São Paulo, quinta, 28 de maio de 1998

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ANÁLISE
"Foi feito tudo? Não", diz o chefe da República

VALDO CRUZ
Diretor-executivo da Sucursal de Brasília

O presidente Fernando Henrique Cardoso até que tentou negar -"não quero utilizar esse encontro para fazer pré-campanha"-, mas a entrevista de ontem mais parecia um discurso de candidato.
Em sua exposição inicial, FHC procurou passar a imagem de um presidente sensibilizado com a situação da seca no Nordeste. "Não quero deixar de me referir a uma questão que toca o coração dos brasileiros", disse.
Mais à frente, afirmou: "Eu fui lá... O cinzento da seca, as árvores retorcidas... É bastante desesperador, dilacerante mesmo". E prometeu: "Não vai morrer ninguém de fome aqui (no Nordeste)".
Não por acaso, FHC estava sendo criticado por seus aliados por se mostrar um presidente insensível, com uma visão sociológica dos problemas brasileiros. Isso estaria provocando perda de votos.
FHC procurou dividir com os governadores e prefeitos o ônus político pelo combate à seca. "Os governadores, os prefeitos têm de organizar recrutamentos, têm de demonstrar que também estão contribuindo", disse.
O presidente está irritado principalmente com a falta de ação de alguns governadores no combate aos saques. Por questões eleitorais, eles estariam evitando tomar medidas impopulares. "É preciso que os governadores atuem."
FHC aproveitou a entrevista também para fazer propaganda de seu governo.
Ao falar sobre os feitos de seu governo na área de educação, disse: "Querem que eu dê alguns dados? Eu dou já", passando a citar as principais medidas na área. Fez o mesmo ao falar de saúde. "Tínhamos 28 mil agentes comunitários. Temos 50 mil e vamos ampliar."
FHC evitou, porém, entrar em detalhes sobre agricultura, emprego e segurança, setores nos quais o governo não teve um desempenho tão bom. "Querem que fale dos outros? Da agricultura? Não quero cansá-los, porque aí vira propaganda", esquivou-se.
Depois, reconheceu que não cumpriu todas as promessas de campanha. "Foi feito tudo? Não." Em seguida, acrescentou: "Mas o rumo foi mudado, mudamos o rumo do Brasil", disse, em tom eleitoral.
Durante a entrevista, o presidente não deixou passar uma oportunidade para dar uma estocada no seu principal adversário, o pré-candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva.
Ao repetir que ainda não sabe se será candidato, FHC comentou sobre Lula: "Eu vejo que ele tem uma dificuldadezinha lá", uma referência aos problemas enfrentados com o PT do Rio de Janeiro, que não queria aliança com o PDT de Leonel Brizola.
FHC encerrou a entrevista no mesmo tom de campanha que marcou sua exposição inicial. "Eu faço um apelo, expliquem as coisas. Não usem subterfúgio. Expliquem que é preciso mobilização para acabar com a pobreza."
Só faltaram os aplausos ao presidente-candidato, que FHC teima em dizer que ainda não existe.



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