada na reforma agrária, respondeu: "Não é Fórmula 1.
Não estamos preocupados com
velocidade, mas em fazer [a reforma] de maneira muito criteriosa".
Prometeu para "logo, logo" um
pacote sobre reforma agrária, sem
antecipar uma data.
Disse também que não vai mudar a medida provisória que impede desapropriação de áreas invadidas (reivindicação do MST),
mas que tampouco pensa em utilizá-la.
JUROS
O presidente repetiu a tese que
já havia exposto em entrevista em
Cuzco (Peru), segundo a qual os
juros altos são "da economia herdada". A redução dos juros virá,
mas "não de forma prematura" e,
sim, "no momento político escolhido".
Defendeu o Banco Central por
ter resistido às pressões para reduzir os juros na reunião da semana passada. "Se atendesse à
gritaria de "baixa, baixa" dos editoriais e dos colunistas, passaria a
ceder a qualquer pressão", comentou o presidente.
Mas, ao mesmo tempo, admitiu
que a redução dos juros "é um desejo coletivo. Do Palocci ao Meirelles, do José Alencar ao Lula, do
Gushiken ao Vicentinho, do Vicentinho ao Clóvis Rossi, todos
querem baixar os juros".
Mas disse que a queda só virá
quando "tivermos a certeza de
que a inflação vai cair definitivamente".
Depois, comentou que o problema maior não é a taxa Selic (a
de referência, usada nos títulos
públicos), mas os juros reais cobrados de pessoas físicas e jurídicas. "A economia real é tocada a
uma outra taxa que ninguém sabe
qual é, mas que todos sabem que é
muito alta", afirmou.
Emendou: "Nenhum país do
mundo pode se desenvolver se a
taxa de juros do governo for
maior do que a taxa de lucro advindo da produção. Esse é o problema que temos que resolver".
A pergunta seguinte óbvia foi:
como? Primeiro, Lula citou o fato
de que, nos EUA, financia-se a
compra de imóveis a 30 anos, com
juros de 5% ou 6%. No Brasil, "os
banqueiros se queixam de que
não tem garantia de que, se o cara
não pagar, vão ter a casa de volta",
comentou.
"Temos que fazer um ajuste",
afirmou, para depois dizer que o
governo "tem coisas para anunciar nessa área", sem no entanto
descer a detalhes.
Antecipou apenas para os próximos dias o anúncio do "maior
projeto de cooperativas de crédito
da história deste país".
ECONOMIA, NOVA E VELHA
O presidente Lula voltou ao tema da "herança" recebida, ao dizer que só ao pegar "o carro" (o
governo), percebera que "o tanque estava vazio". A "velha" economia herdada gerou tanto os juros altos como um superávit fiscal
maior do que o governo anterior
acertara com o FMI (Fundo Monetário Internacional).
A nova economia "não se faz
por decreto-lei", mas por uma
"construção política", que já está,
segundo o presidente, em andamento.
Será uma economia "de investimentos no setor produtivo e de
geração de emprego com distribuição de renda".
Lula mencionou o PPA (o plano
plurianual de investimentos) como uma espécie de embrião dessa
nova economia.
"Antes, era uma peça de ficção.
Agora, será discutido com os segmentos organizados da sociedade", afirmou.
Lula queixou-se de que não apenas não pôde fazer nada novo,
mas, pior ainda, "não podemos
fazer muito nem sequer no que temos", em alusão às rodovias, que,
segundo ele, "foram totalmente
abandonadas".
Embora tenha repetido que não
quer ficar "chorando o leite derramado", criticou dois de seus antecessores: Fernando Collor, por
suas "invenções", e Fernando
Henrique Cardoso, por não ter
mudado a política cambial em
1996, preferindo preocupar-se
com a reeleição.
A nova economia do PT será
uma política "sólida, madura e
conversada com as pessoas", afirmou Lula.
Segundo o presidente, todos os
empresários com os quais têm se
reunido dizem que "nunca haviam sido chamados para dar palpite".
JOSÉ DIRCEU
Sobre o ministro-chefe da Casa
Civil, José Dirceu, ter dito que juros altos e superávit também elevado travam a economia, Lula fez
uma crítica velada.
Primeiro, afirmou que ninguém
faz mais discursos do que ele, durante os quais diz "grande parte
das coisas que falei a vida inteira".
Mas emendou: "Um presidente
da República não pode sair por aí
vendendo negativismo. Você
acha que eu sou louco? É vender
terrorismo".
Completou: "Muitas vezes o
que se discute nesta sala não se
pode discutir publicamente. Por
isso, vocês inventaram o tal de
off", em alusão ao jargão jornalístico para informações nas quais se
omite a fonte.
VIOLÊNCIA
Lula diz que a polícia brasileira
"não está preparada para enfrentar o crime organizado".
Trata-se de "uma indústria poderosíssima, com braços no Poder Legislativo, no Poder Judiciário e no empresariado, em todas
as instâncias da sociedade".
"A polícia -comentou- precisa ser mais preparada, mais inteligente, mais sofisticada".
O presidente disse que a reação
quase automática de "invadir a favela" em busca de narcotraficantes atinge "possivelmente a parte
mais frágil, contratada para fazer
as maldades, mas [não atinge] os
graúdos que vivem numa cobertura no 29º andar ou estão em Paris comendo escargô".
Como nos outros temas, Lula
evitou qualquer promessa de
reestruturação da segurança pública, fora a menção a programas
já divulgados e em andamento,
como os cinco presídios federais.
Descartou, no entanto, o uso do
Exército na segurança pública.
"Não vou pôr um soldadinho de
20 anos para combater o exército
do Beira-Mar", afirmou.
O presidente pediu cautela em
relação à chamada "Lei do Abate", a que permite que aviões suspeitos sejam derrubados. "Todo
mundo quer, mas, na primeira
vez em que for abatido um avião
com inocentes dentro, morre o
governo", disse.
POLÍTICA SOCIAL
O presidente primeiro mencionou a necessidade de ter alguém
"coordenando tudo", mas depois
lembrou que já há esse alguém, a
ministra Benedita da Silva (Assistência Social).
Por extensão, negou que Ciro
Gomes (Integração Nacional)
possa ser o coordenador, conforme se especula muito em Brasília.
RADICAIS DO PT
Lula lembrou que o PT já expulsou três deputados (José Eudes,
Bete Mendes e Airton Soares), por
terem participado do Colégio
Eleitoral que elegeu Tancredo Neves/José Sarney, em 1985, contrariando a orientação partidária.
Depois disse que "ninguém é
proibido de falar o que pensa",
mas, "se não concorda com as diretrizes do partido, se afasta".
A diretriz do partido, segundo
Lula, será dada pela maioria da
bancada. "O PT é assim e vai continuar sendo assim. Cada um tem
liberdade de entrar e sair [do partido]. O que não pode é falar mal
do partido dentro dele."
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